"E se eu fosse puta" esgotado, e agora?

Os preparativos da nova edição já começaram e a ideia é deixá-la ainda mais escandalosa do que já era.

Quem foi na FLIP mês passado já tá sabendo, mas, como não rolou um aviso oficial, resolvi usar a minha última coluna de 2022 para mandar a real: o meu livrinho absurdo "E se eu fosse puRa" está esgotado na editora, só restando uns poucos exemplares nas livrarias que ainda tinham e na Estante Virtual. Fiquei arrasada quando soube, porque esgotou justo no mês do evento literário mais importante de que já participei (numa mesa sobre as fronteiras não tão óbvias entre autobiografia e ficção, nomeada em homenagem a ele, "E se eu fosse"), mas entendi isso como um convite para reinventá-lo e é isso que quero discutir aqui.

Guilherme Santana/Divulgação

Lá se foram 6 anos desde a publicação original e muita coisa mudou tanto na minha própria vida, quanto na da comunidade trans e de trabalhadoras sexuais, daí eu querer sentar com calma, reler o bichinho e ver se não haveria coisas ali para mudar. Naquele momento, era importante para mim fincar o pé no aspecto autobiográfico, para que as pessoas conseguissem imaginar um pouquinho a realidade que travestis enfrentam, sobretudo as que são prostitutas. Mas, agora que os desafios que temos são outros, creio que pode haver espaço para uns ajustes no texto, puxando-o mais pro literário dessa vez.

Tudo o que esperam de uma pessoa trans, quando ela se mete a escritora, é autobiografia, que ela conte bonitinho o mar de sofrimentos que enfrentou, e, já que é o que esperam de nós, já que é isso o que estão predispostes a ouvir, acabamos recorrendo bastante a esse gênero. Tudo para conquistar um lugar ao sol nas prateleiras das livrarias, das bibliotecas e de leitôries em geral. Porém, porém, não é de hoje que a gente tem se arriscado a produzir obras que fogem dessa proposta, ainda que essas outras produções não tenham recebido a mesma acolhida por parte do mercado livreiro.

Além disso, quando eu publiquei o livro em 2016, estávamos ainda inventando um feminismo pensado por e para trabalhadoras sexuais, o putafeminismo, vertente que já está mais do que consolidada nesse Brasil do final de 2022. Será que valeria a pena mexer no texto para externar esse novo grau de consciência que a militância puta possui? É uma pergunta sincera que me faço e acredito que só terei uma resposta definitiva para ela depois de sentar com amigues ativistas e reler o que escrevi.

Enquanto isso tudo não rola, pensei em ouvir o que vocês que me acompanharam ao longo desses anos todos teriam a dizer. Muita gente tem o originalzão, com a palavra "puta" na capa, outros só chegaram a ele na edição "puRa" (que eu gosto de chamar de "versão errada", pois tasquei um "R" em cima da letra "t" do original e o título oficial, nos cadastros, virou "E se eu fosse puRa"), mas muita gente ainda não nem conseguiu se aventurar pelas minhas páginas perigosas, daí eu querer saber das expectativas de vocês.

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Mexer no texto, deixá-lo mais desbocado, mais literário, mais putafeminista, até com alguns capítulos extras de reflexão e história T, isso faria sentido? Ponho tudo isso num prefácio e deixo o texto do jeito que está? Ou o melhor é não mexer em nada, só definindo se é hora de voltar ao título original ou de continuar na versão errada, puRa? Ajudem a travesti aqui, minha gente! Nada definido então, mas o que posso garantir para vocês é que o relançamento desse livro vai ser um abalo nas estruturas do cistema.

Eu achava que o "E se eu fosse puta" já tinha dado o que tinha pra dar, mas entra ano, sai ano e ele segue expandindo cada vez mais o seu público, com muita gente me escrevendo para falar que está na terceira, quarta leitura e sempre encontrando coisas novas para pensar. Fora que já saiu a tradução dele na Argentina e tou negociando uma pra língua inglesa logo mais. Com tudo isso, a minha expectativa é agora finalmente vazar a bolha LGBTQIA+/feminista e começar a frequentar também a casa da família tradicional brasileira. 

Talvez um dia eu tenha vergonha de ter escrito uma obra tão despudorada, expondo coisas tão íntimas minhas, mas esse dia ainda não chegou. Enquanto não chega, quero ir deixando-a cada vez mais absurda, pra quem sabe um dia a sociedade nem mais lembrar da época em que era um escândalo escrever coisas assim. O Lula tá de volta, não é? A época é boa para sonhar.

Feliz fim de ano pra vocês!

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