O Twitter não faz nada contra denúncias de assédio, segundo 90% dos participantes de uma pesquisa do BuzzFeed

Mais de 2.700 pessoas falaram sobre assédio no Twitter. Você também pode responder a essa mesma pesquisa em português.

Que o Twitter é infestado de ódio e episódios de assédio todo mundo sabe. Inúmeros posts e artigos já foram escritos sobre a luta sem fim da empresa contra o discurso de ódio e os trolls que o propagam. Mesmo assim, o processo de denúncia para esse tipo de comportamento permanece vago, e muitas pessoas que já foram alvo de assédio disseram que as denúncias que eles enviaram ao Twitter foram ignoradas ou descartadas porque elas não atendiam aos padrões da empresa para serem classificadas como assédio.

Para entender melhor como o Twitter lida com as denúncias de assédio, o BuzzFeed News dos Estados Unidos convidou seus leitores para preencher uma pesquisa on-line sobre o assunto. Mais de 2.700 pessoas responderam.

Você também pode responder a essa mesma pesquisa em português.

Os resultados dos EUA sugerem que uma maioria esmagadora dos casos denunciados de abuso acaba sem nenhuma ação visível, por parte do Twitter, contra a conta ofensora.

Mas, primeiro, algumas coisas para manter em mente:

Nossa pesquisa foi divulgada nas redes sociais do BuzzFeed e por meio de um post. Dessa maneira, as 2.702 pessoas que participaram provavelmente não refletem a composição total dos usuários do Twitter. Os participantes da pesquisa eram, em sua maioria, falantes de inglês. Por virtude do assunto em questão, os participantes da pesquisa provavelmente tinham mais chances de ter sofrido abusos no Twitter do que o usuário médio do serviço. (Dito isso, os participantes tinham a opção de afirmar que não haviam sofrido abuso no Twitter). O BuzzFeed News também entrevistou alguns participantes.

Nós também encontramos evidências de que o Twitter ocasionalmente toma atitudes contra tuítes denunciados como abusivos sem revelar que as tomou. No entanto, isso deixa no escuro as pessoas que foram alvo de assédio e que entraram em contato com a empresa.

O Twitter já revelou publicamente que exclui tuítes caso haja uma comoção de grandes proporções. Binyamin Appelbaum, correspondente do jornal "The New York Times" que tem mais de 40 mil seguidores, recentemente retuitou alguns comentários antissemitas que foram dirigidos a ele e marcou o CEO do Twitter, Jack Dorsey. Depois disso, a empresa excluiu os tuítes e Dorsey avisou publicamente Appelbaum disso.

Sobre nossos participantes:

Dos 2.669 participantes que forneceram informações demográficas na nossa pesquisa:


  • 772 pessoas (26,3%) se identificaram como uma minoria racial ou étnica.
  • 707 pessoas (28,8%) se identificaram como membros da comunidade LGBT.

Aqui está a divisão, por gênero, das 2.669 pessoas que optaram por responder:


  • 1.817 mulheres
  • 720 homens
  • 58 gênero fluido / não-binário
  • 26 trangêneros
  • 21 agêneros
  • 27 outro

OS RESULTADOS:

Dos 2.702 participantes, 1.478 (55%) disseram já ter sido alvo de um tuíte ou mensagem direta abusivos no Twitter.

Segundo eles, na maioria das vezes o Twitter não responde a uma denúncia de assédio.

46% dos participantes disseram ao BuzzFeed News que, da última que eles reportaram um tuíte abusivo ao Twitter, a empresa não tomou nenhuma atitude que eles tenham sido informados. O único recurso que eles tinham era bloquear pessoalmente a conta ofensora.

Outros 29% que reportaram tuítes abusivos disseram que nunca ouviram nenhuma resposta da plataforma. E 18% dos que reportaram um tuíte abusivo disseram que receberam a resposta de que o tuíte não violava as regras do Twitter, que proíbe expressamente ameaças, assédio e conduta de ódio.

Em apenas 56 casos (2,6% das vezes), os participantes disseram que o Twitter excluiu a conta ofensora. Em 22 casos (1% das vezes), os participantes disseram que o Twitter emitiu uma advertência ao usuário que enviou o tuíte.

Das 2.115 pessoas que responderam a essa questão específica da pesquisa, apenas cinco indivíduos disseram que receberam uma mensagem de um representante do Twitter para discutir o assédio que eles reportaram.

Em 15 de setembro, o Twitter negou o pedido do BuzzFeed News de uma entrevista com um executivo da empresa para falar sobre este assunto. Em resposta à carta de 19 de setembro detalhando os resultados da nossa pesquisa, a chefe de comunicações do Twitter, Kristin Binns, forneceu o seguinte comentário:

"Segurança é nossa prioridade máxima – estamos construindo ferramentas e processos melhores todos os dias. Não podemos comentar sobre pesquisas realizadas por terceiros, e sua natureza anônima torna impossível verificar os dados ou corroborar as respostas. Embora saibamos que ainda há muito a ser feito, estamos progredindo no sentido de dar às pessoas mais controle sobre sua experiência no Twitter e combater melhor casos de abuso."

Entre os participantes da pesquisa, o assédio era comum e variado.

Mais de 67% descreveram os tuítes recebidos como misóginos. Quase 30% reportaram terem sido alvo de insultos homofóbicos e um quarto de insultos racistas. Um quarto dos que responderam à pesquisa disse ter sofrido ameaças de morte e um quarto reportou tuítes incentivando o suicídio. Quase 20% dos participantes reportaram terem sido ameaçados de estupro, outros 20% disseram ter recebido tuítes ameaçando publicar suas informações pessoais, fotos ou vídeos privados.

Pedimos aos participantes da pesquisa para descreverem o assédio que eles sofreram no Twitter. Seguem alguns dos relatos:

  • "Alguém espalhou um vídeo de uma garota desconhecida em atividades pervertidas com um animal e colocou na legenda o nome de uma amiga minha menor de idade. Foi tirado do ar no dia seguinte, mas o dano já estava feito."

  • "Alguém pegou uma foto minha do Facebook excluída há muito tempo, mas que estava no cache do Google, e fez uma montagem colocando a foto em um corpo nu e publicou junto com o meu nome de verdade, me chamando abertamente de sapatão (eu não saí do armário para ninguém, exceto para alguns amigos íntimos). Esse é um caso de uma série de quase 500 tuítes abusivos de 50 contas falsas diferentes (provavelmente criadas pela mesma pessoa ou por poucas pessoas, com base em como elas estavam publicando)."

  • "Eu recebo muitas mensagens me ameaçando de estupro, homens tentando encontrar minha localização e a divulgando para que eu seja estuprada, ameaças de morte, pessoas desejando que eu sofra um aborto, desejando que eu seja enviada para zonas de guerra para ser estuprada e morta."

  • "Fotos da minha família, meu endereço, meu empregador, ameaças de 'estuprar essa vadia com um cacto', ameaças de 'enfiar um pé de cabra nessa garganta linda', insinuações de que eu só tenho sucesso acadêmico em um assunto dominado por homens porque eu sou atraente."

  • "Muitos e muitos, especialmente de Gamergaters. Um dos piores problemas é que, mesmo se eu bloquear alguém, o Twitter ainda permite que a pessoa use o meu handle (nome de usuário), então os grandes nome do Gamergate ainda conseguem me enviar regularmente legiões de cretinos para me atacar."

  • "Eu bloqueei o abusador mas, depois de uma réplica bem humorada (que foi educada) e de eu desejar um bom dia a ele, ele disse que "deixaria o dia dele melhor seria fazer isso' e inseriu um vídeo explícito de um extremista cortando a cabeça de um homem ajoelhado com uma serra elétrica."

  • "Uma 'serial racist', 'doxxer' e assediadora (que já foi suspensa no passado), de alguma forma conectou minhas contas profissional e privada, que não têm nada a ver uma com a outra, publicou meu nome completo e incentivou seus mais de 30 mil seguidores a me procurar (alguns dos quais se ofereceu a aparecer com armas). Ela também começou a assediar meus ex-empregadores, além de incitar o assédio à minha melhor amiga, que nem sequer está no Twitter. Meu campo profissional é mídia social e marketing, então ao tuítes de assédio dela basicamente mantiveram minha conta profissional refém, já que elas estão ligadas para sempre e visíveis a potenciais empregadores.

  • "Tinha um usuário no Twitter que me perseguia e que perseguia minha família e meus amigos no Twitter e offline. Esse usuário teve mais de 85 contas suspensas. Eu tenho toda a documentação para provar minhas afirmações, incluindo nomes de usuário, endereços de IP, denúncias enviadas ao Twitter e ao FBI. Essa pessoa criava contas falsas com o meu nome e de outros para tentativas de assédio. Ele tuitou uma foto da placa do carro da minha mãe para milhares de seus seguidores... Essa pessoa é racista, homofóbica e, apesar de praticar 'doxing' (divulgar informações privadas) com garotas de 15 anos e ter tido mais de 85 contas suspensas, ele ainda está no Twitter, onde espalha ódio, racismo e misoginia."

  • "Fotos minhas que deveriam ser privadas (nudes) foram publicadas por meses ininterruptos. Minha carteira de motorista foi divulgada, assim como meu endereço residencial, meu endereço profissional, informações sobre meus pais. Houve ameaças de morte voltadas a mim e aos meus filhos. Fizeram montagens de fotos minhas com ferimentos de bala na cabeça e no peito, incitando as pessoas a fazer 'swatting' (chamar a polícia ao endereço do alvo). Fotos nuas minhas foram tuitadas em duas contas do meu local de trabalho, e houve tuítes pedófilos sobre meus filhos."

  • "Uma foto de uma pessoa apontando uma arma para mim, me dizendo que vai me enterrar no quintal, me xingando e dizendo para eu parar de falar pelo clitóris, publicando meu nome completo (eu sou anônima no Twitter... ou era)... todas pessoas diferentes em momentos diferentes. Houve mais, mas isso é o que eu consigo lembrar agora."

  • "Fotos indesejadas de genitálias."

  • "Dizendo que eu mereço ser estuprada. Dizendo para eu me matar. Ameaças de me procurar e matar a mim e a minha mãe. E hoje eu fui alvo de um grupo de trolls. Disseram que eu pedi para ser estuprada e que eu era uma vítima que fingiu deficiência e deveria sofrer eutanásia."

  • O site é inundado de neonazistas. Eu pensei em desativar minha conta muitas vezes, mas eu não queria que eles pensassem que podem me silenciar. Meus vizinhos denunciaram caminhonetes na frente da minha casa no meio da noite. Eu não atendo mais ao telefone da minha casa, por causa das ligações abusivas. Foi circulado um mapa para a minha casa. Não tem mais nada na minha vida que eles não tenham divulgado."

Embora as centenas de respostas coletadas pelo BuzzFeed News variem, a maioria delas expressa preocupação sobre o compromisso interno do Twitter em frear o abuso — especialmente o abuso dirigido aos usuário da plataforma que não são celebridades. Para muitos participantes da pesquisa, a falha do Twitter em lidar com o assédio em sua plataforma criou uma expectativa de que o problema, hoje sistêmico, nunca será resolvido. Abaixo estão alguns fragmentos das respostas:

  • "Está completamente fora de controle e o Twitter não está fazendo nada a respeito. Eu tenho um amigo que é basicamente perseguido por algumas pessoas de diversas contas falsas. Uma é suspensa, outras cinco assumem o lugar. Eles usam bots de denúncia para a suspenderem. Acontece de novo e novo, e o Twitter não faz NADA."

  • "Eles podem receber diversos exemplos de um usuário violando os termos de serviço e AINDA ASSIM disseram que a conta não violou nenhuma regra. É desanimador. Você se sente absolutamente vulnerável. Eu nunca tive tanto medo de irritar a pessoa errada."

  • "Essa ÚNICA situação de assédio com a qual eu estou lidando afetou minha carreira, minha capacidade de encontrar trabalho (que eu não tenho conseguido) e eu sou só uma de muitas pessoas. Como uma plataforma/empresa, eu não vejo o Twitter durando muito mais, com as pessoas abandonando em vez de aceitarem que a empresa não liga para seus usuários."

  • "Estando no Twitter desde que ele começou, eu vi uma mudança DRÁSTICA no ano passado, especialmente em termos de assédio. Isso se tornou normal, praticamente a finalidade da plataforma."

  • "Eu sempre digo aos meus colegas de trabalho, 'se vocês querem saber o quanto os EUA são racistas, vejam minha conta do Twitter'."

  • "Quanto dinheiro eu preciso ter para proteger a mim e aos meus amigos? O dinheiro das Olimpíadas? O dinheiro da NBC? O dinheiro da Taylor Swift?"

  • "É uma droga. Eles tiraram do ar um vídeo que eu publiquei das Olimpíadas cerca de 12 horas depois que eu enviei. Mas nunca tiraram do ar um tuíte ou conta denunciados por mim. Nenhum. Eu eu denuncio conteúdo nocivo dia sim, dia não. (Nocivo como racismo/sexismo evidente, conteúdo violento, assédio ou conteúdo abusivo)."

  • "Eu tenho a impressão de que o Twitter não tem interesse em impedir ou evitar assédio, e a empresa só parece disposta a tomar atitudes se a repercussão pública for capaz de impactar suas receitas. O Twitter afirma que equilibra as preocupações da liberdade de expressão com o conforto dos usuários, mas o medo do assédio (ou uma pilha de assédio, ou pior, 'doxxing') faz com que eu me autocensure regularmente. Em resumo, a proteção do discurso de ódio do Twitter disfarçada de liberdade de expressão infringe a minha própria liberdade de expressão."

  • "Parece não haver maneira de tomar atitudes contra isso. As denúncias costumavam ter algum impacto. Ultimamente, nem sequer recebo respostas das denúncias."

Clique aqui para ler outro post com todos os resultados e mais entrevistas (em inglês).


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