Por mais brincadeiras bobas e gostosas entre Lina e PA (e não só no "BBB")

A travesti não tem paz. É só se mostrar mais à vontade, abrir asas, e vem a cisgeneridade se sentir ameaçada.

Não tenho acompanhado tanto o "BBB" quanto eu gostaria (ou, talvez, tenho acompanhado exatamente o tanto que ele tem merecido, porque tem conseguido ser uma chatice sem fim), mas ontem voltei à carga total quando me deparei com inúmeros tweets falando que a Linn da Quebrada estaria cometendo assédio contra o PA.

Reprodução/Globo

O autor da acusação? Um dos seus arquirrivais, o Arthur. Vejam o que ele diz:

"Vamos ser muito realistas, mano, muito realistas, se o PA fizesse metade, mano, metade, nem vou botar todas, metade das brincadeiras que ela [Lina] faz com ele, se ele fizesse com ela, mano, ele tava, tipo, cancelado pra sempre na vida. Porque, assim, ela faz, ele aceita, mas às vezes eu vejo que ele fica, meio, tipo, caralho, que loucura, calma aí! Tipo, ele fica nesse lugar, que rola um leve constrangimento, vamos dizer assim, tá ligado? E aí tu fala: caralho, não, tá, beleza, vamos levar na esportiva e tal, mas várias vezes passa do ponto. Se fosse ao contrário, mano, se fosse ele fazendo com ela, esquece, mano. Entende o que eu quero dizer?"

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As brincadeiras entre os dois são um dos pontos altos do programa. Impossível não sorrir, rir com os dois e até shipar o casal, ao assistir tais brincadeiras e é lindo perceber que, hoje, já são possíveis brincadeiras como essas envolvendo uma travesti. Onze anos atrás, quando Ariadna participou do programa, o clima era o oposto, com Boninho torcendo para algum homem cis desavisado ser "enganado" por ela, o que se pode ver perfeitamente na seguinte declaração: "Vai ser engraçado alguém pegar a moça que não é…"

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As coisas estão muito diferentes, a ponto de já ser possível "brincar" de dar em cima de uma travesti ou, o que vai ainda mais além, "brincar" de ser publicamente desejado por ela sem que isso motive nenhuma dúvida com relação à própria orientação sexual. Ninguém questiona a orientação sexual de PA após tudo isso, o que é um evidente sinal de que travestis, pelo menos as que têm mais passabilidade cis, já começam a ser vistas definitivamente como uma identidade feminina.

O problema, no entanto, é que a coisa não pode passar do nível da brincadeira, pois aí os incômodos aparecem com força. Arthur fala em "leve constrangimento", mas a palavra que ele tinha em mente não devia ser "leve", afinal, "se o PA fizesse metade, mano, metade, nem vou botar todas, metade das brincadeiras que ela [Lina] faz com ele, se ele fizesse com ela, mano, ele tava, tipo, cancelado pra sempre na vida". Percebam a ênfase que ele dá ao "metade", dando a entender que é bastante desproporcional a insistência de PA e Lina nessa brincadeira.

O sentimento de Arthur me remete ao quanto, no imaginário cisgênero, travestis estão o tempo inteiro desesperadas para transar com qualquer homem que estiver dando sopa, ainda que tenhamos que forçá-lo a isso. Quando me assumi travesti para um grande amigo oito anos atrás, o comentário dele foi simplesmente: "tá tranquilo, só não vai dar em cima de mim". Tadinho dele, a ideia nunca tinha sequer passado pela minha cabeça, mas fui pega tão no susto que disse apenas "ok".

Reprodução/Globo

De qualquer forma, acho importante que o Arthur tenha manifestado o seu incômodo. Trazendo a público a questão, temos mais oportunidades de discutir as discriminações transfóbicas que ainda vigoram na nossa sociedade. Mantê-las escondidinhas debaixo do tapete não vai melhorar em nada a situação... se queremos que elas sejam superadas, vamos precisar aprender a enfrentá-las, a rebatê-las, a dialogar com elas, a fim de que as novas gerações sofram cada vez menos a sua influência.

E, bom, termino a coluna de hoje com uma dessas brincadeiras bobas e gostosas que mais me deu arrepios, uma dessas que a gente quer ver muito mais vezes acontecendo e não apenas no "BBB":

Lina: Se você ganhar o líder nas próximas semanas, você me chama pro cinema?

PA: Vou chamar, vou chamar. Só eu e você. Vou pedir uma poltrona só. Vou falar assim: 'Não precisa filme, o filme é eu e Lina só'.

Lina: O filme a gente vai fazer na hora.

PA: Apaga as luzes e liga as câmeras.

Bora?

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