Se você não quer ter filhos por temer o futuro ambiental do planeta, saiba que não está sozinho

Um novo ramo da psicologia – conhecido como ecopsicologia – está surgindo para ajudar aqueles que lidam com sentimentos de angústia, desespero e desânimo por conta das mudanças climáticas.

Anna Mendoza for BuzzFeed News / Via Supplied

Um novo ramo da psicologia – conhecido como ecopsicologia – está surgindo para ajudar aqueles que lidam com sentimentos de angústia, desespero e desânimo por conta das mudanças climáticas.

Tiyan Baker, artista e documentarista que pesquisa sobre as mudanças climáticas, conhece bem a comunidade global de ecopsicologia.

Baker começou a pesquisar sobre as mudanças climáticas após morar na China e viu seu bem-estar mental se deteriorar conforme se informava. "Sinto que quase consigo visualizar o aquecimento global", disse. "Tenho visto a degradação ambiental. Não é preciso ir longe [na China] para ver que as hidrovias estão claramente arruinadas e que o ar é irrespirável em vários dias do ano."

As dificuldades de Baker a levaram a participar de comunidades online de pessoas que vivenciam as mesmas ansiedades e angústias. Ela diz que um grupo do Facebook do qual participa é composto por "'baby boomers' (pessoas nascidas entre 1946 e 1963) bem pessimistas".

"Eles acreditam na extinção humana, acreditam que ela é inevitável e está próxima", disse. "As pessoas vão lá e dizem: 'Semana que vem, vou fazer uma vasectomia.' Há bastante angústia."

O termo ecopsicologia é atribuído a um livro escrito pelo acadêmico californiano Theodore Roszak que foi publicado nos anos 1990. A obra propunha uma nova disciplina da psicoterapia que buscasse entender o "inconsciente ecológico" em cada pessoa. Roszak acreditava haver um vínculo indissociável entre o meio ambiente e a psicologia humana.

Cada vez mais, essa fusão entre ambientalismo e psicoterapia tem sido dedicada à dolorosa experiência de confrontar a realidade iminente das mudanças climáticas.

O relatório divulgado no início de outubro de 2018 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, destacou os impactos ambientais que ocorrerão se a temperatura da superfície da Terra aumentar 2°C acima dos níveis pré-industriais, comparados com aqueles que ocorrerão se esse aumento for limitado aos 1,5°C estabelecidos no Acordo de Paris em 2015.

Em 2017, a temperatura do mundo subiu 1°C acima das temperaturas pré-industriais. O IPCC afirma que, para manter as temperaturas globais abaixo do limite estabelecido pelo Acordo de Paris, o mundo precisa reduzir a zero suas emissões de carbono até 2050.

O relatório lançado no início de 2018 pela Comissão Global sobre Economia e Clima pintou um retrato mais sombrio que o do IPCC, declarando que, sem uma "guinada decisiva" até 2030, o mundo atingirá um ponto irreversível e não será capaz de manter o aumento da temperatura global abaixo de 2°C.

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Konoplytska / Getty Images

Embora três quartos dos australianos estejam preocupados com o aquecimento global, a carga emocional pode ser maior para aqueles que trabalham com pesquisa e ativismo ambiental.

Sally Gillespie é pesquisadora da Universidade de Western Sydney e terapeuta aposentada. Ela começou a pesquisar sobre as mudanças climáticas em 2010 e percebeu a necessidade de abordar suas consequências psicológicas.

Gillespie publicou um estudo em 2014 que destacava as reações emocionais de pessoas altamente informadas sobre os problemas das mudanças climáticas. Gillespie disse ao BuzzFeed News que pessoas que se aprofundam nas pesquisas sobre mudanças climáticas e se envolvem neste assunto tendem a vivenciar uma incerteza profunda ou medo do futuro.

"Pessoas muito engajadas, seja por meio de seu trabalho ou de campanhas, vivenciam sentimentos de isolamento. É comum ver ansiedade, angústia, culpa, desespero, raiva; há toda uma gama de sentimentos — também há apatia. Elas se sentem isoladas na nossa cultura, porque a grande mídia atenua o discurso público em torno das mudanças climáticas."

Gillespie diz que, frequentemente, quando alguém tenta falar sobre mudanças climáticas em situações sociais, a reação das pessoas geralmente é de "recuar, fazer uma piada, mudar de assunto..."

"As pessoas acham que você é pessimista," diz Baker.

Chris*, 24, gerente de contas em um hospital de Sydney, Austrália, disse ao BuzzFeed News que o medo das mudanças climáticas tem sobrecarregado sua saúde mental e bem-estar. "As mudanças climáticas me preocupam muito", disse. "Tenho pesquisado sobre os efeitos práticos das mudanças climáticas e tem ficado cada vez mais difícil dormir à noite."

O medo que Chris tem das mudanças climáticas o levou a questionar se quer ter filhos um dia. "Fico preocupado com o mundo ao qual irei trazê-los", disse. "Eu sei que a qualidade de vida deles será pior do que a minha, com eventos meteorológicos extremos e escassez de alimentos. Parece errado submeter alguém a isso conscientemente."

Segundo uma organização climática americana, é cada vez mais comum que adultos na faixa dos 20 e 30 anos levem as mudanças climáticas em conta ao pensar em ter filhos.

Durante sua pesquisa, Gillespie conheceu muitas pessoas que estão encarando essa questão. "[Há] muitas tensões aí e elas têm duas vertentes: uma é um senso de responsabilidade, especialmente vivendo na Austrália, onde temos a maior emissão de carbono per capita (...) e o outro lado, obviamente, é a qual tipo de mundo você estaria trazendo uma criança."

Os psicólogos estão começando a discutir abertamente as consequências emocionais das mudanças climáticas, criando comunidades onde as pessoas possam falar sobre seus sentimentos de angústia ou desespero.

A Associação Australiana de Psicologia, o principal órgão australiano em prol da psicologia, estabeleceu um grupo de interesse para a psicologia ambiental.

Carol Ride é terapeuta e coordenadora da Psychology for a Safe Climate [Psicologia Por um Clima Seguro, em tradução livre], organização localizada em Melbourne originalmente fundada em prol da conscientização sobre os problemas das mudanças climáticas utilizando uma retórica emotiva.

Ride disse ao BuzzFeed News que, nos últimos três anos, o propósito da organização mudou para ajudar aqueles que se sentem deprimidos e ansiosos devido às mudanças climáticas, oferecendo sessões de terapia em grupo.

"Entre as pessoas que entendem a ciência [por trás da mudança climática] e que acreditam que é necessário agir contra isso há muita depressão", disse Ride.

Ride diz que a dificuldade fundamental ao ajudar pessoas que sofrem consequências emocionais por seu engajamento contra as mudanças climáticas é que "estar alarmado, preocupado e impactado emocionalmente [com este cenário] é uma reação completamente racional".

A Psychology for a Safe Climate descobriu que pessoas preocupadas com as mudanças climáticas costumam ter problemas com psicólogos em geral, já que estes profissionais geralmente não estão equipados para discutir esse assunto específico.

"Os terapeutas precisam entender que este problema é grave (...) não queremos que as pessoas sejam tratadas como doentes por causa de sua preocupação com as mudanças climáticas", disse Ride.

Para aqueles que não precisam de terapia, Ride diz que a "esperança ativa", prática cunhada pela ecofilósofa Joanna Macy, que visa construir resiliência por meio do ativismo comunitário, é um método positivo para se lidar com o impacto psicológico das mudanças climáticas.

Estudos descobriram que as diferentes motivações pessoais para a preocupação com as mudanças climáticas levam a reações emocionais diferentes ao problema.

Segundo um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade do Texas (EUA) e da Universidade do Arizona (EUA) no ano passado, as pessoas tendem a se agrupar em três formas de preocupação com o meio ambiente: egoísta (preocupação com a própria saúde ou vida), social altruísta (preocupação com a humanidade em geral) e biosférica (preocupação ecológica com as plantas e animais).

A autora principal do estudo, a professora Sabrina Helm, da Universidade do Arizona, disse ao BuzzFeed News que "a ligação mais forte com a depressão [ocorre] entre aqueles preocupados de maneira biosférica. As pessoas que refletem muito sobre o meio ambiente e dão muito valor a ele, essas são as que mais se preocupam", disse.

Helm acredita que o discurso em torno da ação individual na mídia precisa mudar: "Muitos consumidores não percebem que estão em uma posição na qual têm muito impacto... [mas] os pequenos gestos de cada um importam. Toda ação conta, não porque a ação em si causa impacto, mas pela motivação por trás dela. Se eu posso fazer algo pequeno, então também posso fazer algo grande."

Baker acredita na ideia do engajamento comunitário como forma de melhorar sua saúde mental quanto ao aquecimento global, mas não está certa de como colocará isso em prática. "É uma questão tão esmagadora, um conjunto de circunstâncias tão desastrosas que acho que não está claro qual atitude pode ser tomada", disse. "Apesar disso, acho que é possível ter um diálogo construtivo."

* Sobrenome omitido por questões de privacidade.

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A tradução deste post (original em inglês) foi editada por Luísa Pessoa.

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