"Há 35 anos, "Operação Tarântula" prendia travestis para combater a Aids

Polícia Civil de SP defendia a prisão de travestis como método de combate à epidemia.

Em 8 de março de 1987, a polícia paulistana foi ironizada numa coluna de Alan Riding, para o "The New York Times", pela maneira como imaginava estar combatendo a Aids: "Depois de uma blitz no fim de semana passado, a polícia de São Paulo obteve sucesso em sua primeira contribuição para a campanha de prevenção da AIDS no Brasil: 56 travestis foram presos e, nas palavras de um policial, 'muitos clientes fugiram apavorados'."

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Dois dias depois, um trecho dessa coluna foi traduzido pelo Estadão (de onde retiramos a passagem) e junto publicou-se uma notícia denunciando abusos policiais contra travestis. Na notícia, "o secretário [da Segurança Pública Eduardo] Muylaert concordou que 'não há nenhum sentido em se pensar em prevenir ou combater Aids através de métodos policiais'" e assegurou que "a chamada 'operação tarântula', coordenada pela Seccional Sul do Degran, foi suspensa", operação essa que, de acordo com Paulo César Bonfim, presidente do GAPA (Grupo de Apoio à Prevenção à Aids), "tinha o objetivo de combater a Aids através da prisão de travestis".

Mas essa não era a opinião do ativista apenas e sim dos próprios comandantes da operação, como se observa na reportagem que a Folha de SP havia publicado em 01/03/1987, intitulada "Polícia Civil 'combate' a Aids prendendo travestis".

A despeito das aspas em "combate", a matéria não tece qualquer crítica à operação policial, limitando-se a descrever o objetivo da ação e entrevistar os encarregados:

"A Polícia Civil do Estado resolveu entrar no 'combate' à Aids na cidade de São Paulo. Com este objetivo, foi lançada na madrugada de anteontem [27/02/1987] a 'Operação Tarântula', um comando especial de policiamento que visa realizar detenções em flagrante de travestis nos principais locais de prática de 'trottoir' e aliciamento de 'fregueses' nas vias públicas. [...] Segundo [o delegado-chefe das Delegacias Regionais de Polícia da Grande São Paulo, Degran, Márcio Prudente] Cruz, o objetivo da 'Operação Tarântula' é basicamente 'espantar a freguesia' e assim diminuir a propagação da doença. [...] Para ele, os travestis podem responder a processos por ultraje ao pudor público e crime de contágio venéreo."

A repercussão da operação foi terrível, sendo suspensa alguns dias depois do lançamento e motivando diversas críticas ao "uso de métodos coercitivos e policialescos para combater a propagação da Aids" (Folha de SP, 02/03/1987). O que fez com que o delegado Cruz precisasse adaptar o seu discurso: "Trata-se de uma ação para combater a prática pública de atos obscenos. Uma vez detidos, os travestis poderiam receber algum folheto explicativo sobre o perigo da Aids". Prisão para distribuição de panfletos!

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No entanto, a despeito do absurdo total dessa operação, houve quem acreditasse que ela se justificava. Numa carta publicada no Painel do Leitor da Folha de SP em 22/03/1987, um leitor do jornal revela-se desapontado com uma declaração do jurista Gofredo da Silva Telles Júnior (ex-marido de Lygia Fagundes Telles, de quem ela ganhou o sobrenome), que "comentando as detenções de travestis, prostitutas e homossexuais pela polícia, na chamada 'operação tarântula', [...] justific[ou] a atitude policial como 'uma necessidade de defesa dos altos interesses da saúde pública'."

Não encontrei a declaração original de Gofredo, apenas essa citação indireta, então vou me abster de críticas mais contundentes. De qualquer modo, percebam que, no enfrentamento ao HIV/Aids, travestis foram tratadas como meros vetores do vírus e não como um grupo populacional a que também se devia proteger. Na próxima coluna me aprofundarei ainda mais nesse ponto.

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