9 corpos que já tive

Estou trabalhando nisso. Eu sempre estarei trabalhando nisso.

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1.

Estou me trocando para uma aula de natação, cercado por outros garotos da minha série. Enrolamos toalhas ao redor de nossas cinturas e puxamos nossos calções de banho de forma privada. Ninguém quer ficar pelado. Quando caminhamos para a piscina, as crianças gordinhas sofrem zombarias. Eu não deveria me preocupar. Sou magro, alto, meu peito e abdômen são lisos. Meus ombros são largos. Eu não tenho barriga. E ainda assim, em frente aos garotos e garotas da minha classe, eu conscientemente tensiono os músculos do abdômen, determinado que ninguém nunca zombará de mim por ser gordo. Tenho 9 anos e meu corpo está em jogo.

2.

É época de férias escolares e uma estação de rádio da região está dando uma festa na piscina no centro recreativo da minha cidade. A festa tem música, jogos e prêmios. Me voluntario para a competição de Mr. Baywatch e entro na fila com outros garotos ao longo da borda da piscina. Nós fazemos nossas melhores poses. O apresentador segue pela fila e pede para as crianças na piscina gritarem para quem acharem ser o melhor. As crianças que perdem são empurradas na piscina. Eu fico entre os dois finalistas. O outro garoto é alguns anos mais velho. O corpo dele é melhor, eu acho. As crianças na piscina votam. Eu venço. Ganho uma camiseta. Ele é empurrado na piscina. Tenho 11 anos e meu corpo está sendo julgado.

3.

Estou me medindo contra a lateral de um armário na cozinha. Sempre fui um dos mais altos da minha classe e agora todos estão me alcançando. Faço uma marca com lápis, feliz de ver que cresci um pouco. Mas minha mãe me diz que o lápis estava em outro ângulo. Aqui, ela diz. Eu faço. A marca dela está no mesmo lugar da semana passada. Digo que ela fez errado. Olho para o armário e vejo a marca de lápis do meu irmão gêmeo. Ele está 5,10 cm mais alto do que eu. Preciso crescer. Eu tenho que crescer. Tenho 14 anos e meu corpo está me decepcionando.

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Thomas Northcut / Thinkstock

4.

Ganho meu primeiro conjunto de halteres no Natal e começo a levantá-los em casa. Pouco tempo depois, entro em minha primeira academia. Todos lá são mais velhos, estão em melhor forma. Quero ser maior, estar mais em forma. Já não me preocupo com altura há muito tempo. Estou mais alto agora. E ainda estou crescendo. Isso é diferente. Ao contrário da acne que aflige meu rosto ou das várias ansiedades da adolescência, isso é algo que eu posso controlar. É algo que posso mudar. Tenho 16 anos e meu corpo é uma obsessão.

5.

Estou em um bar da região com amigos. Não estou bebendo. Minha dieta é rígida. Passo duas horas por dia na academia, cinco dias por semana. Uso camisetas coladas. Quero que todos me notem. Meus amigos ficam mais bêbados e me pedem dicas de treinamento. Os estranhos fazem comentários: Olha o tamanho desse otário. São sempre homens que notam, que querem falar comigo sobre meu corpo. Quando você está em forma, aprende que homens heterossexuais são infinitamente mais interessados em você do que as mulheres serão algum dia. Construí uma parede que me separa das pessoas. Me fiz sólido. Me fiz entediante. Tenho 21 anos e meu corpo é a coisa mais interessante a meu respeito.

6.

Estou em uma seleção de elenco para uma empresa de roupas esportivas. Seu rosto está ótimo, mas seu corpo está todo errado, eles dizem. Grande demais. Não é o que estamos procurando. Uma semana depois, consigo um emprego porque sou alto e musculoso. Duas semanas depois disso, sou selecionado para um comercial porque consigo fazer o sotaque que eles precisam. Eles me pedem para parar de levantar peso com um mês de antecedência. Você ficará a garota que selecionamos parecer uma boneca, eles dizem. Faço um trabalho onde eles precisam apenas das minhas pernas. Faço um trabalho onde eles usam apenas meus ombros. Alguém me paga para ser garçom topless em uma festa. Quase sou selecionado para um trabalho como dublê de iluminação de Hugh Jackman. Seu corpo está ótimo, mas seu rosto está errado, eles dizem. E você é alto demais. Tenho 24 anos e meu corpo é uma mercadoria.

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7.

Caminhando para casa, vejo um cara agindo de forma estranha, seguindo uma moça jovem. Eu a alcanço e a aviso. Ela diz que o notou também. Pergunto se posso caminhar com ela e ela concorda. Para deixá-la confortável, conto sobre minha parceira, sobre como moro na região também. Após alguns quarteirões, ela diz que sua casa está perto e me agradece. Percebo que ela não quer que eu veja onde ela mora. Desejo que passe bem e volto para meu caminho.O que você esperava, minha parceira diz, quando conto a ela. Ela provavelmente estava apavorada. Havia dois homens estranhos a seguindo até sua casa. Tenho 1,91cm. Grande. Forte. Nunca considerei que poderia ser intimidador. Tenho 28 anos e meu corpo é uma arma.

8.

Estou de férias com minha parceira. Ela está na praia. Eu fico na casa que alugamos. Tenho algumas coisas para escrever, digo. Eu costumava amar a praia. Costumava amar a água. Costumava amar meu corpo. Um longo episódio depressivo desfez muito do meu trabalho, do meu orgulho. Minhas camisetas estão um pouco mais largas. Não quero que todo mundo olhe para mim agora. Brinco sobre isso. Os músculos ainda estão lá, eu digo, debaixo desse casaco de inverno. Não é engraçado. Eu não estou mais no controle. Não nado durante as férias inteiras. Fico dentro de casa e leio. Tenho 30 anos e meu corpo é um estranho.

9.

Em um casamento da família, o fotógrafo me diz que pareço um Leonardo DiCaprio gordo. Meu eu de 9 anos se encolhe. Eu não deveria ligar. Estou trabalhando nisso. Isso não é uma luta. Não há vencedores e perdedores. Eu sei que não sou grotesco, mas ninguém está me pagando para tirar minhas roupas também. Não que eu quisesse que elas pagassem. Eu parei de ir para empregos de modelo porque ser valorizado apenas pela sua aparência é desprezível. Parei de ir para empregos de modelo porque não deixaria outras pessoas me tratarem assim. E ainda assim, essa é a forma como eu me trato. Ainda acho difícil acreditar quando parceiras dizem que gostam do meu corpo.Você tinha que ter me visto antes, eu digo. Preciso me desapegar. Estou trabalhando nisso. Sempre estarei trabalhando nisso. Tenho 33 anos e meu corpo é um trabalho em progresso. Tenho 33 anos e meu corpo não me define mais. Tenho 33 anos e meu corpo é suficiente.

A Semana De Bem Com o Seu Corpo é voltada para explorar e celebrar nossas complicadas relações com nossos corpos. Você pode ler os posts da Semana De Bem Com o Seu Corpo aqui.


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Chris Ritter / BuzzFeed


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