Beber álcool faz bem ou mal para a saúde?

Todo mês surge uma nova manchete falando dos malefícios OU benefícios do álcool. No entanto, apesar de todas essas idas e vindas, o consenso sobre os efeitos do álcool permanece praticamente inalterado há anos.

Recentemente, foi publicado um estudo defendendo que "o consumo leve a moderado de bebidas alcoólicas" pode "proteger" a saúde.

Gpixs / Getty Images

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Ou, em outras palavras, um pouco de bebida faz bem.

O estudo foi publicado na revista acadêmica "Journal of the American College of Cardiology" (Periódico do Colégio Americano de Cardiologia) e conduzido por um pesquisador da Universidade de Shandong, China.

Se você não sabe o que pensar disso, pois já viu muitas manchetes contraditórias sobre os efeitos do consumo de álcool por aí, está perdoado(a). Afinal, em uma semana, ele parece ser amigo e, na outra, vilão.

Por exemplo, se você fizer uma busca rápida no Google com as palavras "vinho tinto câncer", existem resultados dizendo tanto que ele eleva o risco de câncer quanto que combate a doença:

Google / Via google.com.br

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Então, no fim, talvez você conclua que a melhor resposta para toda essa situação seja ¯\_(ツ)_/¯.

Já que parece que ninguém sabe de verdade do que está falando.

Mas não é bem assim. Apesar de todas essas idas e vindas, o consenso sobre os efeitos do álcool permanece praticamente inalterado há anos.

Em resumo: o "excesso" de bebidas alcoólicas é ruim; só que o que significa "excesso" é provavelmente menos do que você imagina. Já beber de forma leve ou moderada provavelmente faz bem, apesar de existirem razões estatísticas que nos impedem de sermos categóricos nesse ponto.

Vamos dar uma olhada no último estudo. Ele se baseou no histórico médico de mais de 300 mil norte-americanos adultos, divididos em seis grupos, levando em conta um período de mais de oito anos.

Jeka1984 / Getty Images

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Os grupos foram: (1) os que nunca beberam, (2) os que não bebem com frequência, (3) os que bebiam no passado, (4) os que bebem socialmente de forma leve, (5) os que bebem socialmente de forma moderada e (6) os que se excedem. Então, o estudo avaliou qual a probabilidade de eles morrerem durante o período da análise por qualquer razão e, de forma específica, de doenças cardiovasculares ou câncer.

A conclusão foi que aqueles que se excediam se saíram pior do que os que não bebiam, mas aqueles que bebiam de forma leve se saíram melhor do que todos os outros grupos.

Durante os oito anos do estudo, cerca de 34.000 participantes morreram, aproximadamente 1 a cada 10. Constatou-se que os que se excediam na bebida tinham 10% mais chances de morrer por qualquer razão e 25% mais chances de morrer de câncer em relação àqueles que não bebiam.

No entanto, os que bebiam de forma leve ou moderada tinham menor probabilidade de morrer do que os que não bebiam nada. Eles tinham reduzidas as suas chances de morrer por qualquer razão em 20% e de morrer em função de uma doença cardiovascular em 25%.

Essa descoberta é chamada de "Curva J". Na medida que o consumo de álcool sobe, a probabilidade de óbito diminui um pouco no início, assim como a barriga da letra J, mas depois sobe.

Bo Xi / JACC / Via onlinejacc.org

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Na verdade, não é tão parecido com a letra J assim. Está mais pra um sinal de certo em uma prova escolar ou para o símbolo da Nike. Mas agora já é muito tarde pra mudar.

Esse último estudo é grande e parece ter sido bem conduzido. Além disso, foram tomadas medidas para evitar problemas comuns em pesquisas como essa. No entanto, as conclusões não são novas nem surpreendentes.

Desde os anos 1970 ocorrem debates sobre a Curva J, se ela é de fato real ou apenas produto da maneira que os dados são coletados.

Um estudo ainda maior sobre esse assunto – e que trouxe resultados similares – foi publicado em março deste ano. Um outro, em 2015, que analisou um grupo menor de pessoas, mas por um período de tempo superior, trouxe conclusões semelhantes.

Porém, isso não significa que você deve concluir: "Oba, então vou encher a cara porque beber faz bem". Ainda que beber com moderação provavelmente traga benefícios, é difícil ter certeza.

O problema é que esses estudos analisam grupos de pessoas que bebem em comparação a grupos que não bebem. Porém, pode ser que pessoas que não bebem também tenham, na média, uma saúde mais fraca.

"Talvez as pessoas que não bebem tenham largado a bebida porque ficaram doentes", disse ao BuzzFeed News o professor da Universidade de Cambridge David Spiegelhalter. Ou seja, talvez sejam pessoas que já tivessem uma propensão mais alta para morrer, e por isso pareceram pior no estudo em relação às pessoas que bebem.

É possível tentar evitar esse tipo de problema ao realizar um estudo, mas não dá para ser perfeito.

Jeka1984 / Getty Images

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Alguns estudos, incluindo esse mais recente, tentam evitar essa situação de várias maneiras. O estudo citado analisou apenas os que nunca beberam e isso tira da lista os que "largaram a bebida por razões médicas". Por outro lado, no Ocidente, é muito incomum as pessoas nunca beberem. Então é possível que haja outro fator que nós não pensamos. "Por alguma razão não muito clara, esses talvez tenham uma saúde mais fraca", comenta Spiegelhalter.

Para Spiegelhalter, o ideal seria olhar não para os que não bebem, mas, sim, avaliar como o quadro se altera à medida que você vai desde os que bebem bem ocasionalmente, até os que são moderados e os que se excedem. E quando se faz essa análise, "não parece haver um crescimento constante de risco. Uma vez que passamos das 14 doses semanais [veja abaixo o que é considerado uma dose], os riscos crescem substancialmente. E, bem lá no final, o gráfico se estabiliza e fica plano." Ele acredita, avaliando os dados, que a curva J provavelmente é real, embora não acredite que os números sejam tão elevados quanto o estudo sugere.

Mesmo que seja real, vale lembrar o que é beber de forma "leve" ou "moderada". Provavelmente é menos do que você pensa.

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O estudo define beber de forma "leve" como beber menos de três doses de bebidas alcoólicas por semana. Uma dose é definida como qualquer drinque contendo 17,5 mililitros de álcool. Sendo assim, um litro de cerveja lager com 5% de teor alcoólico por semana ou duas taças grandes de vinho com 12% de teor alcoólico já lhe deixaria no limite do que é beber de forma leve.

Beber de forma "moderada" também varia se a pessoa é homem ou mulher. Para homens são 14 doses por semana, o que daria 245ml de álcool puro, e para as mulheres são 7, o que dariam 122,5ml. Na prática, homens poderiam beber 500ml de cerveja lager ou uma taça de vinho grande por dia; já as mulheres poderiam metade. E essa bebida não pode ser consumida de uma vez só para o efeito benéfico existir, uma vez que extravasar na bebida possui seus próprios riscos.

Uma vez que a quantidade é tão baixa, Spiegelhalter acredita que os termos "leve" e "moderado" não são muito adequados. Em vez disso, deveriam ser usados termos de risco conforme os níveis específicos.

Assim, o estudo confirma o que já sabíamos: beber pouco provavelmente não causa nenhum dano e pode até ser bom para você. Mas estamos falando de beber pouco.

Obviamente, existem excelentes razões para beber acima do nível "moderado". Afinal, beber pode ser bem divertido! Ainda assim, é sempre bom lembrar os reais riscos e benefícios disso. Desta forma, você poderá decidir que nível de risco está disposto(a) a correr.


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A tradução deste post (original em inglês) foi editada por Luísa Pessoa.

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