"É uma questão racial e temos que começar a cobrar essa representatividade”, diz Ana Hikari

Atriz falou com o BuzzFeed sobre artistas asiáticos terem sido "esquecidos" na dublagem brasileira de “Red: Crescer é uma Fera”.

Mais recente produção da Pixar, "Red: Crescer é uma Fera" conta a história de uma família canadense de ascendência chinesa.

A animação tem sido elogiada não só por ser divertida e emocionante, mas por fazer uma representação fiel e respeitosa das pessoas com origem oriental - e por ter muitas delas na concepção do filme.

O filme é dirigido pela chinesa Domee Shi, que em 2019 venceu o Oscar com o curta-metragem de animação "Bao". Os personagens principais tem vozes de atores de ascendência asiática, incluindo a jovem Rosalie Chiang, que tem pais vindos de Singapura e Taiwan, como a protagonista Meilin, e Sandra Oh como sua mãe, Ming Lee, que é descendente de coreanos e ficou famosa em séries como Killing Eve e "Grey's Anatomy".

Getty Images

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Quando os dubladores brasileiros de "Red" foram anunciados, tivemos uma surpresa: Flávia Alessandra no papel que é de Sandra Oh, Rodrigo Lombardi como Jin Lee, pai da protagonista, e Ary Fontoura como Sr Gao, um ancião da família.

Embora o trio faça um excelente trabalho, eles estão substituindo vozes de atores asiáticos em um filme que preza por essa representatividade. Sendo assim, não poderiam ser atores brasileiros com ascendência asiática nesses papeis?

Vários artistas com ascendência asiática compartilharam nas redes sociais um vídeo sobre "Red" que dizia: "Dublagem original, representatividade é levada a sério. Dublagem brasileira, representatividade é ignorada. Nenhum artista asiático foi escalado. Temos artistas asiáticos brasileiros!", e a mensagem continuava com imagens de cerca de 50 artistas asiáticos.

"O meu coração (e o de muita gente) se encheu de alegria quando eu soube da nova animação da Disney, “Red, Crescer É uma Fera”. Pela primeira vez, a protagonista de uma animação da Disney/Pixar é uma menina asiática (chinesa-canadense para ser mais específica)", diz a legenda do vídeo, escrita por Jacqueline Sato. "Se no original a diversidade e representatividade são levadas a sério, o mesmo infelizmente não acontece na versão brasileira. Por que nenhum artista asiático brasileiro foi escalado? Sim, existimos! E somos muitos!"

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A Disney Brasil já deu uma outra mancada com os artistas asiáticos: para divulgar "Mulan" (filme live-action sobre uma guerreira chinesa), eles chamaram Claudia Leitte, que chegou a se vestir como a personagem.

Para entender a situação destes artistas, o BuzzFeed conversou com Ana Hikari, conhecida por ter feito "Malhação: Viva a Diferença"e "As Five".

Victor Pollack

Ela está atualmente na novela "Quanto Mais Vida, Melhor".

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BuzzFeed: O caso da dublagem brasileira de "Red" não é novidade, certo? 

Ana Hikari: De fato, esse caso não é novidade e não é um caso isolado, existem muitos relatos de atores e atrizes asiáticos preteridos, retirados de papéis, esquecidos. A Bruna Aiiso faz entrevistas com artistas brasileiros de origem asiática falando sobre essas vivências. Kin Caneco descobriu que o papel não era mais dele quando leu em um jornal que um ator branco o estava substituindo, o Caio Mutai também já relatou que foi retirado de uma novela e substituído por um ator branco, essa semana mesmo ela fez uma entrevista com atrizes mirins e uma delas foi retirada de um comercial publicitário porque o diretor disse que não poderia ter duas atrizes asiáticas juntas. 

BuzzFeed: Como você se sente com esses casos em que artistas com ascendência asiática são preteridos ou "esquecidos"?

Ana Hikari: Isso é mais recorrente do que a gente imagina, mas poucas pessoas falam sobre isso. Muitos atores e atrizes asiáticos tem muito talento, estudam muito, mas falta oportunidade para exercermos a profissão. E quanto temos oportunidades, muitas vezes elas acontecem dentro de um estereótipo limitante, não tem complexidade, não tem uma história interessante a ser contada. Outras vezes essas oportunidades são dadas e retiradas em seguida, como muitos artistas têm relatado. É um assunto pouco falado no meio artístico, mas os artistas de ascendência asiática estão se reunindo, começando a entender que não é um caso isolado, porque o que acontecia antes era a gente passava por essas situações e acha que era pessoal, e vendo que é recorrente a gente entende que é uma questão racial e temos que começar a cobrar essa representatividade, e cobrar que discutam a situação.

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BuzzFeed: Como você e outros artistas de ascendência asiática tem discutido o assunto e conseguido cobrar essa representatividade?

Victor Pollack

Ana Hikari: A gente tenta cobrar essa representatividade, mas ainda sinto que muita gente ainda não entende a questão da racialização amarela (processo de atribuir identidades raciais ou étnicas a uma pessoa ou grupo), ainda não enxerga a identidade amarela como uma identidade racial no Brasil. Se ainda estamos engatinhando para entender as questões da negritude, em relação aos amarelos estamos muito mais atrás, então é difícil cobrar, mas estamos nessa luta de tentar explicar que a identidade amarela é uma identidade racial válida e pertencente ao Brasil, é parte de ser brasileiro, e entender isso é importante para poder cobrar a nossa participação na mídia. 

BuzzFeed: Por que a representatividade asiática ainda tem tão pouca atenção no Brasil?

Ana Hikari: A representatividade asiática tem pouca atenção no Brasil muito por conta dessa falta de consciência do país. As discussões sobre questões raciais são escassas e ainda mais em relação às pessoas amarelas, mas aos poucos começamos a discutir isso. Temos ações crescendo e inspirando artistas asiáticos a se reunirem e discutirem essas questões. O coletivo Oriente-se existe faz mais de três anos, tem só atores e atrizes asiáticos que criam conteúdo, filmes, curta-metragens com temáticas diversas. Cada vez mais as pessoas estão dispostas a exercitar essa visão mais ampla sobre as discussões raciais. Muita inspiração vem de ações de fora, mas já existem iniciativas autônomas aqui. 

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