Está na hora de falar sobre a Pornografia da Dor Preta

Muitas vezes publicar sobre o sofrimento alheio não é uma forma de protesto.

Durante essa terça-feira uma jovem grávida de 14 semanas foi baleada e assassinada após uma operação policial na Zona Norte do Rio de Janeiro. Kathlen Romeu era design de interiores, modelo, atuava como influencer, tinha apenas 24 anos e foi atingida por um tiro na Vila Cabuçu, localizada no bairro Lins de Vasconcelos. 

A morte dessa jovem causou diversas manifestações em comunidades cariocas e sobretudo nas redes sociais, diversas celebridades repercutiram o caso compartilhando imagens da Kathlen e expressando sua indignação. Rapidamente o perfil dela alcançou mais de 20 mil seguidores após o ocorrido, se tornando no Twitter um dos assuntos mais comentados do Brasil e nos fazendo refletizer sobre o que ativistas do Movimento Black Lives Matter consideram ser uma “Pornografia da Dor Preta”. 

Segundo a escritora e pesquisadora Gabriela Moura, a pornografia da dor é esse hábito masoquista de compartilhar a desgraça de pessoas pretas com uma suposta justificativa de protesto. Se tornou comum encontrarmos nas redes imagens, vídeos e registros de violência ou racismo aos quais buscam denunciar o ocorrido, mas não promovem ações efetivas de mudança daquele contexto. 

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Com certeza, mesmo sem querer você já viu no Instagram, Twitter ou até mesmo no Whatsapp, conteúdos de acidentes ou crimes em que pessoas mortas são expostas nas redes; como por exemplo os vídeos da 2ª maior chacina do RJ, no Jacarezinho.

Por mais que ambos casos sejam distintos, isso vem se popularizando e sendo naturalizado no ambiente virtual, porém poucas pessoas sabem que a divulgação desses materiais é uma atitude irresponsável e criminosa, prevista no artigo 212 do Código Penal Brasileiro. Sendo assim, quem produz imagens, vídeos ou ajuda a divulgar esses conteúdos pode responder por vilipêndio a cadáver, que nada mais é do que expor e desrespeitar uma vítima. 

No entanto, reconheço que para muitos compartilhar as fotos da Kathlen Romeu certamente é uma tentativa de manifestar sua indiganação ao estado e a violência policial, mas precisamos compreender também como isso envolve o processo de luto dos familiares da vítima e desecadeia também uma série de tortura psicológica a determinadas pessoas. Quem é preto, favelado ou pobre já vive a violência policial diariamente e está cansado de ver MANIFESTAÇÕES VIRTUAIS de empatia que não impedem de sermos assassinados diariamente.

Lidar com a morte dessa jovem preta é capaz de gerar inúmeros gatilhos, traumas e recordações de distintos episódios de truculência policial que já vivenciamos, por isso antes de compartilhar imagens reflita e crie consciência de classe. Buscando assim encontrar outras formas e meios além dos virtuais de denunciar a necropolítica que vivemos no Brasil. 

É fato que vivemos uma pandemia global que nos impede de ir às ruas manifestar pela vida de pessoas negras, no entanto, é fato também que mesmo em casa, famílias periféricas não estão seguras. Afinal, as balas perdidas na maioria das vezes tem um único alvo e a cada 23 minutos um jovem negro é assasinado neste país. 


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