De quais mulheres estamos falando no Dia Internacional da Mulher?

Se não consideramos a diversidade entre as mulheres, estamos mesmo falando de todas nós?

A chegada do Dia Internacional da Mulher é, geralmente, um momento de bastante trabalho para quem trabalha com Diversidade, Equidade e Inclusão, como é o meu caso. O que é ótimo. Mas, para além de fazer coisas muito prazerosas, como levar o assunto para as empresas, também é um dos meses em que mais tenho que bater nas mesmas teclas: de que mulheres estamos falando?

Tenor

Quando entendemos que o Dia Internacional da Mulher é muito menos sobre celebração e muito mais sobre homenagem à luta e uma forma de reforçarmos os direitos e igualdades que ainda nos faltam, compreendemos também porque esse tipo de pergunta precisa guiar todas as discussões e ações da data.

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Aí te pergunto: apagamento de quais mulheres?

Se não consideramos mulheres trans, negras, indígenas, amarelas, com deficiência, mães, acima dos 50 anos, lésbicas, bissexuais, pansexuais, intersexo, assexuais, travestis e tantas outras pluralidades nos nossos discursos e ações sobre o Dia da Mulher, estamos mesmo falando de mulheres? Ou estamos falando apenas de um padrão bem específico de mulher?

“Ah, Marina, mas é o Dia da Mulher, não é o Dia da Consciência Negra. Vamos falar de mulheres negras quando tivermos falando sobre raça.”  Ah tá. E que mulher é essa que conseguimos falar dela isoladamente sem falar de raça? Ou você vai me dizer que mulheres brancas não têm raça? 

Que mulher é essa que conseguimos falar sobre ela sem considerar orientação sexual e identidade de gênero? Ou nos esquecemos que ser heterossexual e cisgênero também significa fazer parte de categorias?

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Temos um termo acadêmico para todos esses recortes que estou fazendo aqui, a interseccionalidade. Ele foi criado pela Kimberlé Crenshaw, em 1989, e nada mais é do que entender que as diversas opressões da sociedade (como o racismo, a homofobia e o sexismo) não acontecem de forma isolada para ninguém. E a junção desses fatores interferem diretamente no tipo de opressão que uma pessoa vivencia.

Por exemplo, sabemos que ser uma mulher negra no Brasil é muito diferente de ser uma mulher branca. Da mesma forma, que ser uma mulher lésbica também tem diferentes impactos do que ser uma mulher heterossexual. 

Se não consideramos essas interseccionalidades para falar de mulheres, caímos, de novo, nesse lugar de falar apenas de um tipo específico e padrão de mulher.

Aqui, um exemplo bem prático: sabemos que uma das pautas da luta das mulheres é pela igualdade salarial. Hoje, no Brasil, as mulheres ganham 22% a menos do que os homens. Quando fazemos um recorte de gênero e raça, vemos que as mulheres negras não só ganham metade do que recebem os homens brancos, como também têm salários menores que as mulheres brancas. 

Como vamos reivindicar a igualdade salarial se não considerarmos a interseccionalidade? Vamos tomar como base apenas as mulheres brancas e depois a gente vê como faz? Acho que não, né.  

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Outra reclamação comum de quem acredita que inclusão significa o “apagamento de mulheres” é quando tentamos ter uma comunicação um pouco mais inclusiva. E olha que aqui eu nem estou falando sobre sobre linguagem neutra. 

No começo do ano, viralizou um post do Ministério da Saúde sobre puerpério. Ele caiu na minha timeline do Twitter e eu gastei uns bons minutos lendo e relendo para tentar entender o que havia de errado. 

Twitter/Ministério da Saúde

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Depois de ler alguns comentários, entendi que todo o problema era porque o Ministério usou as frases: “Nessa fase, o corpo de quem pariu está se recuperando…” e “Durante essa fase, a pessoa que pariu ou vivenciou uma perda gestacional…”. O auê todo era porque não escreveram “gestante”, “mãe” ou “a mulher que pariu”. 

Nos comentários, de novo, gente, inclusive mulheres, falando que o governo estava “apagando mulheres”. Apagamento do que exatamente?

Deixar de dizer “mulheres que pariram” muda em algo na minha vida de mulher cis? Não. Deixar de dizer “pessoas que pariram” faz com que apenas mulheres sejam capazes de parir? Também não.

Há um tempo, nesta mesma coluna, contei para vocês a história do Roberto Bette, um homem trans que gestou e pariu o seu próprio filho. (Se você não tiver lido, leia aqui).

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Uns dias depois desse caso do Ministério da Saúde, me deparei com duas situações de empresas que também tem tentado se comunicar de forma mais inclusiva: uma indo à farmácia e a outra tentando resolver um problema na minha internet. 

Para promover esse atendimento inclusivo, nenhuma pessoa foi apagada. Crédito: Arquivo Pessoal.

De novo, ninguém foi apagado para que um pouco (e essa é só a pontinha do iceberg) de inclusão fosse feita. 

O Dia da Mulher é sim sobre mulheres, mas não existe uma mulher universal. O que existe é um padrão de mulher. E ele não pode ser o único a guiar as nossas reivindicações para essa data. No fim, não adianta querer isolar do discurso, das ações do Dia da Mulher e das discussões feministas as mulheres e as identidades femininas que existem nesse mundo. Porque elas já existem. E nenhuma delas se deixará ser invisibilizada mais. 

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