PL das Fake News faz distinção na moderação de posts de políticos eleitos e abre brecha para desinformação

Entre pontos fortes e fracos, texto apresentado pelo relator deputado Orlando Silva recorre à "imunidade parlamentar".

Após quase dois anos de debates, foi apresentado na última quinta-feira (31) o relatório do chamado Projeto de Lei das Fake News (PL 2630/20 e apensados). O texto, que deve ser votado nos próximos dias na Câmara dos Deputados, é de relatoria do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).

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Em 28 páginas, ​​a proposta tenta aperfeiçoar a legislação brasileira referente à liberdade, responsabilidade e transparência na internet. Uma missão, convenhamos, nada fácil e que terá impacto na vida de mais de 10 milhões de usuários.

E é justamente por isso que a última versão do projeto vem levantando tanto debate entre especialistas, empresas de tecnologia e a sociedade civil.

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Entre pontos considerados positivos e negativos, as regras presentes no PL visam a regulação da atuação de provedores de redes sociais, ferramentas de busca e de mensagens instantâneas que ofertem serviços aos brasileiros.

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Um dos pontos positivos propostos pela texto diz respeito à moderação de conteúdo nas redes sociais.

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A partir dele, as plataformas teriam de justificar ações para excluir ou limitar o alcance de postagens dos usuários que ferem os termos de uso.

O texto do PL determina que as plataformas comuniquem o usuário quando uma postagem for moderada.

Além disso, o usuário também deverá ser informado sobre qual regra foi infringida e poderá abrir um pedido de revisão da medida.

Outro ponto importante do PL das Fake News trata sobre a transparência dos impulsionamentos de postagem mediante pagamento, inclusive de propaganda eleitoral. O capítulo III do projeto trata apenas sobre esse tema. 

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Veja o que diz o Art. 19: "Os provedores que fornecerem impulsionamento de propaganda eleitoral ou de conteúdos que mencionem candidato, coligação ou partido devem disponibilizar ao público todo o conjunto de anúncios impulsionados."

Isso inclui, por exemplo: valor gasto para o impulsionamento do conteúdo, identificação do anunciante e tempo de veiculação.

Com tamanha transparência, os eleitores poderão conhecer as estratégias de divulgação dos candidatos e refletir sobre se concordam ou não com tais métodos.

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O PL ainda estabelece que políticos e servidores públicos não poderão restringir a visualização de suas publicações por outras contas. 

Reprodução/Twitter

A moda foi lançada por Donald Trump, quando era presidente dos Estados Unidos, e rapidamente adotada por Jair Bolsonaro e seus aliados, que costumeiramente bloqueiam o acesso de jornalistas a suas páginas oficiais.

Mas é justamente quando o PL 2630/20 trata sobre a atuação de políticos nas redes sociais que seus pontos negativos aparecem. O primeiro deles é que, se o projeto for aprovado como está, as contas de parlamentares passariam a ter a prerrogativa da “imunidade parlamentar material”.

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Antes de seguir, vamos a uma rápida explicação: a imunidade parlamentar está prevista no artigo 53 da Constituição Federal, que neste trecho diz:  "Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos."

Voltando ao PL, isso  quer dizer que publicações de políticos passam a estar protegidas por esse artigo.

Para ser ainda mais clara, a referência à imunidade parlamentar abre margem para a interpretação de que parlamentares não serão submetidos à moderação de seus conteúdos. Ou seja, tira a força das plataformas para moderar, por exemplo, a difusão de notícias falsas em perfis de deputados negacionistas, terraplanistas e antivax, por exemplo.

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No entanto, na opinião do deputado Orlando Silva, o PL está "em sintonia" com a Constituição. "A imunidade parlamentar não abriga crime nem protege criminosos. Tanto é assim, que há diversos parlamentares respondendo a inquéritos, porque a imunidade parlamentar não é escudo para crime nem para criminoso", afirmou em entrevista ao Buzzfeed Brasil.

Nilson Bastian /Câmara dos Deputados

Mas como impedir que parlamentares sejam difusores de fake news nas redes sociais? Silva joga a responsabilidade para as plataformas.

"As políticas de uso das plataformas são aplicáveis, inclusive, para os parlamentares, que não ficam imunes aos termos de uso das plataformas", diz.

Segundo Silva, a redação do PL como está, abre espaço para o contraditório. "Quando houver moderação de conteúdo por parte de uma plataforma, ela tem de dar direito ao contraditório. Para que aquele que se sentiu violado na sua liberdade de expressão possa contestar. Isso vale para o parlamentar e para qualquer cidadão.'

O deputado diz não ter dúvidas de que com o projeto, os parlamentares que disseminarem notícias fraudulentas nas redes sociais serão punidos.

"Não tenho menor dúvida de que nenhum parlamentar que dissemine desinformação ficará fora do alcance dos termos e politicas de uso das plataformas. E, de outro lado, se submeterão às leis impostas a todos os brasileiros. Porque o parlamentar, se abusar de sua imunidade, ele responde na Justiça", completa.

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A expectativa do relator é que o texto tenha sua tramitação concluída no Congresso ainda em abril.

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Caso aprovada, a lei entrará em vigor de maneira escalonada. O texto estabelece prazo de um ano para a entrada em vigor de alguns dispositivos presentes no PL, como a produção dos relatórios de transparência. Para outros pontos, o prazo de vigência será de 90 dias a partir da publicação da lei.

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