Âncora da CNN, Luciana Barreto estuda comportamento dos haters nas redes: 'Recuar não é uma opção'

Jornalista fala ainda do desafio de ser mulher negra na bancada: "Sempre que a Maju é atacada vem uma marola para mim"

Divulgação/CNN Brasil

Luciana Barreto já pode ganhar carteirinha de funcionária do ano na CNN Brasil. A jornalista comanda atualmente três programas na emissora a cabo: "Realidade", às segundas; "Novo Dia", de segunda a quinta; e "Novo Mundo", às sextas. "Às vezes brincam que sou a dona da CNN", diverte-se a apresentadora, que comanda ainda um podcast na emissora e vive na ponte-aérea entre Rio e São Paulo.

Engajada em questões sociais, a âncora tem sido alvo de ataques nas redes sociais e decidiu se dedicar a um mestrado para entender discursos de ódio nas relações étnico-raciais. De tanto pesquisar sobre, conseguiu não se deixar paralisar pelas agressões. Aos 43 anos, vinda da periferia, Luciana sabe da importância que é ter uma mulher negra no comando de várias atrações do jornalismo da CNN. "A gente não tem tempo a perder. E a gente não pode se dar o direito de reclamar. Viemos de gerações de mulheres que carregavam lata de água na cabeça. Ainda precisamos democratizar os espaços. Daqui a algumas gerações quem sabe a gente reclame. Eu amo meu trabalho. Sou uma workaholic", afirma.

Leia a seguir um papo com Luciana.

Como você avalia esse período na CNN Brasil?

Eu diria que vem sendo bem intenso. Depois que entrei, as pessoas foram me conhecendo melhor, fui ganhando um espaço grande. Entenderam também que tenho uma pegada social. Além do trabalho na TV, tenho feito um podcast, chamado "Entrevozes", em que discuto temas que não consigo contemplar sempre, que são mais negligenciados. Discuto assuntos como colorismo, a identidade do brasileiro. Eu acho que não dá mais para viver sem ter um olhar para o social. Chegou o momento em que me dei conta de que se a gente não olhar para essas questões, ninguém vai olhar.

É cansativo ser uma mulher negra no jornalismo e ter de falar sempre sobre o assunto?

Sempre lutei para que a diversidade estivesse não estivesse na foto, apenas. Tenho essa conversa há muito tempo nos ambientes por onde passo e na empresa onde trabalho. A TV brasileira precisa muito olhar para o assunto com mais responsabilidade. O público precisa reconhecer e respeitar a diversidade do país. Ser negra é estar em constante estado de atenção para pautas negligenciadas. Na TV brasileira eu ganhei a oportunidade de estudar e aprender mais sobre a diversidade.

Te incomoda ser comparada constantemente a outras mulheres negras do jornalismo como Maju Coutinho ou Zileide Silva?

Acho que esse é um traço do racismo e da racialização. Toda vez que a Maju sofre ódio vem uma marola para mim nas redes sociais. Precisamos ter mais pessoas negras nos espaços. Eu amo ser comparada com a Maju e com a Zileide, juntas vivemos uma sororidade da coletividade. O que me incomoda é perceber que não há uma proporcionalidade nesses lugares. Os espaços de poder normalmente não têm mulheres negras. Costumo receber muitas mensagens de estudantes de jornalismo negras e acho que tem de haver uma democracia de fato. Não é por falta de competência quem tem menos negros nos espaços.

Você é muito cobrada para se posicionar sobre situações de racismo ou até mesmo por trabalhar na mesma emissora de William Waack (que foi demitido na Globo após ser acusado de racismo)?

É um fato. O que eu entendo é que as pessoas estão aquém de entenderem situações de opressão e cobram sempre para que você se posicione. A gente tem de ocupar e não deixar os espaços que tem ocupado. O brasileiro precisa desenvolver um trabalho de entendimento de como funciona a opressão e trazer mais elementos para a discussão. Eu evito valorizar minha ligação com determinadas pessoas, é um assunto delicado. Perceba que não estou citando nomes ao falar sobre o assunto. Mas os espaços precisam ser ocupados. Não me distraio com cobranças.

Como você lida com as redes sociais?

Estou fazendo um mestrado no qual estudo discursos de ódio nas redes. Sofro todo dia com isso, é normal. Às vezes preciso ser muito mais dura. E deixo os xingamentos lá, não bloqueio ou apago, para que vejam o que as pessoas estão fazendo. Ao mesmo tempo, eu printo algumas mensagens, até aconselho amigas que sofreram com isso. Pego as mensagens e começo a analisá-las. Normalmente, o hater é um homem. Então ele vem falar de beleza, como se eu fosse feia ou não me cuidasse. Ou associa os xingamentos às cotas, o que dá entender que ele questiona minha capacidade intelectual. Eu vou notando os elementos por trás desse discurso.

E isso não te deixa triste?

No fundo o hater quer te paralisar. Para mim, recuar nunca vai ser uma opção. Estudar os mecanismos do discurso de ódio me ajudou muito. Tenho conhecimento de quem eu sou, de como isso se dá. Esse tipo de ataque já não funciona comigo.

Te cansa?

Claro, às vezes fico triste, cansada. Mas fico mais cansada mesmo quando percebo que não posso ser só uma âncora. Tenho de lidar diariamente com questões de diversidade e ataques de ódio. Quando a gente está cansado isso pesa. Quando a CNN me lançou e minha história veio à tona, o discurso de ódio começou ali. É curioso perceber que quando a pessoa branca conta a própria história todo mundo acha legal, fala em superação. Quando uma pessoa negra como eu diz que veio da periferia vira vitimismo, ainda que a história seja a mesma. Como diria Abdias do Nascimento, "nosso racismo não é nada sutil".

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