Estou pensando em parar de escrever posts engraçados depois de ver "Nanette"

Diferente do que se diz, rir não é o melhor remédio quando este riso está permeado por vergonha e culpa. Contar nossas histórias é o melhor remédio. A empatia é o melhor remédio.


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Se você passou os olhos ali em cima, deve ter percebido que esse post está no BuzzFeed. Eu sou uma das pessoas que fazem os testes e listas engraçadas pra vocês. Eu passo o dia no Twitter e uma descrição breve dos meus dias poderia ser uma mistura do seriado "The Office" e da conta de Twitter iworkforbuzzfeed.

Este emprego me possibilita ter uma vida da qual eu não tenho muito o que reclamar. Eu moro perto do trabalho, peço delivery em mais dias da semana que eu deveria e posso me dar ao luxo de permanecer sã com ajuda da psicoterapia a cada quinze dias.

Outras coisas importantes que você vai perceber ao scrollar por mim sem muito interesse são que: eu sou gorda, tenho ascendência asiática, um tornozelo temperamental e ocasionalmente escrevo sobre feminismo, desconstrução de ~padrões de beleza~ e saúde mental, e caso você ainda tenha alguma dúvida, sim, solteira.

Eu não tenho um relacionamento sério com ninguém desde que o meu casamento acabou depois de não conseguirmos lidar como um casal com o transtorno psicológico do meu ex-marido. Ultimamente, eu e os homens não estamos conseguindo nos entender muito bem.

Eles costumam me achar pouco razoável às necessidades deles. Nisso, eu concordo, hoje eu realmente me importo mais comigo mesma do que com qualquer outra pessoa.

Mas por que eu estou falando sobre todas essas coisas? Porque ontem eu assisti o stand-up da humorista australiana Hannah Gadsby, "Nanette", e ele me fez pensar em muitas das reflexões que eu provavelmente comecei e não terminei.

Netflix / Divulgação

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Ela conta no especial do Netflix de 1h09min que é da Tasmânia. Lésbica, cresceu nesta região da Austrália que até 1994 considerava homossexualidade uma doença, onde 75% das pessoas, as mesmas que te criaram e amam, eram contra a presença de homossexuais na região. Assim que você saía do armário, todos já sabiam que você teria que ir para outra parte da ilha. "Adeus, a gente se vê no Natal!"

Hannah conta que sempre usou o humor autodepreciativo como forma de lidar com sua questão de gênero e com todos os traumas que viveu em sua trajetória. Quando sua capacidade de fazer rir se tornou uma profissão, todos pareciam ter um avaliação não-solicitada para dividir.

Comentavam sobre o quanto ela não estava sendo politizada o suficiente, normalizavam a questão da saúde mental para comediantes. Ela teria ouvido que comediantes não deveriam cuidar de sua saúde mental ou se medicar porque sua inadequação seria um material valioso de trabalho.

Sensível e ultrajada pelas críticas, ela se questiona no stand-up se deveria continuar fazendo humor, porque não está dando certo. As pessoas não estão entendendo.

Se eu não consigo ser clara e sincera sobre meus problemas comigo mesma, como eu vou informar as pessoas que elas são os atores protagonistas dos meus problemas? Se eu não sou capaz de dimensionar os meus problemas, como eu vou conseguir fazer as pessoas olharem as coisas pela minha perspectiva?

Eu nunca pensei eu mim mesma como uma mulher movida pelo ódio. Mas se eu não consigo lidar com meus problemas da forma apropriada, uma tensão vai existir e não vai ser uma grande surpresa se eu passar a agir agressivamente. Não vai ser uma grande supresa se eu me pegar escrevendo com raiva!

Ninguém gosta da pessoa que está o tempo inteiro gritando justiça. Ninguém quer ficar perto de quem está o tempo todo metendo o dedo e falando na nossa cara sobre nossos piores defeitos.

Nosso ego não permite que a gente aceite críticas por mais construtivas que sejam se elas parecerem comandadas por sentimentos que não são muito claros.

Eu faço piadas sobre o homem branco hétero porque eu sinto culpa e vergonha de contar que quando eu tinha sete anos eu fui bolinada por um homem branco hétero no caminho da minha aula de inglês. Por que eu dei conversa para aquele homem?

Sinto culpa e vergonha porque, aos 19 anos, eu decidi tomar uma cerveja sozinha numa rua escura de madrugada, um homem branco hétero desconhecido tentou me estuprar. Por que eu tive essa ideia estúpida?

Sinto culpa e vergonha quando conto que, quando eu tinha uns 23 anos, fiquei bêbada numa festa, apaguei num quarto e acordei com um homem branco hétero, com quem eu ficava eventualmente, em cima de mim. Por que eu bebi tanto, por que eu não afastei esse cara?

Eu tenho culpa e vergonha pelo meu casamento com um homem branco hétero não ter dado certo e eu não ter conseguido ajudar o meu ex-marido com a sua condição psicológica. Eu desisti.

Nós, mulheres, somos criadas para pensar em reputação. Na nossa, mas principalmente na do homem. Mas precisamos passar por cima da nossa culpa e vergonha porque isso não está funcionando. Eles não estão entendendo. Nossa vulnerabilidade é nossa maior força e a única coisa que vai fazer com que a gente tenha conexões profundas com as pessoas e que não nos sintamos tão sozinhas.

Hannah fala no stand-up, diferente do que se diz, rir não é o melhor remédio. Contar nossas histórias é o melhor remédio. A empatia é o melhor remédio. Precisamos contar nossas histórias. Esta é a minha.


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