A gente precisa mesmo de notoriedade para ser feliz?

Famosa por quê?

Ainda me lembro da primeira vez em que fui abordada por alguém que me admirava. Na época, eu era uma drag queen iniciante que se aventurava como DJ nas noites de São Paulo.

As pessoas não me conheciam; não sabiam minhas opiniões, meus valores, minha história, meu nome, e eu se quer tinha qualquer pretensão quanto ao futuro da minha arte. 

As pessoas me achavam bonita. Gostavam das minhas produções. Isso bastava pra elas, e pra mim também. Veja bem, não digo isso por concordar com a visão delas, até acredito que muitas se considerariam equivocadas hoje em dia. Mas, sempre fui de fazer o melhor que podia com o que tinha (praticamente nada), e aparentemente a régua das homossexuais que julgam a arte drag sem nunca terem pego num pincel de maquiagem era mais maleável naquela época.

Eu era famosa aos finais de semana, dentro de uma micro bolha abonada de calor, bebidas duvidosas em copos plásticos e chão escorregadio, e isso significava o mundo. Depois de pelejar alguns bons anos pela atenção dos meninos, sem obter muito sucesso, a bicha preta magrela e afeminada finalmente era vista sob as luzes piscantes da boate.

Eu não mais passava despercebida, e isso era mais que o suficiente. 

Anos se passaram. A maturidade e as contas a pagar escancararam a futilidade dos meus princípios, e me fizeram encarar que não era mais suficiente sustentar uma vida em cima de algo tão passageiro quanto o bom e velho close. 

Lembro-me de sentir falta de um projeto pessoal, algo que tocasse as pessoas por quem eu genuinamente sou e que até então, eu as havia privado de conhecer: minhas opiniões, meus valores, minha história, meu nome.

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Nesse momento, eu estava planejando criar um canal no YouTube e decidi listar num pedaço de papel exatamente o que gostaria que sentissem ao me permitirem entrar em suas casas através do play. “Emocionadas, conectadas, felizes, entretidas”, e como um mantra, passei a repetir dentro e fora de mim: “Eu quero ser reconhecida, respeitada e valorizada pelo meu trabalho e por quem eu sou”.

Aconteceu, palavra por palavra. 

Nunca foi sobre a fama, embora ela sempre estivesse ali com sua devida importância. 

No começo, como parte do todo. 

Sem planos, metas ou determinações, era tudo o que eu tinha pra me sentir reconhecida dentro da minha própria comunidade.

Hoje, como parte da consequência.

Como parte da comprovação de algo que começou frágil e se tornou meu ofício, uma paixão e que felizmente inspira milhares de pessoas Brasil a afora. 

Agora entendo que, assim como muitos de nós, sempre estive atrás de uma comprovação. Algo que me mostrasse que eu não estava sozinha, que eu não era a única a acreditar em mim. Tem quem busque a comprovação por puro egocentrismo, ou até mesmo por status social. Cada cabeça uma sentença.

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Você quer ser famosa, por quê?

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