"É uma questão racial e temos que começar a cobrar essa representatividade”, diz Ana Hikari
Atriz falou com o BuzzFeed sobre artistas asiáticos terem sido "esquecidos" na dublagem brasileira de “Red: Crescer é uma Fera”.
O filme é dirigido pela chinesa Domee Shi, que em 2019 venceu o Oscar com o curta-metragem de animação "Bao". Os personagens principais tem vozes de atores de ascendência asiática, incluindo a jovem Rosalie Chiang, que tem pais vindos de Singapura e Taiwan, como a protagonista Meilin, e Sandra Oh como sua mãe, Ming Lee, que é descendente de coreanos e ficou famosa em séries como Killing Eve e "Grey's Anatomy".
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Para entender a situação destes artistas, o BuzzFeed conversou com Ana Hikari, conhecida por ter feito "Malhação: Viva a Diferença"e "As Five".
Victor Pollack
Ela está atualmente na novela "Quanto Mais Vida, Melhor".
BuzzFeed: O caso da dublagem brasileira de "Red" não é novidade, certo?
Ana Hikari: De fato, esse caso não é novidade e não é um caso isolado, existem muitos relatos de atores e atrizes asiáticos preteridos, retirados de papéis, esquecidos. A Bruna Aiiso faz entrevistas com artistas brasileiros de origem asiática falando sobre essas vivências. Kin Caneco descobriu que o papel não era mais dele quando leu em um jornal que um ator branco o estava substituindo, o Caio Mutai também já relatou que foi retirado de uma novela e substituído por um ator branco, essa semana mesmo ela fez uma entrevista com atrizes mirins e uma delas foi retirada de um comercial publicitário porque o diretor disse que não poderia ter duas atrizes asiáticas juntas.
BuzzFeed: Como você se sente com esses casos em que artistas com ascendência asiática são preteridos ou "esquecidos"?
Ana Hikari: Isso é mais recorrente do que a gente imagina, mas poucas pessoas falam sobre isso. Muitos atores e atrizes asiáticos tem muito talento, estudam muito, mas falta oportunidade para exercermos a profissão. E quanto temos oportunidades, muitas vezes elas acontecem dentro de um estereótipo limitante, não tem complexidade, não tem uma história interessante a ser contada. Outras vezes essas oportunidades são dadas e retiradas em seguida, como muitos artistas têm relatado. É um assunto pouco falado no meio artístico, mas os artistas de ascendência asiática estão se reunindo, começando a entender que não é um caso isolado, porque o que acontecia antes era a gente passava por essas situações e acha que era pessoal, e vendo que é recorrente a gente entende que é uma questão racial e temos que começar a cobrar essa representatividade, e cobrar que discutam a situação.
BuzzFeed: Como você e outros artistas de ascendência asiática tem discutido o assunto e conseguido cobrar essa representatividade?
Victor Pollack
Ana Hikari: A gente tenta cobrar essa representatividade, mas ainda sinto que muita gente ainda não entende a questão da racialização amarela (processo de atribuir identidades raciais ou étnicas a uma pessoa ou grupo), ainda não enxerga a identidade amarela como uma identidade racial no Brasil. Se ainda estamos engatinhando para entender as questões da negritude, em relação aos amarelos estamos muito mais atrás, então é difícil cobrar, mas estamos nessa luta de tentar explicar que a identidade amarela é uma identidade racial válida e pertencente ao Brasil, é parte de ser brasileiro, e entender isso é importante para poder cobrar a nossa participação na mídia.
BuzzFeed: Por que a representatividade asiática ainda tem tão pouca atenção no Brasil?
Ana Hikari: A representatividade asiática tem pouca atenção no Brasil muito por conta dessa falta de consciência do país. As discussões sobre questões raciais são escassas e ainda mais em relação às pessoas amarelas, mas aos poucos começamos a discutir isso. Temos ações crescendo e inspirando artistas asiáticos a se reunirem e discutirem essas questões. O coletivo Oriente-se existe faz mais de três anos, tem só atores e atrizes asiáticos que criam conteúdo, filmes, curta-metragens com temáticas diversas. Cada vez mais as pessoas estão dispostas a exercitar essa visão mais ampla sobre as discussões raciais. Muita inspiração vem de ações de fora, mas já existem iniciativas autônomas aqui.