Boa parte do que sei hoje sobre feminismo eu aprendi com a Madonna

Eu podia não entender o que tinha de tão escandaloso em usar crucifixos com sutiã de renda e tênis, mas uma coisa eu sabia: ela estava pouco se lixando para o que as pessoas pensavam dela, e não estava chorando por um homem.

"Quem é essa garota?"

Desde aquele verão da minha infância em que pedi para meus pais me darem a fita cassete de “True Blue”, Madonna sempre foi meu exemplo de mulher autêntica e destemida, imperfeita e incontrolável, que não deixa absolutamente ninguém mandar na sua vida e corresponde apenas às suas próprias expectativas.

By chrisweger (Madonna - Rebel Heart Tour 2015 - Zurich) / Via creativecommons.org

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"A gente vive num mundo material, e eu sou uma garota materialista".

Muito do que ela faz atualmente condiz, mas não se destaca, com o cenário de divas pop empoderadas, provocadoras e debochadas de hoje em dia. Mas nos anos 80 o mundo era um lugar no qual uma artista assumidamente pop era desprezada pelos fãs “sérios” de música, e uma mulher que ostentasse a própria liberdade sexual, mas sem se posicionar como objeto, confundia as pessoas. Claro que na época tinha muitas artistas de valor que desafiavam os padrões da sociedade, mas a Madonna foi a primeira a pegar esses padrões e decidir usar a seu favor.

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"Eu atravessei o território selvagem, de alguma forma eu consegui".

Na fase “Like a Virgin” eu ainda não entendia o que havia de tão escandaloso no fato de ela usar crucifixos com sutiã de renda e tênis, mas pude perceber uma coisa importante: ela estava se lixando para o as pessoas pensavam, e não estava chorando por ninguém. De todos os modelos femininos que tinha visto até então, era o primeiro que realmente falava com o meu então pequeno ser.

Herb Ritts / Via imdb.com

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"Não tente correr, eu posso te alcançar".

Em "True Blue” foi quando eu realmente comecei a ouvir suas músicas, e traduzir as letras, que vinham no encarte da fita, com a ajuda de um dicionário (de papel mesmo, crianças). Eu era obcecada pelo clipe de “Open Your Heart”, no qual ela dança para uns homens meio nojentos mas no final sai pulando vestida bem joãozinho, acompanhada de um molequinho. Isso me confundia, pois o final feliz mostrava a stripper se libertando dos trajes sensuais e sendo ela mesma. Eu via o clipe e ficava ao mesmo tempo decepcionada (ela não vai embora com um namorado?) e pensativa (então tem coisas mais legais do que ser desejada e ir embora com um homem?).

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"A vida é um mistério, todos estamos sozinhos".

A grande virada veio com “Like a Prayer” na qual Madonna se posicionou como nunca tinha feito antes. Sei que pode parecer bobo, mas a essa altura eu já pensava que se Madonna era contra alguma coisa eu também seria. E nesse clipe icônico e histórico ela me ensinou que 1) estupro precisa ser denunciado 2) toda a iconografia religiosa do Ocidente mostra pessoas brancas e quem disse que isso está certo? 3) a polícia tende a incriminar negros. A própria Madonna já teve atitudes equivocadas com relação a questões de raça, mas essa lição ela me ensinou.

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"Rosas são o caminho pro seu coração, mas ele tem que começar pela sua cabeça".

No mesmo álbum, veio uma virada mais explicitamente feminista com “Express Yourself”. Os versos “se expresse / faça ele expressar o que sente” não queriam dizer nada para mim, que ainda nunca tinha nem beijado na boca, mas guardei as palavras numa caixinha dentro da minha cabeça. Na verdade demorei anos, décadas, para entender o que isso significa e O QUANTO A DIVA ESTAVA CERTA. Além disso, no clipe ela alterna um figurino mega sexy com um terno masculino, dando um nó na minha cabeça sobre o que significava ser atraente.

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"Não peço desculpas, é a natureza humana".

A essas alturas eu já era feminista sem saber, até porque ela nunca usou essa palavra até bem pouco tempo atrás (poderia ter me ajudado mais se usasse!). Aí veio “Erotica”, Madonna levantou a bandeira do movimento LGBTQ e isso fez com que eu conhecesse melhor essa questão (ser amiga do único gay assumido da escola também colaborou). E tudo fez sentido, vi que ser uma pessoa livre como a Madonna passava também por defender os direitos de todos.

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"Como se sente uma mulher neste mundo?"

A música "What it Feels Like for a Girl" começa parafraseando o escritor britânico Ian McEwan, com os versos: "As meninas podem usar jeans e cortar o cabelo curto, usar camisas e botas, porque é ok ser um menino. Mas, para um menino, parecer uma garota é degradante. Porque vocês acham que SER uma garota é degradante". Aí partia aquele clipe no qual Madge toca o terror (e dá uma gorjeta imensa para uma garçonete) e essa sequência me deixava com um misto de admiração e revolta porque, rapaz, o mundo acha mesmo que ser uma mulher é degradante.

By chrisweger (Madonna - Tears of a clown) / Via creativecommons.org

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'Espero viver para contar o segredo que aprendi".

Agora que ela completa 60 anos, e ambas passamos por muitas coisas e entendemos que a sociedade coloca prazo de validade nas mulheres, para mim Madonna volta a ser alguém que questiona convenções e estereótipos, que ensina que todas deveríamos poder ser quem somos pelo tempo que quisermos. Espero seguir aprendendo com ela por muito tempo ainda.

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