Conheça o Roberto Bete, um pai que gestou o próprio filho

Vamos falar sobre paternidade transgênero!

O Roberto Bete tem 33 anos e é pai do Noah, de um ano. Ele é um homem transgênero (ou seja, uma pessoa que não se identifica com o gênero que foi atribuído em seu nascimento). E como ele mesmo define na bio do seu perfil no Instagram, Roberto é um pai parturiente, ou seja, ele gestou seu filho nos nove meses da gravidez. 

Conversando com o Roberto, ele me contou que sempre quis ser pai, do jeitinho que ele se define: “um pai coruja”. Mas, antes de engravidar, nunca tinha pensado que iria gestar o próprio filho. Foi ao conhecer a Erika, a mãe do Noah e sua ex-esposa, que entendeu que isso seria possível.

A Erika é uma mulher transgênero. Tanto ela quanto o Roberto já faziam o tratamento de hormonização há muitos anos. E, para tentar engravidar, precisaram interrompê-lo. A Erika parou com a progesterona e com o bloqueador de testosterona para voltar a produzir espermatozoides, e o Roberto parou com a testosterona para voltar a ovular. 

Um ano e meio depois, deu tudo certo: o Roberto engravidou e a Erika conseguiu amamentar o filho deles, após outro tratamento hormonal que permitiu o aleitamento.

Vivi Bacco/Reprodução Instagram

Eu bati um papo com o Roberto para entender como tem sido a paternidade para ele. 

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Quando você descobriu que queria ser pai?

"Eu quis ser pai a vida inteira, por vários motivos. Muito porque o meu pai se separou da minha mãe quando eu tinha nove anos e, com isso, ele foi muito ausente. A falta dessa figura paterna me despertou essa vontade de querer ser pai também e de ser muito bom, sabe? Eu queria suprir essa falta de representatividade paterna, dando isso para o meu filho. 

Eu sou taurino também, então sou muito raiz, muito tradicional. Gosto desse negócio de ter a família em casa no domingo, fazer comida para todo mundo. Gosto de casa cheia, de família, de criança correndo pela casa. E sempre tive esse desejo mesmo de ser pai, de ser avô, de ser bisavô, e por aí vai."

E gestar o seu filho sempre foi uma ideia também?

"A questão de gestar o meu próprio filho já foi diferente, né? Foi uma desconstrução que levou bastante tempo. Começou com o meu relacionamento transcentrado, ou seja, uma relação entre duas pessoas trans, independente do gênero. Foi a partir daí que eu comecei a construir essa ideia de que eu tenho um útero e de que eu poderia gerar o meu filho e isso não mudaria quem eu sou, não mudaria o meu gênero, não mudaria a minha masculinidade.  

Isso foi recente, em 2020, quando eu conheci a Erika. E daí foi um processo de entender o meu corpo, de aceitação do meu corpo. Foi depois desse relacionamento que eu comecei também a gostar do meu corpo, porque antes disso eu não aceitava, tinha muita disforia (insatisfação e angústia com o próprio corpo) e então eu achava que tinha nascido num corpo errado. E aí depois dessa relação, comecei a entender que não, que o meu corpo é um corpo trans e que está tudo bem. 

Antes, eu me relacionava com mulheres cisgênero (pessoas que se identificam com o gênero atribuído a elas no nascimento). E daí a ideia de ser pai era que a minha companheira iria gerá-lo, né? Antes disso, nunca tinha passado pela minha cabeça que eu iria gerar o meu filho."

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Como você faz para ser um pai ativo e presente?

Reprodução Instagram

"A paternidade ativa significa basicamente ter um pai ativo dentro de casa, que participa de todas as atividades com o filho. Todas mesmo, desde a parte operacional, que é nos cuidados diários, quanto na parte afetiva, criando laços amorosos e memórias afetivas, e dando apoio emocional. Não só o lado financeiro, porque a gente foi criado nessa construção social de que o homem é quem provê, quem vai para a rua ganhar dinheiro e sustentar a família. 

Só que a gente identifica que, ao longo da vida, não ter essa paternidade ativa, efetiva e afetiva é uma coisa muito problemática. Então, a gente está tentando desconstruir e transformar em um elo emocional afetivo.

Hoje, eu cuido do Noah com guarda compartilhada com a mãe dele, então ele fica uma semana comigo e uma semana com ela. Essa foi uma forma que a gente achou de estar sempre presentes na vida dele. Nós moramos perto, então, mesmo quando é a semana dela, eu pego ele se ela precisar, eu vou ver ele, ela também vem aqui na minha semana, a gente faz programas juntos, mesmo depois da separação. Porque a gente sabe o quanto é importante a presença dos dois na primeira infância dele, nessa construção da personalidade mesmo, dele como pessoa."

E como você faz para estabelecer os limites entre ser pai e ser o Roberto?

Reprodução/Instagram

"Até pouco tempo atrás era bem difícil fazer essa separação, porque desde que eu engravidei e ele nasceu, eu vivi só a paternidade, então ser o Roberto não era uma coisa importante para mim. Viver a paternidade estava sendo a coisa mais importante. E aí eu comecei a perceber que eu tava me deixando um pouco de lado e vivendo só a paternidade, sendo que eu também sou o Roberto, né?  

Foi quando virou essa chavinha e eu entendi que, tá bom, eu sou pai do Noah, vou continuar sendo, mas eu também preciso viver a minha individualidade, preciso voltar a ter a minha vaidade, a ter meu momento, me reconectar comigo mesmo. Então, hoje, eu costumo fazer isso quando ele está na casa da mãe dele e eu estou sozinho aqui. Ainda é difícil porque a gente fica se julgando, pensando 'ai meu Deus, eu estou aqui na balada, tô no barzinho'. 

É um exercício que eu venho fazendo para conseguir ver prazer em outras coisas quando não estou com ele, porque eu e ele nos tornamos uma coisa tão junto que é difícil ver prazer em coisas fora do contexto do Noah, sabe? Então, eu venho praticando, mas às vezes eu me perco, ontem eu deixei ele com a mãe e fiquei aqui sentado, olhando pela janela, sem saber o que fazer."

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Se você quiser saber mais sobre a história do Roberto, da Erika e do Noah, o UOL fez um documentário sobre eles:

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