Se não existe um Viny no seu círculo social, provavelmente o Vyni é você

A verdade é que dói ter um reflexo de si mesmo todos os dias na televisão.

Sempre considerei que assistir ao "Big Brother Brasil" fosse uma maneira de praticar o auto conhecimento. Afinal, muito do que acontece dentro do programa acaba por refletir nossas próprias atitudes na vida real.

A maneira como lidamos com os erros e acertos alheios, uma vez televisionados, revela traços em nossa personalidade que teríamos apreço pelo total encobrimento.

"Quer conhecer uma pessoa? Dê poder a ela". Você já deve ter ouvido essa frase em qualquer clichê de cabeceira e de fato, se afastar da responsabilidade de lidar com nossas próprias atitudes e se colocar em posição de julgamento perante os demais, nos presenteia com aquela fagulha que tanto buscamos para consolar o fato de que somos capazes de fazer igual ou pior: poder.

Dentre todos os personagens habitantes no reality show, não por mero acaso, um em específico tem me chamado a atenção: Vinícius.

Reprodução/BBB

O cearense entrou como promessa de representatividade, análogo a participantes de edições passadas e piadas mais que previstas por um membro da comunidade LGBT+. Expectativas criadas e sustentadas por nós, telespectadores.

Os pontos altos da participação de Vyni foram uma suspeita de Covid-19 e um romance não correspondido com outro participante da casa, um homem heterossexual.

Não farei juizo de valor quanto as demais atitudes de Vyni, tampouco quero falar sobre estratégias de jogo, ou falta delas. O que me interessa nesse assunto é única e exclusivamente a forma como nós, homens gays, lidamos com a afetividade.

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Já faz um tempo que criei no meu canal do Youtube um quadro chamado "AskYanca", onde respondo perguntas que meus seguidores enviam pelo Instagram. Uma forma legítima de me conectar e entender com quem estou falando diariamente. Também aconselho, semanalmente, ouvintes do meu podcast que mandam casos não solucionados através do email. Você se espantaria com a esmagadora quantidade de gays que estão apaixonados por heteros.

Reprodução/BBB

Não existe qualquer estimativa, já que a idade e a região são as mais variantes possíveis. Basicamente, se não existe um Viny no seu ciclo social, você provavelmente é o Viny do seu círculo social.

Se não é, já foi.

Eu me lembro quando era pré-adolescente e morava muito perto de uma locadora. O atendente, um rapaz mais velho e hétero, me tratava com muito zelo sempre que eu ia até a loja. Perguntava sobre o filme, me indicava títulos similares, passava horas me dando uma atenção que jamais tive. Não demorou para minhas visitas se tornarem frequentes e eu me ver debruçado no balcão perdidamente apaixonado por aquele homem, hétero.

Certo dia, o convidei para irmos ao cinema, e ele aceitou. O filme era Amélie Poulain, e é tudo o que consigo lembrar do que pra mim era um date e pra ele, qualquer outra coisa. Acredito que minha mente deva ter ocultado a memória para que eu pudesse seguir a vida com o mínimo de dignidade.

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A gente tende a buscar pelo porte masculino, a barba na cara, a voz grossa. O machismo nos moldou de maneira a renegar o feminino não importa de que lugar ele venha, inclusive entre os nossos. Todos nós somos atravessados por isso, estamos imersos até o último fio de cabelo e a desconstrução definitivamente não é fator determinante para que não repitamos velhos hábitos. Então, porque tratamos Viny como se fosse o único?

A verdade é que dói ter um reflexo de si mesmo todos os dias na televisão, tomando decisões fadadas ao fracasso tais quais as que você e eu já tomamos um dia. Incomoda saber que o país inteiro está tendo contato com uma dinâmica tão banal dentro da nossa comunidade onde um se apaixona, e o outro alimenta o ego.

A gente não quer falar sobre isso. A gente não quer falar sobre como afastamos bichas afeminadas e corpos dissidentes da possibilidade de afeto. É ridículo, e incomoda saber que somos, já fomos ou podemos ser tão ridículos assim.

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