Derrubando mitos sobre ocupações urbanas: Ocupação 9 de Julho
Uma das cinco ocupações do Movimento Sem-Teto do Centro em São Paulo.
Esse post é o segundo post de uma série do BuzzFeed Brasil em ocupações urbanas de São Paulo. Você pode ver o primeiro aqui.
Luisa Oguime/BuzzFeed Brasil
Visitamos a Ocupação 9 de Julho, no centro de São Paulo.
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A Ocupação 9 de Julho está desde 2016 em um edifício onde já foi uma sede do INSS no centro de São Paulo, abandonado e sem pagar impostos há décadas.
Essa é uma das cinco ocupações do Movimento dos Sem-Teto do Centro, as outras são Casarão, José Bonifácio, São Francisco e Rio Branco. No total, cerca de 500 famílias vivem nas ocupações do MSTC.
No prédio, que tem todos os seus 14 andares ocupados por áreas comunitárias e apartamentos, vivem 124 famílias individualmente, contando com estrutura de segurança contra incêndios, ligações elétricas, coleta de esgoto e lixo.
Falando em lixo: o prédio estava abandonado e sem cuidado há tanto tempo que os atuais ocupantes retiraram literalmente toneladas de detritos antes de levarem suas famílias. Hoje, ao invés de lixo, mau cheiro e ratos, o prédio tem famílias com crianças que vão pra escola todos os dias.
Quem nos recebeu foi a Kellen Silva, que é coordenadora do MSTC. Ela também é filha da Carmen Silva, uma das mais ativas lideranças do movimento por moradia em São Paulo.
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"Somos uma organização sem fins lucrativos e funcionamos sem qualquer ajuda do governo. Existe uma taxa associativa de R$220, todo o dinheiro coletado é investido na manutenção do prédio: parte elétrica, saneamento básico, extintores, alarmes contra incêndio. Todos os prédios ocupados pelo MSTC têm essa gestão. Os moradores estão cientes disso quando entram aqui. Eles assinam um regimento interno que explica como a ocupação funciona. Aqui não é apenas um quadrado onde você entra e mora. É preciso se envolver na luta." - Kellen Silva, coordenadora do Movimento dos Sem-Teto do Centro.
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"Eu trabalho aqui há um ano, atendo todas as famílias nas cinco ocupações do MSTC. Eu faço uma entrevista, uma seleção para as pessoas virem morar na ocupação. Antes da pandemia esse processo era feito por assembleias e grupos de base, que permitia que as pessoas conhecessem as regras que existem para morar numa ocupação. Mas devido a pandemia não é possível ter assembleias ou grupos, então essa triagem está sendo feita por mim. Eu procuro saber a necessidade da família, o estado que a família está vivendo, a necessidade da família. Então, tendo uma vaga a gente indica para uma das ocupações. Nós fazemos entrevista com todos os tipos de pessoas, mas tem gente que acha que é como se fosse uma imobiliária, pagando aluguel. E não é. Morar em uma ocupação é um movimento de luta. O processo é feito com bastante rigor. É uma organização muito bem feita." - Elizabeth Monteiro, assistente social que trabalha com as famílias da Ocupação 9 de Julho.
A ocupação tem uma cozinha enorme, que pode ser compartilhada e que também faz refeições para serem retiradas ou entregues via delivery nos finais de semana.
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Antes da pandemia a ocupação realizava almoços na quadra, cobrando por refeições. Atualmente, a cozinha mantém projeto "Lute Como Quem Cuida", em que cada quentinha vendida gera mais duas que são distribuídas para a população vulnerável do centro de São Paulo. O projeto já distribuiu mais de três mil quentinhas.
A moradora Joana é uma das responsáveis pela cozinha:
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"Eu sou matogrossense, vim pra São Paulo há vinte anos, eu morava de aluguel e pagava muito caro. Eu conheci o MSTC e a Dona Carmen e graça a Deus hoje eu moro na ocupação. Estou aqui desde 2016. Aqui é um lugar onde eu me sinto segura com a minha família, com meus filhos. A ocupação me fez ver os sem-teto com um outro olhar. Existe muita discriminação. Quem não conhece as ocupações deveria vir ver conhecer e ver que é um local como qualquer outro, é uma moradia. Mas a nossa luta é diária, a batalha é constante." - Joana, que mora na Ocupação e trabalha na cozinha coletiva.
A ocupação também tem uma quadra para uso das crianças e para atividades coletivas nos finais de semana.
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A ocupação tem ainda banheiros coletivos em alguns andares, brinquedoteca, biblioteca, marcenaria, estacionamento, horta e pomar, um espaço de exposição de arte no subsolo (no momento fechado por causa da pandemia) e uma portaria que controla a entrada e saída de moradores e convidados.
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"O MSTC tem a visão de que além da luta por moradia nós também temos que ter acesso aos nossos direitos como saúde, educação e cultura. Nós temos, por exemplo, a presença de conselheiros tutelares, o cumprimento do direito de todas as crianças estarem em escolas, uma parceria com a UBS República para vacinar as pessoas das ocupações do centro usando o nosso espaço. Nós precisamos ocupar os espaços do qual o governo nos priva. O ocupação tem bom acesso aos vizinhos, faz uso dos equipamentos comerciais na região. É um lugar de existência," diz Kellen.
A moradia é um direito garantido pelo artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil, que diz que "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."
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