Como foi fazer um detox das redes sociais durante o período eleitoral

Esse tempo longe da histeria, que dominava as pessoas ao meu redor, me ensinou que às vezes precisamos encontrar a derrota para saber quem somos.

No início do ano eu já sabia que as coisas seriam intensas, afinal, na manhã do dia 1 de janeiro eu estava no final de uma festa batendo boca com um cara que eu mal conhecia, mas que parecia muito incomodado em me ver no centro de uma roda falando o que eu pensava.

Publicidade

Essa sou eu: aprendi muito cedo que para defender ideais eu precisava de argumentos e força. E o mais importante, que para sobreviver neste mundo, sendo uma mulher negra, eu precisava prever as piores situações e pensar nas melhores estratégias para sair delas.

Eu saí daquela discussão vencedora, o cara buscou apoio nos homens que o cercavam, não encontrou e foi embora bravo.

Mas mesmo que eu parecesse forte, algo dentro de mim estava acontecendo. Mesmo como vencedora moral, de certa forma fiquei triste por ter que passar por toda essa tensão em pleno ano novo.


Publicidade

E esse sentimento não seria diferente no resto do ano.

Tínhamos o carnaval, o BBB, a Copa do Mundo e por fim as eleições pela frente. Um ano intenso para qualquer pessoa que trabalha com comunicação e internet, como é o nosso caso aqui no BuzzFeed Brasil. E devo confessar: esses momentos em que fica um suspense no ar são os que mais me atraem. Gosto da imprevisibilidade e de como a vida e o mundo pode nos surpreender.

Publicidade

Logo quando a Copa acabou e o clima de diversão passou, deu pra sentir que cada vez mais as redes sociais, que tanto nos divertia, às vezes era muito tóxica. E quanto mais nos aproximávamos das eleições, mais tensas as coisas ficavam. Nós passamos muito tempo online, esse é o nosso trabalho, mas de certa forma isso acaba nos atingindo. Não há como receber e cobrir notícias tristes o tempo todo e passar impune por isso.

No dia em que a Marielle foi assassinada, todos nós sentimos o baque na mesma intensidade que as nossas timelines demonstravam o seu pesar. A notícia estava ali, e não havia nada que pudéssemos fazer pra reverter o que aconteceu. Uma parte da gente foi junto com a Marielle.

Esse era só mais um lembrete do universo de que estávamos vivendo um tempo horrível.


Publicidade

Eu tentei me preparar pra tudo isso, nunca fui de fugir de desafios. Mas eu não tinha total controle sobre o meu corpo e por questões médicas fui afastada do trabalho em outubro, o grande mês da política nacional. No começo foi difícil aceitar que eu abandonaria meus colegas de trabalho no momento em que eles mais precisavam de braços para trabalhar, mas eu precisava de um tempo para me recuperar.

Publicidade

Meu corpo e minha mente não aguentavam tanta informação e tensão, eu precisava de um tempo para me reconectar comigo mesma e com o mundo.

Nos primeiros dias foi difícil. Eu sonhava com o trabalho, abria o site do BuzzFeed para ver o que estavam escrevendo e acompanhava tudo em silêncio. Até que percebi que acompanhar intensamente as notícias não fazia de mim mais politizada ou atualizada. Eu só estava alimentando uma ansiedade e melancolia coletiva que em nada contribuia para o momento que eu estava vivendo. Abrir o Twitter e o Facebook era a primeira coisa que eu fazia quando acordava e a última coisa que eu fazia no dia.

Quando percebi que eu não estava melhor e que precisaria de mais tempo para me recuperar, decidi desinstalar todos os aplicativos de redes sociais do meu celular e ignorar o que estava acontecendo ao meu redor. O padeiro falava algo das eleições, eu me fazia de desentendida. O taxista falava sobre o candidato que ele iria votar, eu só assentia com a cabeça.

Publicidade


Eu não queria mais discutir e brigar, eu queria entender como as pessoas fizeram no passado para sobreviverem a momentos como esse e o que ele poderia nos ensinar. O Brasil e o mundo estão em transformação e eu precisava entender qual era o meu lugar no meio disso.

Publicidade


Aproveitei o tempo livre para me conectar ao passado vendo documentários e conhecendo a história de líderes que mudaram o mundo de alguma forma. Afinal, por mais difícil que seja o momento que o Brasil está vivendo, coisas piores ou mais drásticas já tinham acontecido no próprio Brasil e em outros lugares do mundo.

Percebi que não importava qual fosse o resultado das eleições presidenciais. Esse era só um capítulo de um período muito maior da história que estamos vivendo. Não só o Brasil tem vivido isso, mas todo o mundo.

Além de documentários, assisti stand ups de norte-americanos para saber o que pensavam e como agiram no período pré e pós eleição do Donald Trump. Esse era o paralelo mais próximo e recente que tínhamos de uma eleição tão tensa e dividida.

E então conclui que o segredo é encontrar a derrota, mas não se deixar derrotar. E como disse a escritora e poeta Maya Angelou, às vezes "pode ser necessário encontrar a derrota, para que possamos saber quem somos".

E também para que a gente saiba o que podemos suportar e o que nos faz cair e milagrosamente levantar para seguir em frente.

Publicidade

Para fechar esse ciclo, fui à exposição de artes em museus para me conectar de maneira mais abstrata ao que artistas de diferentes lugares do mundo retrataram sobre a vida agora e em outros momentos da História. A exposição "Histórias Afro-Atlânticas", do Masp e Instituto Tomie Ohtake, foi o que uniu tudo o que eu tinha absorvido nos últimos dias e deixou mais claro na minha cabeça o que eu estava sentindo.

Todo período de mudança vem acompanhado de tensão. Seja com guerras, revoltas e manifestações. Não há transformação se não há confronto. Pode parecer estranho, mas consegui enxergar que tudo o que estamos vivendo pode resultar em mudanças incríveis no nosso país.

Publicidade


A tensão é o que nos faz refletir, rever ou fortalecer valores, e pensar em qual mundo queremos para nós e para as pessoas que nos rodeiam.

A História não é linear, ela é cíclica. E as pessoas só se levantaram após derrotas pessoais e sociais, porque puderam vislumbrar um futuro diferente.

Publicidade

Eu não sei o que está por vir, mas percebi que mais importante que lutar todo o tempo, é se fortalecer para enfrentar as batalhas que realmente valem à pena. Eu saí desse processo todo mais forte e confiante do meu papel no mundo. E isso seria impossível se eu tivesse embarcado na histeria que dominava as redes sociais pré eleições.

Às vezes, a gente precisa se distanciar para se aproximar.


Publicidade

Veja também