Nunca foi sorte, sempre foi axé

Nossa nova colunista Bianca DellaFancy reflete sobre mudanças, felicidade, plástico bolha e papelão.

Vamos lá.

Começo esse texto propondo um exercício: quero que pense em todas as oportunidades que a vida te deu pra fazer você chegar exatamente onde está. Todas as conquistas e privilégios que construíram o lugar que você ocupa hoje. Talvez você sinta que muitas dessas oportunidades aconteceram da forma mais orgânica possível, quase como se não precisassem de você para acontecer, abrindo margem inclusive pra que você nunca desse o devido valor. 

Escrevo esse texto imersa em plástico bolha, caixas de papelão e sacolas.

Estou de mudança, pela terceira vez na minha vida. A primeira foi quando sai da casa dos meus pais, em Santos. Não foi fácil abrir mão do contato direto com minha família, da comida posta, contas pagas e zero preocupações. A gente se acomoda. Se acostuma com a geladeira milagrosamente cheia, com as roupas lavadas e dobradas sobre a cama, ou ainda, com o trabalho que não mais te valoriza. 

A inércia por vezes incomoda, principalmente quando a casa dos 30 começa a fazer barulho na sua mente. Fui acometida por um sentimento de não pertencimento, somada à vontade de me sentir útil e relevante para minha própria vida. Em poucas palavras: eu decidi que não iria trintar infeliz. Mudei pra São Paulo, sem muitas expectativas e repleta de medo, embora sentisse que não havia outra coisa a se fazer. 

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Morei por volta de 2 anos em um quartinho alugado. 

Não era um lugar bonito: a crosta de sujeira nas áreas comuns, a cozinha que se transformava em cachoeira em dias de chuva, o vizinho de quarto criminoso, o rato morto na escada. Foi lá que recebi grande parte das personalidades que entrevistei no meu canal do YouTube. Não era de se orgulhar, mas era o que eu tinha. Era tudo o que eu tinha, e ninguém imaginava. 

Do lado da minha cama, a janela me mostrava um mundo de oportunidades. Ver o céu era minha válvula de escape dentro daquele lugar, e isso me conectou com minha ancestralidade. Até que o proprietário decidiu construir uma outra casa, bem ao lado, que tamparia por completo minha vista. E assim aconteceu.

Reprodução

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Conforme o muro subia, eu me planejava para outra mudança. 

Mais uma vez, não poderia me acomodar na infelicidade. Quando o muro finalmente fechou minha janela por completo, eu estava de partida para meu antigo apartamento. O sentimento era de alívio e medo, muito medo de não dar conta. Embora, mais uma vez, eu sentisse que não havia outra coisa a se fazer. 

Lá, vivi por dois anos com minha melhor amiga. Fomos muito felizes e tenho certeza que aprendemos muitas coisas juntas, principalmente quando se diz respeito à individualidade de outra pessoa. De fato não somos iguais, e é isso que torna nossa personalidade tão valiosa. 

Eu vivi intensamente nesse apartamento. Vivi minha independência financeira, afetiva, sexual, como nunca havia antes. Fui muito feliz, em muitos momentos, e triste em alguns. Agora, aquelas paredes também contam minha história, todos os risos e lágrimas que despejei dentro daquele apartamento. 

Hoje, dou um passo na minha vida e vivo os primeiros dias sozinha no meu novo apartamento. 

Quando conto minha história, penso em todos os momentos em que estive inteiramente conectada com a mudança. Todas as vezes em que não me neguei sentir e viver o que a vida colocou no meu caminho. 

Penso em todas as etapas e processos que passei, e entendo que nunca foi sorte, sempre foi axé. 

Todas as mudanças da sua vida, caminhos tortuosos ou não, estão inteiramente conectados a você e a quem cuida de você. Viva-os!

Acredite, você não está sozinhe.

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