Meu namorado não é minha alma gêmea, ele é minha cenoura

Sean e eu somos bons juntos porque nos esforçamos para isso — não porque nascemos um para o outro.

Sven Hagolani / Getty Images

Como já estou em um relacionamento há mais de dez anos, as pessoas geralmente me pedem conselhos amorosos. Na minha opinião, isso é idiotice. Sim, nos últimos dez anos eu tive um relacionamento. Você pediria conselhos sobre paraquedismo a um cara que saltou de um avião uma vez nos últimos dez anos? Ou você pediria conselhos sobre paraquedismo a um cara que saltou de um avião muitas e muitas vezes nos últimos dez anos? Pensem bem nisso, pessoal.

Não faço ideia como ou por que Sean e eu estamos juntos há tanto tempo. Todos os dias acordo, olho para ele ainda dormindo, iluminado pelos raios da manhã, e penso: Como que esse cara ainda é meu namorado? E não no sentido “já deu, né!”, mas no sentido “uau, que legal, ainda estamos juntos”. Sinto que nesses últimos dez anos (e mais um pouquinho) eu vivi com uma flor seca muito frágil no meu bolso e, às vezes, não consigo acreditar que ainda não a destruí.

As pessoas geralmente dizem que ainda estamos juntos porque somos almas gêmeas, ao que respondo com um sorriso e um aceno de cabeça. Eu não acredito que somos almas gêmeas. Eu não acredito nesse negócio de alma gêmea -- como se houvesse uma única pessoa perfeita para cada pessoa na Terra, e eu tive a sorte de estudar com a minha no ensino médio. Qual é a probabilidade disso? Uma em sete bilhões? É mais provável eu comprar um bilhete de loteria premiado, ser atacada por um tubarão no caminho para casa e descobrir que Kim Kardashian é a minha médica ao chegar no hospital. E, quando começássemos a conversar, ela ainda diria: “Ei, acho que sua tia é minha contadora.”

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Se almas gêmeas são reais, acho que elas não são encontradas, como nossa cultura sugere, mas criadas.

Se almas gêmeas são reais, acho que elas não são encontradas, como nossa cultura sugere, mas criadas. Não há uma única pessoa perfeita para cada um de nós, há milhares de pessoas para cada um de nós, e você escolhe a que mais gosta (ou a que vive mais perto de onde seus pais moram, como eu fiz — facilita muito a decisão de onde passar o Natal). Então, se esforça para passar muitos anos junto com essa pessoa e, eventualmente, vocês ficarão interligados.

Uma vez, vi na internet uma foto de duas cenouras que cresceram entrelaçadas, como uma dupla hélice alaranjada. Se eu tivesse separado aquelas cenouras e mostrado apenas uma delas a alguém, essa pessoa saberia na hora que a cenoura era parte de um par, que ela tinha passado muito tempo ao lado de outra cenoura e que havia se tornado uma cenoura mais interessante por causa disso. Almas gêmeas são isso: cenouras que passaram muito tempo juntas.

Sean e eu somos bons nisso, no nosso relacionamento. Nós nos esforçamos para ficarmos bons nisso. Nossa comunicação é muito boa, algo que os terapeutas de casais devem recomendar (não tenho certeza, nunca fiz terapia de casal. Mas, às vezes, gostaria de ir em uma sessão apenas para ouvir o terapeuta dizer: “O que vocês estão fazendo aqui? Vocês tiram isso de letra!” Sou, afinal, da geração Y e necessito de constante validação para crescer).

Nosso passatempo favorito é pegar o carro e passar horas dirigindo, falando sobre os nossos sentimentos e ajudando o outro a falar sobre os seus de maneira mais eficaz. Por exemplo, eu costumava achar que a melhor maneira de expressar minha raiva era ficando na defensiva e falando a coisa mais ofensiva para a outra pessoa. Eu supunha que as brigas eram vencidas pela pessoa que conseguisse ser mais maldosa (no caso, eu). Sean me ensinou que isso não é verdade e que a maneira de resolver uma discussão não é dizendo a coisa mais maldosa em que você consegue pensar — é garantindo que as duas pessoas sintam que foram ouvidas. É algo que me assusta, pensar em quanto tempo eu levaria para descobrir isso se não estivéssemos juntos. Mas se relacionar com alguém permite que você tente ser uma pessoa melhor. É como malabarismo, surfe ou qualquer outro hobby — após passar dez anos fazendo isso, você começa a pegar o jeito da coisa.

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Se relacionar com alguém permite que você tente ser uma pessoa melhor.

Como Sean e eu crescemos juntos, nos relacionamos com versões diferentes um do outro. Em determinada época do ensino médio, eu namorei Sean, o Desiludido. Foi quando ele decidiu que a moda era um conceito social e usou apenas camisetas brancas, jeans azuis e tênis pretos por quatro meses seguidos. Era como sair com um personagem do desenho "Hey Arnold!" E eu adorava. Achava que sua repulsa a marcas famosas em uma escola tomada por camisetas da Abercrombie & Fitch era contemplativa e tinha um quê de James Dean.

Na faculdade, namorei Sean, o Jogador de Dardos. Após parar em um dos canais mais obscuros da ESPN e acompanhar um torneio de dardos uma noite, ele pensou: “Ei, talvez eu também seja muito bom nisso”. Ele comprou um conjunto de dardos em uma loja na cidade (sim, somos de uma cidade com uma loja totalmente dedicada a dardos), entrou em um time e competiu em alguns bares bem melancólicos de Nova Jersey. Eu não dava muita bola para isso: treinar para os torneios significava ter de passar horas jogando dardos com ele na sua garagem congelante e não tenho muita tolerância a segurar objetos de metal em temperaturas abaixo de zero.

Depois da faculdade, saí com Sean, o Maconheiro. Isso durou, no máximo, uns dois meses. E até hoje discutimos o comprometimento dele com essa persona. Eu lembro dele acendendo um baseado quatro, talvez cinco vezes seguidas e fazendo coisas como reorganizar a estante de livros, limpar embaixo da cama, sentar no telhado e olhar para a poluição luminosa de Nova York que chamamos de céu noturno. Ele insiste que passou o verão todo chapado. Não usem drogas, crianças. Elas realmente prejudicam a sua capacidade de lembrar que não passou um verão inteiro chapado.

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Quando você se relaciona com uma pessoa por tanto tempo quanto eu e Sean, você acompanha toda a sua evolução.

Acho que quando as pessoas namoram por um mês ou dois, acabam lembrando dos seus ex por essas identidades temporárias. “Lembra daquele cara com que eu saía? Sean? O jogador de dardos?” Quando você se relaciona com uma pessoa por tanto tempo quanto eu e Sean, você acompanha toda a sua evolução e sabe que o negócio dos dardos é só um fio colorido na grande tapeçaria da vida. Se há uma coisa que Sean e eu fizemos bem, foi dar ao outro o espaço para escolher qualquer cor de fio que lhe apetecesse no momento, mesmo que internamente estivéssemos pensando: “Afe! VERDE-LIMÃO?”

Começar a trabalhar no BuzzFeed foi uma grande mudança para mim. Subitamente havia encontrado minha identidade como escritora e ainda tinha de brinde todas essas novas amizades, pois o BuzzFeed emprega um monte de gente legal e interessante da minha faixa etária. Sean me deu espaço para estabelecer essas conexões e, durante meu primeiro ano no BuzzFeed, cancelei inúmeros encontros com ele para ir a mais brunches e noites de karaokê do que consigo lembrar. E agora sei que odeio brunch e karaokê — ficar bêbada às 13h e comer ovos que custam quinze dólares é desperdiçar um sábado, e o karaokê só existe para que pessoas que sabem cantar recebam elogios — mas lembro com carinho desse período e do fato de meus parceiros de brunch terem se tornado editores-chefe, redatores de talk-shows e ganhadores do People’s Choice Award.

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Foi uma daquelas noites mágicas em que tudo dá certo: o grupo ideal de pessoas, a quantidade adequada de álcool, a energia perfeita de uma sexta-feira.

Mas teve uma sexta-feira, cerca de um ano atrás, quando o Buzzfeed realizou uma degustação de uísque em homenagem ao Dia de São Patrício.

Geralmente, nas noites de sexta, eu tomava uma cerveja ou duas depois do trabalho e ia para casa, no bairro do Queens, para jantar com Sean. Antes de sair do trabalho naquele dia, falei para ele não me esperar, que a degustação provavelmente me atrasaria muito.

Meus colegas de trabalho e eu degustamos muito uísque e, quando o evento acabou, alguns de nós ainda degustamos um pouco mais nos copinhos que estavam cheios e não tinham sido bebidos. Foi uma daquelas noites mágicas em que tudo dá certo: o grupo ideal de pessoas, a quantidade adequada de álcool, a energia perfeita de uma sexta-feira. A certa altura, Matt, meu colega de trabalho, estava contando uma história quando Isaac, outro colega de trabalho, o interrompeu no meio de uma frase.

“Cara, um cílio”, disse, apontando para a própria bochecha como referência.

Matt passou a mão na bochecha, mas o cílio desgarrado continuou lá.

“Deixa eu tirar”, disse Isaac. Ele se inclinou na mesa e conseguiu pegar o cílio, segurando-o cuidadosamente entre o polegar e o indicador. “Faça um desejo.”

Matt fechou os olhos e soprou o cílio do polegar de Isaac. Todos ficamos assistindo ao cílio flutuando no ar, em uma espiral vertiginosa, até ele passar por baixo da mesa e desaparecer de nossas vidas para sempre.

Passaram-se alguns instantes, e ninguém ousou se mexer. Finalmente, Sarah, outra colega de trabalho, sussurrou um “Isso foi tão lindo”, o que fez todos caírem na risada e pegarem mais uma bebida.

Acabamos ficando no trabalho até bem depois do fim do nosso turno, às 18h. A cada hora que passava, um dos meus colegas levantava, citava algum compromisso que infelizmente não podia deixar para lá e saía, até que, lá pelas 21h ou 22h, me vi sozinha no escritório vazio.

É estranho estar no trabalho sem ninguém por perto. Todas as áreas de muito movimento — o refeitório, os banheiros — estão escuras e silenciosas, mas ainda passam uma sensação de familiaridade, como um brinquedo que foi desligado. Levei um minuto para absorver aquilo, a ausência de tudo. Então peguei meu casaco e me dirigi até a saída.

Por força do hábito, resolvi usar as escadas. Assim que abri a porta que dava para a escadaria, senti um vento frio vindo de cima. Olhei para o alto e vi que as pessoas no andar acima do nosso, no último andar, tinham deixado a porta aberta. Eu sabia, por causa do barulho incessante de martelos e furadeiras que passamos o dia inteiro ouvindo, que o último andar estava passando por reformas e pensei, “Acho que vou dar só uma olhadinha, para ver como está ficando”.

Minha única intenção era dar uma espiadinha pela porta aberta, mas me vi cruzando a soleira para dar uma boa olhada no lugar. Era uma réplica exata do nosso escritório, mas inteiramente vazia, como se alguém tivesse apertado Ctrl + A e deletado as mesas, cadeiras e o cartaz de papelão em tamanho real de Ryan Gosling. Logo percebi de onde vinha o vento frio: havia uma janela aberta e os intensos ventos de março tomavam o ambiente. Quando fui fechá-la, vi que, ao contrário das janelas no nosso andar, essa tinha um acesso ao telhado, como uma espécie de terraço. Pensei: “Bem, já estou aqui mesmo”. Abri mais a janela, fiquei de bruços e me arrastei para fora.

É algo raro, estar só e em cima de um telhado em Manhattan à noite. Os sons abafados da cidade irradiavam lá de baixo, dançando ao vento. Eu podia ver o Flatiron Building do outro lado da rua, o One World Trade Center reluzindo ao longe e — ah meu Deus — o Empire State Building há apenas dez quadras de distância, dominando o céu ao norte.

Caminhei até a beirada do prédio e senti meus olhos se encherem d’água — combinação do uísque, do vento frio e da constrangedora torrente de emoções que sinto sempre que minha vida lembra alguma cena do cinema. Olhei para a rua abaixo e vi as pessoas voltando para casa tarde da noite, em filas como formigas de piquenique. Imaginei mãos tentando manter os colarinhos fechados e enfiadas nos bolsos e seus donos que não sabiam que estavam atuando como figurantes no meu cenário de cinema.

Mas, acima de tudo, fiquei encarando o Empire State Building, uma estrutura que eu cresci tentando enxergar dos pontos mais altos de minha suburbana cidade natal. Geralmente, eu conseguia avistar apenas a ponta vermelha de seu pináculo: minúscula, discreta e aparentemente invisível ao olho nu (aprendi isso tentando apontá-la para visitas). Hoje, porém, ele estava alto o suficiente para arranhar a Lua e tão perto que suas luzes brancas brilhantes se refletiam no zíper do meu casaco.

É óbvio que tirei um milhão de selfies.

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Of course, I took about a million selfies.

Não queria ir embora, mas sabia que já tinha me arriscado demais apenas por estar no telhado. Então, depois de um giro de 360 graus para absorver tudo e tirar mais algumas fotos para me lembrar dessa noite, saí. Deixei a janela do jeito que eu a encontrei, passei pela porta aberta e desci as escadas até o lobby. Na saída, dei boa noite a um segurança entediado e peguei o trem da linha N para o Queens.

Acordei no sábado com uma dor de cabeça enorme. Resmunguei, Sean se virou para mim.“Bom dia”, disse, grogue e meio sonolento.

“O que tem de bom?”, respondi, tentando afastar uma dor aguda acima do meu olho direito com um pouco de massagem.

“Onde você estava ontem à noite?”, perguntou.

“Eu bebi uma quantidade absurda de uísque e subi escondida no telhado do meu trabalho”, disse.

Sean tirou a cabeça do travesseiro e ficou me estudando com o único olho que estava aberto. “Eu sei que uma dessas coisas é verdade.”

Peguei meu telefone da mesinha de cabeceira e mostrei as fotos para ele. Elas pareciam incríveis, mesmo sob o crivo de olhos sóbrios. O Empire State Building, brilhante e gigantesco, tomava a tela inteira.

“Uau! Você me leva lá?”

“De jeito nenhum”, respondi, enfiando minha cabeça embaixo do travesseiro.

Sean levantou uma das pontas do travesseiro. “Por que não?”

“Porque provavelmente isso é ilegal!”, disse. “Arrombamento, invasão de propriedade ou furtividade no ambiente de trabalho.”

“Só é ilegal se pegarem você”, retorquiu Sean.

“Foi um erro”, disse, puxando o travesseiro para baixo. “E nunca mais farei isso de novo.”

Quando a ressaca passou, surgiu uma paranoia tardia. Presumi que tinha escapada ilesa da minha aventura no telhado quando dei boa noite ao vigia e ele não perguntou se eu era a pessoa que tinha acabado de aparecer nas câmeras de segurança em um canteiro de obras privado. Mas comecei a me perguntar se não era de praxe a análise das filmagens captadas pelas câmeras de segurança no decorrer do fim de semana na segunda-feira de manhã. Sean garantiu que isso era loucura. Ninguém tinha tempo ou banda larga suficientes para analisar sessenta horas de gravações apenas por segurança.

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Quando a ressaca passou, surgiu uma
paranoia tardia.

“Mas e se houve algum incidente? Se algo sumiu? eles analisariam as gravações. E eu apareceria lá em cima”, disse, tomando um gole de café da caneca de Sean, como fazia todas as manhãs.

“Tudo bem, certo, na improvável hipótese do último andar do seu prédio ter sido assaltado no fim de semana, talvez haja problemas”, disse Sean, pegando de volta sua caneca fumegante.

Eu sabia que provavelmente estava exagerando, mas, na verdade, minhas suspeitas não eram completamente infundadas. Na primeira semana após nossa mudança para o prédio, houve um assassinato seguido de suicídio na loja da Home Depot no primeiro andar. Quase um ano depois de sairmos do prédio, houve o atentado a bomba em Nova York, a apenas uma quadra de distância. E, alguns dias antes, roubaram quarenta dólares (e uma nota de real que eu guardava como souvenir) da minha carteira, que eu havia deixado aberta no lobby. Estávamos em Nova York! Coisas ruins acontecem o tempo todo.

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Estávamos em Nova York! Coisas ruins acontecem o tempo todo.

Meu arrependimento pela aventura noturna no telhado só crescia quanto mais a segunda-feira se aproximava. Domingo à noite, fritei na cama, pensando se deveria apagar as fotos — a evidência — do meu celular. Não apaguei, reconhecendo o fato de que, se você fez alguma parada épica e não tem as selfies provar, isso nunca aconteceu. Na manhã seguinte, desci a rua o trabalho olhando adiante para ver se havia alguma barricada policial do lado de fora do prédio. Não havia, mas me enganei e achei que o food truck estacionado era a van de algum jornal e quase engoli meu chiclete. Quando cheguei no prédio, apresentei minha identificação na guarita de segurança do lobby, meio que esperando o segurança pular e me prender. Ele nem tirou os olhos do seu telefone. Peguei o elevador e fui me encolher na minha mesa. Evitei o contato visual com os colegas de trabalho, tomada pela sensação de que havia feito algo estranho em nossa casa.

Passei o dia dividida entre um post que eu estava escrevendo e a caixa de entrada do meu e-mail, que eu checava compulsivamente a cada quatro minutos. Eu estava nervosa e agitada, e cada nova mensagem negritada na minha caixa de entrada me fazia prender a respiração. Será que eles apenas escreveriam “Você está demitida” no campo de assunto ou será que pegariam mais leve, começando com algo como “Telhado?????”? Imaginei que, se fosse acontecer alguma coisa, isso partiria do meu editor-chefe, Ben.

Eu tinha 25 anos de idade e ainda pensava no meu chefe como o diretor de uma escola de ensino fundamental, cuja única função era manter a ordem na redação e nos dizer que estávamos fazendo um bom trabalho. Mas, eventualmente, deu 18h e não chegou nenhum e-mail de Ben, da polícia ou do secretário de defesa dos Estados Unidos na minha caixa de entrada.

Em casa, falei com Sean sobre o meu dia estressante durante o jantar, que comemos sentados de pernas cruzadas na mesinha de centro da sala de estar. Tivemos sorte de encontrar um apartamento com uma sala de jantar real e prática — uma sala inteira, apenas para jantar! Antes de assinarmos o contrato de aluguel, achávamos que salas de jantar eram um mito na cidade de Nova York, como o povo toupeira ou o cronograma do itinerário do metrô. Tivemos muita sorte — e, mesmo assim, ainda preferíamos comer todas as refeições sentados como alunos do pré-escolar na hora do recreio. Enquanto falava, balançava meus joelhos para cima e para baixo, como uma borboleta nervosa.

“Acho que não vai dar nada”, falei para Sean. “Tipo, se nada aconteceu hoje, acho que sai ilesa.”

“Erin, nunca teve a possibilidade de dar alguma coisa. Você está surtando.”

“Quer dizer, eu sei disso agora. Mas não dava para ter certeza antes de oficialmente não dar em nada, entendeu?”

“Claro”, disse Sean. “Se isso tranquilizar você.”

Após alguns dias, o passeio ilegal no telhado nem passava mais pela minha cabeça. Sean estava certo. Eu estava surtando. O que eu imaginei que eles fariam, me prender? Não é como se tivesse algum aviso ou coisa parecida. Não pulei por cima de nenhuma barreira onde se lia: “Não entre ou você acabará na prisão feminina e arruinará seu futuro!” Eu passei por uma porta aberta. E depois rastejei como uma cobra por uma janela, que é um pouco menor, mas tecnicamente também estava aberta. Se eles não quisessem que eu passeasse por lá, por que praticamente colocaram tapetes de boas-vindas para mim?

Balancei a cabeça e voltei a escrever um post sobre os objetos mais estranhos que as pessoas já tinham enfiado na própria bunda. Era quarta-feira, o que significava que era dia de almoço grátis no BuzzFeed. E era dia primeiro, ou seja, também teria cupcakes grátis em homenagem aos aniversariantes do mês. Muitas coisas boas.

Às 11h32, recebi um e-mail do meu gerente, Tanner.

Assunto: Você tem um minutinho?

Corpo do texto: Eu estou na [sala] Harry Potter.

Mandei um e-mail de resposta imediatamente: “Claro!!!!! Já, já estou aí.”

Achei que Tanner queria me encontrar para falar das análises de desempenho, um protocolo que eu nunca consegui seguir corretamente em nenhum dos anos que trabalhei na empresa. Tanner era meu gerente, mas éramos íntimos e, às vezes, essas “reuniões” eram uma desculpa para nos encontrarmos e um bate-papo rápido, de uns cinco minutos.

Eu meio corri, meio andei até a sala de descanso que chamávamos de Harry Potter e fechei a porta atrás de mim. Tanner estava em pé, com as costas viradas para a porta, olhando pela janela.

“O que houve?”, perguntei, sentando na mesa redonda no meio da sala.

Tanner se virou. “O que você fez sexta-feira à noite?”

Senti um nó na garganta.

“Eu — por quê?”, perguntei.

“A segurança está investigando algumas imagens das câmeras de segurança que mostram que alguém subiu no telhado, e eles acham que foi você”, disse Tanner.

Fiquei olhando para ele.

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“Eu vi as fitas”, disse ele. “Você pode tentar negar, mas seria melhor se simplesmente acatasse o que eles decidirem.”

“Eu vi as fitas”, disse. “Você pode tentar negar, mas seria melhor se simplesmente acatasse o que eles decidirem.”

Uma vez, quando eu tinha treze anos, estava jogando em um torneio de softbol com meu time e, após uma jogada perfeita do adversário, ficamos em desvantagem no placar. Eu disse a palavra “porra” para mim mesma, e o juiz tocou no meu ombro e disse: “Jovenzinha, se você disser essa palavra novamente eu a expulsarei do jogo.” A torrente de vergonha e constrangimento foi tão intensa que senti um calor percorrendo meu corpo e, por um segundo, achei que tinha mijado nas calças. Essa mesma sensação de constrangimento/calor/talvez eu tenha me mijado voltou doze anos depois, enquanto eu estava sentada em uma sala chamada Harry Potter e na frente de um colega de trabalho que costumava me respeitar.

“Desculpa”, disse, porque era a única coisa que podia dizer.

“Olha, nós não damos a mínima. Você não está encrencada com o BuzzFeed. Mas a segurança precisa que você assine algo admitindo que era você e eles vão dizer o que vai acontecer depois disso.”

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Nunca fiquei encrencada depois de adulta. Nunca levei nem uma multa por excesso de velocidade.

“OK”, eu disse, ficando em pé, com as pernas vacilantes e subitamente tremendo. Nunca fiquei encrencada depois de adulta. Nunca peguei nem uma multa por excesso de velocidade. O GIF do Bob Esponja chorando descontroladamente estava passando em loop na minha cabeça quando me dirigi para a porta.

Tanner pigarreou. “Vá até a recepção no lobby. Eles vão dizer o que você tem de fazer.”

Concordei sem me virar, respirei fundo e saí.

Caminhei até o elevador, sem tirar os olhos do chão, com muito medo de fazer contato visual com algum colega de trabalho, pois meu olhar poderia revelar, imediatamente, que eu era uma criminosa imunda. Imaginei eles jogando café quente na minha cara e soltando algum insulto estranho, como: “Por que você não vai viver no telhado, garota do telhado?”.

Cheguei até o elevador sem interagir com ninguém, mas quando a porta estava se fechando, minha colega de trabalho Lauren conseguiu entrar e se postou ao meu lado. Parei de fingir que estava apertando o botão para abrir a porta do elevador e consegui soltar um tímido olá.

“Ei!”, disse ela. “Uau, você está bem?”

“Sim! Ótima!”, fiz tanta força para sorrir que meus dentes doeram.

“Ah… OK. É só que, você está meio… estranha e pálida”, disse.

“Bem, talvez eu acabe o dia na cadeia”, respondi, ainda sorrindo.

“Que?”

A porta do elevador abriu. Saí primeiro. E lá, no lobby, estava Sean.

“O que você ESTÁ FAZENDO AQUI?”, gritei, correndo até ele. “Eu estou muito encrencada. Eles descobriram sobre o telhado. Ainda bem que você está aqui. Calma aí, por que você está aqui?”

“Primeiro de abril!”, disse ele.

Parei por um instante. Aparecer no meu trabalho, no meio do dia e de surpresa, era a pior pegadinha da história, mas eu não tinha tempo para zoá-lo por causa disso.

“Ótima pegadinha, Sean! Mas não posso falar agora porque tenho de ir para a cadeia por subir no telhado escondida”, disse, empurrando ele para chegar até a recepção.

Sean segurou meu braço. “Não, Erin”, disse ele. “Primeiro de Abril.”

E, então, caiu a ficha. Eu não estava encrencada. Eles não sabiam sobre o telhado. Tudo isso era uma pegadinha. Olhei para Sean e senti um alívio tão enorme que quase me sentei no chão. Em vez disso, o empurrei para trás até ele tropeçar e cair em um sofá.

“Você está irritada?”, disse, dando risadinhas.

“Não, estou MUITO ALIVIADA”, respondi, desabando no sofá, ao lado dele, para recuperar meu fôlego.

Sean abriu sua mochila e tirou uma caixa de cupcakes. “OK, bem, eu comprei isso aqui para o caso de você estar irritada. Mas como você não está, acho que vou ficar com eles, certo?”

“Eu estou irritada, muito irritada”, gritei, agarrando a caixa de suas mãos. “Como você? Quando você? Então Tanner—?”

“Fazia parte disso”, disse Sean.

“Mas que merda? Cacete, você acha que conhece a pessoa. CACETE, ele deveria pensar em virar ator—”

Subitamente, um segurança se materializou na nossa frente. “Vocês poderiam falar mais baixo? Isso é um local de trabalho.”

Eu me escondi atrás dos ombros de Sean, ainda com medo de acabar de alguma forma na cadeia. “Desculpe”, ouvi ele dizer. “Nós vamos parar.”

Então, esse é o meu único conselho amoroso. Encontre uma cenoura que compreenda seus medos a ponto de conseguir executar a pegadinha perfeita, que quase fará você sujar as calças na frente de um colega de trabalho. Pontos bônus se ele trouxer cupcakes depois de tudo isso. ●

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Razorbill

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Erin Chack é editora sênior no BuzzFeed e vive em Nova York. "This is Really Happening" [Isso Está Realmente Acontecendo, em tradução livre] é seu primeiro livro. Siga ela no Twitter (@erinchack) e acompanhe suas publicações no BuzzFeed em www.buzzfeed.com/erinchack.

Para mais informações sobre a coletânea de artigos de Erin, "This Is Really Happening" (Isso Está Realmente Acontecendo, em tradução livre), clique aqui.

Este post foi traduzido do inglês.

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