Liberdade exige uma busca permanente

Reflexão sobre o tempo como colunista e a necessidade do diálogo para construirmos emancipação.

Quase um ano como colunista fixa do BuzzFeed Brasil, toda semana trazendo um texto novo para perturbar vocês e, finalmente, vocês estão se soltando para fazerem suas considerações a respeito do que eu trago. Comentários, críticas e reflexões têm surgido cada vez mais nos meus posts e isso é algo que eu aprecio muito, pois pensamento que se preze deve, sim, ser colocado à prova e questionado e reavaliado, num movimento incessante.

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Não estou aqui para cagar regra, não falarei nunca de uma posição de 100% certeza: meus textos falam do que eu vou aprendendo e quero acreditar que a aprendizagem é mais efetiva num meio crítico do que num espaço que não sabe conviver bem com questionamentos e dúvidas. Sintam-se, então, bastante confortáveis para colocar suas questões e reflexões e vamos construindo esses saberes de maneira conjunta, coletiva.

Como bem pontuou Paulo Freire, em sua "Pedagogia do Oprimido" (Paz e Terra, 2021, p.72), na luta pela libertação, o diálogo jamais deve ser substituído "pelo antidiálogo, pela sloganização, pela verticalidade", pois "pretender a libertação deles (os oprimidos) sem a sua reflexão no ato desta libertação é transformá-los em objeto que se devesse salvar de um incêndio. É fazê-los cair no engodo populista e transformá-los em massa de manobra".

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Não serei a pessoa que porta a verdade, nem a anunciadora de novos mundos, mas tão-somente alguém que está determinada a estudar a realidade em que nos encontramos, para pensar maneiras críticas de transformá-la. Os tantos anos de convivência com o sistema opressor não saem de ninguém sem deixar marcas e não é de forma espontânea que adquirimos consciência da nossa condição de oprimides e/ou opressôries, então o que é necessário fazer, ainda segundo Paulo Freire, é conjugar ação e reflexão, visto que:

"Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua 'convivênvia' com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser feita em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis." (Pedagogia do oprimido, editora Paz e Terra, 2021, p. 72).

Ação que não se reduza a mero ativismo acrítico, reflexão que ouse romper com a esfera puramente intelectual, eis o que nos cabe construir, eis o que procuro com as minhas colunas. Acreditem: eu não sou tão desconstruidona quanto pareço. As normatividades estão presentes em mim também e, além disso, Paulo Freire nos ensina que "a liberdade é uma conquista, e não uma doação, exige uma permanente busca" (Pedagogia do Oprimido, p.46). Não é algo que nos possam dar, não é algo que se possua em definitivo e, mais do que isso, não é algo que se conquiste sozinhe.

Juntes, portanto. A única coisa que exijo, no entanto, é um mínimo de respeito na interação. Isso aqui é pra ser um diálogo, com ambas as partes se permitindo ouvir atentamente uma à outra e sem ninguém partir do pressuposto de que a outra parte está sendo, a priori, desonesta ou burra. Sou, inclusive, capaz de debater com pessoas que defendam pensamento diametralmente oposto ao meu ("fazer a Amara", no começo da minha militância, chegou a ser gíria para "aceitar dialogar com feministas transfóbicas").

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Esses dias, aliás, aconteceu um fato bastante significativo. Anos atrás, uma pessoa que se dizia feminista radical e tinha problemas com as narrativas de gênero de pessoas trans me perguntou se eu não toparia fazer um ensaio fotográfico com ela e eu aceitei. Era uma situação meio absurda, me aconselharam até a não ir, mas eu achei que valia a pena o risco. Eu a trataria com respeito, esperando o mesmo dela, e na pior das hipóteses seria um dia perdido, nada demais. Pois não é que algumas das fotos que fizemos ali são as mais incríveis que já tirei na vida?

Reprodução/Internet

Mas a história vai mais longe. Há coisa de algumas semanas, fui a uma festa trans aqui em São Paulo e qual a minha surpresa quando uma pessoa que marcadamente borrava as fronteiras dos gêneros me chama de canto e diz ser justamente quem tirou aquelas fotos maravilhosas minhas anos atrás? E mais: disse que, de lá para cá, se assumiu transmasculine não-binárie e acabou se descobrindo ainda intersexo.

Se elu não me tivesse dito que era aquela pessoa, eu jamais teria desconfiado, mas elu fez questão: "É a realidade me dando vários tapas na cara, pra eu aprender". Mas não foi só elu que aprendeu, não. Eu também aprendi muito naquele nosso primeiro encontro e mais ainda nesse de agora. Infelizmente, não sei como chegar a elu, para pedir autorização para postar a foto, mas se os ventos do acaso levarem até elu essa coluna e elu autorizar, trago a foto para vocês verem.

Que esse acontecimento sirva como um brinde para 2022, ano que demorou tanto para vir mas veio, e veio pra ficar. Como é que andam as esperanças de vocês aí?

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