"Todos os heróis desse presidente foram inspirações para meu personagem", diz Bruno Gagliasso, que interpreta torturador, em "Marighella"

Conversamos sobre racismo, política, e o futuro do ator na era do streaming.

Bruno como Lúcio: Divulgação.

"Marighella" estreou nos cinemas. Finalmente. Depois de um lançamento continuamente adiado, em partes por complicações com a Ancine e o governo federal, os brasileiros finalmente podem ver o primeiro filme de Wagner Moura na direção. O longa que tem Seu Jorge no papel principal, conta com Bruno Gagliasso interpretando seu principal antagonista: Lúcio um torturador racista e anti-comunista.

Batemos um papo com o ator sobre os dilemas de dar vida ao vilão, os bastidores da filmagem e o futuro de Gagliasso - que saiu da Globo para entrar no mundo dos streamings.

A conversa segue abaixo:

BuzzFeed: Finalmente o filme chegou!

Divulgação

Bruno Gagliasso: Nada é por acaso né cara? Se ele tivesse saído em 2019 seria diferente, em 2020 seria diferente, agora saindo 2021 tem outra mensagem, porque o Brasil andou! Acabou sendo um tiro no pé desse governo.

Buzz: A demora, então, fortaleceu o filme?

Bruno: Sem sombra de dúvidas! Uma grande parcela de gente que talvez tivesse resistência a assistir ao filme, hoje já o vê com outros olhos porque percebeu que o filme representa a nossa realidade do jeito mais atual possível. O contexto sempre vai influenciar uma obra como todo, e o Brasil vive um dos piores momentos da sua história - o contexto reflete na ditadura de 1964!

Buzz: Mas, nos bastidores, vocês sentiam já esse reflexo político durante as filmagens? Porque elas foram pré-bolsonaro, né?

Bruno: Cara, esse filme pegou tudo. Pegou o governo da Dilma, passou pelo golpe, depois teve Temer e depois o o governo atual. Esse filme é um filme que passou a três governos! E isso diz muito, porque assim é a arte: ela sobrevive independente de quem está no poder, independente do que ela sofre nas mãos deles.

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Buzz: E como essa resistência ao lançamento afetava a equipe? Vocês tem um grupo no zap em que geral ficava puto quando dava algum novo problema?

Bruno: Cara todo mundo tinha uma expectativa muito grande, porque todo mundo que estava fazendo esse filme tinha se doado por inteiro pro projeto. Esse filme é reflete muito o nosso pensamento como pessoas, não só como artista. Desde atores a equipe técnica, a direção, produção, eu acho que foi frustrante pra todo mundo que é a favor da democracia.

Buzz: E você tem acompanhado as reações? Porque o filme tem levado muita gente pro cinema...

Bruno: Eu estou filmando no interior da Bahia, então estou um pouco isolado, mas o o meu telefone, minhas redes não estão parando. Eu tenho recebido muita mensagem, muita gente ligando, muita gente assistindo, muita gente querendo assistir, muita gente orgulhosa. É muito incrível ver momento que o Brasil vai assisti-lo, porque é uma vitória não só de quem fez o filme mas é uma vitória do cinema também né? 

Buzz: Você interpreta um torturador, um filho da puta, mas a gente vive um momento tão escroto do Brasil, que corre risco dele virar algum tipo de herói. O próprio Wagner passou por isso com o Capitão Nascimento. Isso passou pela cabeça de vocês?

Bruno: Sem sombra de dúvida. A gente pensou muito nisso, e eu acho que é por isso que tudo é tão claro. Tem uma fala que eu acho que sintetiza, foi a fase que me guiou pra construção desse personagem, que é o seguinte: "Se eu mato preto, mato vermelho". É uma frase absolutamente de racista, de fascista. Quem enxergar o Lúcio como herói é fascista, é racista. Então o medo é talvez o medo da realidade, né? Enxergar a realidade e saber que existem tantas pessoas que são como ele. Mas pra gente sempre foi muito claro. O Lúcio nunca poderia ser herói, e não é herói. Mesmo que eu procure, como ator, qualquer tipo de humanidade um ser tão desumano.

Buzz: E você usou alguém como inspiração para montar o personagem? Ustra, Fleury?

Bruno: Sem sombra de dúvida. Todos, todos esses heróis do do do nosso atual presidente foram inspirações pra construção do meu personagem.

Buzz: Teve algum em específico ou algum trejeito que você imitou?

Bruno: Não, não em relação a isso, não. A inspiração foi em eu saber que essas pessoas existiram e elas fizeram exatamente o que o meu personagem fez. A história que mostra isso de forma muito clara. 

Buzz: E sobre o próprio Marighella, você já tinha algum contato com a história dele antes do filme?

Bruno: O meu contato foi o o o contato que a maioria dos brasileiros têm. Tentaram apagar essa história, então as informações não chegavam. Eu acho que um dos motivos do Wagner fazer o filme, foi pra contar a história do Marighella, porque é como contar a história do Brasil. Devolver o Brasil pro Brasil. Independente se gosta ou não dele, ela existiu e ela precisa ser contada. 

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Buzz: E o filme acabou saindo antes no resto do mundo, como foi a recepção fora daqui?

Bruno: Muito impressionante. Eu fui pro festival de Berlim, pra Portugal.. Em Cuba a gente viu o filme com a neta do Che Guevara, depois ela fez um jantar pra gente. Foi muito emocionante, ela estava muito impactada, foi bem tocante.

Buzz: O outro lado é que nos últimos tempos o Brasil virou uma espécie de chacota pro resto do mundo...

Bruno: Cara, eu passei seis meses e meio agora morando na Espanha e é vergonhoso. Nem chacota, as pessoas realmente estão muito assustadas e chocadas com o que a gente está vivendo. Todo mundo vem respeitando muito o filme porque ele é uma bomba, mas também um alerta de que a gente precisa estar atento e forte. 

Buzz: E o elenco do filme chama muita atenção: o Wagner ali por trás das câmeras, você, o Seu Jorge também... rolou algum troca de experiências?

Bruno: Foi um trabalho muito intenso né? E eu estava muito focado porque, pra mim, era muito muito forte fazer um racista: eu tenho dois filhos negros. Então eu não me relacionei com o restante do elenco, não queria me relacionar com eles. Ao mesmo tempo são meus amigos, né? E isso foi muito importante pro filme, porque acho que passou pra tela, a troca em cena aconteceu de uma forma intensa justamente por a gente não ter tido troca no sentido do convívio. Não tiveram saidinhas, não rolou acabar o ensaio e tomar uma cerveja. A gente não queria que isso acontecesse e não aconteceu. Justamente pra gente fazer isso agora! Hahaha

Buzz: E como era fazer esse cara e chegar em casa?

Bruno: Eu fiquei longe. Me afastei da minha família por três meses. Fui pra São Paulo e eles ficaram. Eu precisei criar essa distância, precisava ficar sozinho. Foi um processo bem doloroso.

Buzz: Mas você já imaginou quando as crianças crescerem e verem você no filme? Pra você foi um dilema isso na hora de aceitar?

Bruno: Nenhum. Pelo contrário motivo deu querer fazer tanto foi justamente porque eu sei o quanto esse filme vai ser importante na história de vida deles, e na história do país. Eu tenho certeza que vão ter muito muito orgulho de que fiz parte disso.

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Buzz: E me fala sobre seus próximos projetos! É pra série da Netflix que você está filmando na Bahia?

Bruno em "Santo". Divulgação.

Bruno: Sim estou fazendo uma série que Netflix que chama "Santo". Eu já estou há uns sete meses rodando. Passei seis meses e meio na em Madrid, na Espanha, e estou há um mês e meio aqui na Bahia. Mas deve estrear só final do ano que vem.

Buzz: E como tá a expectativa?

Bruno: Tá, todo mundo muito animado, né? Já tem dois anos que eu fui convidado pra fazer essa série. Ela é espanhola e retrata o Brasil de uma maneira muito bacana. O Brasil tem um um papel muito forte na na nessa história. Tem me deixado muito feliz.

Buzz: E você está rumando pra uma carreira bem internacional mesmo, né? "Marighella" já está causando esse buzz mundo afora, e a gente sabe que as séries espanholas da Netflix têm um alcance incrível também...

Bruno: Eu acho que é o futuro do audiovisual, sabe? É um caminho está sendo muito bem desenhado. Da minha parte, rolou "Santo" aí quando eu estava na Espanha me chamaram pra fazer "Operação Maré Negra", que é uma outra minissérie espanhola, de quatro episódios - desta vez pra Amazon - então está sendo um processo muito natural. Eu não pensei: 'Ah, vou fazer uma carreira internacional'. Até porque eu acredito que hoje qualquer trabalho que você faça é trabalho mundial.

Buzz: E agora a própria Netflix bateu nessa tecla de fazer novela né? Você tem essa pretensão? Te anima?

Bruno: Hahaha, eu já fiz bastante! Deixa pra quem está com tesão hahah.

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