Tem horas em que é impossível não se mover pela força do ódio

Bianca DellaFancy reflete sobre histórias em primeira pessoa e manutenção de poder.

Quando aceitei o convite para ser colunista, minha ideia era entrelaçar histórias: as minhas, e as que chegam até mim das mais distintas formas no meu dia a dia.

É parte fundamental do meu trabalho convencer as pessoas a respeito da importância que é contar suas vivências em primeira pessoa, escrever suas próprias histórias.

Por muitos anos, talvez mais do que possamos imaginar, pessoas pretas e LGBTQIA+ não puderam fincar seus nomes na história da humanidade. Fomos amordaçados, amputados, classificados, divididos, roubaram nossa cultura, nossa identidade e por fim, roubaram nossa vida para não haver rastros.

Mas eles existem, e ecoam a cada segundo. Da viela da periferia à área nobre: qualquer lugar desse país consegue ouvir. Como uma televisão que fora deixada ligada fazendo chiado, e ninguém faz questão de desligar.

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É impossível não se sentir impotente nesse país.

O Brasil é um país escrito por rastros de sangue preto, indígena e LGBTQIA+. Pessoas que não tiveram a chance de contar suas próprias histórias, pois as mesmas foram interrompidas de maneira abrupta. Agora eu pergunto: o que se faz quando percebe que nada mudou?

A nuvem branca, conservadora, racista, LGBTQIAfóbica, continua muito bem articulada. Óbvio, nunca teve a própria cultura mutilada e dissipada, portanto sempre pertenceram, ocuparam, dizimaram.

Não é o nosso caso.

A cada passo adiante que damos, essa nuvem dobra de tamanho a fim de promover a manutenção daquilo que aconteceu com nossos antepassados, e no fim, nunca deixou de acontecer. Genocídio.

Enquanto escrevo, sou tomada por um sentimento de ódio que me consome, me movimenta, me desgruda. Talvez seja isso. Talvez seja por isso que existam tantas pessoas brancas pregando a mudança através de carinho, didática e amor, na mesma quantidade que existem pessoas ricas pregando que o dinheiro não traz a felicidade: manutenção. Elas querem continuar lá, e querem que a gente continue aqui.

Elas nos querem estagnados, e pobres.

Que tenhamos mais ódio.

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