70 anos após sua morte, história de Eva Perón continua a ser contada em série e musical

Líder política argentina revive em "Santa Evita", do Star Plus, e um espetáculo em São Paulo.

A nova série do Star Plus, "Santa Evita", resgata a história de uma das figuras políticas e sociais mais emblemáticas da América Latina: a ex-primeira dama argentina Eva Perón.

A produção, no entanto, ousa ao contar uma parte da história de Eva pouco conhecida: o que aconteceu logo após sua morte. Falecida em 1952, aos 33 anos, há exatos 70 anos, Eva teve seu corpo embalsamado na expectativa de ser exposto aos peronistas, mas o cadáver acabou sendo roubado quando o regime militar tomou o país. A trama é baseada no livro do jornalista argentino Tomás Eloy Martínez. 


"Ele era um jornalista que investigou o que aconteceu com o corpo dela, que ficou duas décadas escondido", resume a atriz Natalia Oreiro, que interpreta Evita na série, em entrevista exclusiva para o BuzzFeed Brasil.

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"Ele ficcionalizou algumas partes, mas dizia que o que as pessoas acreditavam que era verdade ele havia inventado, e o que é verdade todos juram ser invenção".

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Evita foi casada com o ex-presidente da Argentina, o General Juan Perón, e durante o mandato do marido trabalhou pela conquista de direitos das mulheres e dos trabalhadores. Tida como líder espiritual na Argentina, as opiniões sobre ela não são unânimes. 

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"A série tem momentos importantes da vida dela, como a infância, quando chega em Buenos Aires, começa a atuar, conhece Perón e se casa. A parte social, a conquista de direitos para os necessitados, a carreira política meteórica e a morte, isso tudo está na série também. Além da história do corpo, que ficou em poder de homens que temiam essa mulher mesmo depois de morta", diz Natalia Oreiro.

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"A história de Eva Perón tem essa dimensão por ela ser uma figura tão poderosa, que continua tendo uma força política e popular. Na Argentina, ela ainda é uma figura política muito forte. E da mesma maneira que há gente que a ama, e a idolatra, muita gente não gostava dela em vida, e continua não gostando."

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"É um sonho para qualquer atriz interpretar a Eva. Eu nem imaginava por conta do quanto sua imagem é enorme, sentia que não tinha o talento para fazê-la", diz Natalia.

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"Quando me chamaram comecei a trabalhar muito na reconstituição daquela época, queria encontrar sua energia, seu olhar. E te digo que pedi permissão para fazê-la. Acreditando ou não, é preciso pedir permissão para encarnar alguém assim, porque há muita gente que se lembra dela e deposita em sua figura uma esperança, uma necessidade. Pessoalmente, sinto muita conexão com sua vida, sua história, com sua forma de pensar, com sua dor."

A história de Evita Perón ganhou ainda mais popularidade ao virar musical no final dos anos 70, composto por Andrew Lloyd Webber (antes de "O Fantasma da Ópera"). 

O espetáculo emplacou um dos maiores hits de todos os tempos: "Don't Cry For Me Argentina", inspirado nos discursos que Evita fazia no balcão da Casa Rosada. 

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A peça virou filme em 1996, com Madonna interpretando Evita.

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"Eu acho que Eva teria amado ter sido interpretada por Madonna, porque ela também é um ícone feminino, é uma mulher super poderosa. Mas o filme é uma adaptação. Há muita liberdade quando se faz algo baseado na realidade, mas no geral é uma ficção. A série também é uma ficção porque a figura de Eva é tão grande que é um mito, uma lenda, então nunca saberemos o que é verdade e o que não é", diz Natalia.

No Brasil, "Evita", o musical, foi montado em 1983, 2011 e este ano: está atualmente em cartaz em São Paulo, em uma versão encenada ao ar livre, em uma estrutura dentro do parque Villa Lobos. 

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A atriz que interpreta Evita no musical, Myra Ruiz, diz ter visto filmes, documentários, lido sobre Eva e conversado com argentinos durante sua preparação para o espetáculo, para ter a visão mais ampla possível sobre sua personagem. 

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"Nesse processo você acaba se identificando com alguns pensamentos, mas eu queria ter a noção do todo. Entender além dos fatos históricos, o que ela significava para as pessoas, como fazia se sentirem. Não faço uma imitação da Evita, pego todos os temas e sinto como eles reverberam em mim enquanto mulher e atriz. E me conecto com o público através disso, de dar verdade ao lado emocional dela. Uma mulher em um lugar dominado por homens, julgada pela imprensa e pela elite. Eu brinco que hoje ela seria uma Anitta, dentro das proporções. Esse julgamento exacerbado a cada ação da Anitta lembra a trajetória da Eva. 

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"Existe uma necessidade de desmerecer as conquistas da mulher, e isso me conecta ainda mais com a história da Eva, porque diziam que ela só queria poder, que usou homens para chegar onde quis, são coisas que podem ser verdade ou não. Me conecto a história dela através das minhas vivências", diz Myra.

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Myra gosta de destacar um dos grandes feitos de Eva: a conquista do voto feminino na Argentina. 

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"Soube por um vídeo com a enfermeira que cuidou dela quando estava para falecer que Eva recusou tratamento para o câncer porque ela não queria ficar debilitada porque naquele ano em que as mulheres votariam pela primeira vez, e ela queria estimular as mulheres a votar, tomou isso como missão, mesmo doente, e o tratamento a impediria de trabalhar. E naquele ano mais mulheres votaram do que homens. Foi em 1951, um ano antes de sua morte."

As conquistas sociais não têm muito destaque no musical, que foi baseado em biografias de Eva - algumas delas bastante críticas à ex-primeira dama.

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O espetáculo tem suas controvérsias. Além de acusado de diminuir a relevância dos trabalhos sociais de Eva, coloca em cena Che Guevara, outro argentino emblemático. Ele aparece como um narrador anônimo, identificado apenas como "che" (do espanhol coloquial, algo como companheiro, amigo, irmão) - mas na estreia em Londres e nas Broadway, os atores foram orientados a interpretar o personagem como se fossem Ernesto Guevara. Ele era, de fato, argentino. De família rica, ficou conhecido por sua participação na revolução cubana, no final dos anos 50, e não há registros de que tenha se colocado contra o peronismo ou contra Eva. A concepção do personagem como Guevara foi abandonada no filme e nos revivals em Londres (2006) e na Broadway (2012) - quando Rick Martin assumiu o papel. Já as versões brasileiras ainda se permitem essa liberdade.

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