Exclusivo: Falamos com a advogada Bruna Morato sobre sua condenação em processo da Prevent Senior

Ela foi condenada a pagar R$ 300 mil por danos morais à empresa.

No final de fevereiro, o caso Prevent Senior voltou às manchetes. O motivo? A advogada Bruna Morato, que representou os médicos que trabalharam na empresa e denunciaram a sua atuação durante a pandemia de covid-19, foi processada e condenada a pagar R$ 300 mil por danos morais à operadora de saúde.

Agência Senado

"Ninguém entendeu [o que estava acontecendo], porque ninguém me perguntou", diz Bruna, que reclama não ter sido procurada para falar sobre o caso. O BuzzFeed Brasil entrou em contato com a advogada para que ela pudesse contar sua versão da história - e o que aconteceu no processo.

Por conta da repercussão do caso, Bruna tem recebido apoio de diversas entidades.

Arte criada pelo ilustrador Cristiano Siqueira, ou Cris Vector, para campanha de apoio a advogada nas redes sociais, usando a tag BRUNA LIVRE.

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OS PROCESSOS CONTRA OS DENUNCIANTES 

Bruna afirma que está sofrendo perseguição por parte da Prevent Senior e denuncia a misoginia do advogado da empresa, Alexandre Fidalgo.

"O advogado, ao invés de defender a Prevent, passou a me desqualificar, dizendo que eu não tinha equilíbrio emocional necessário para atuar no caso, que eu não tinha qualificação técnica, que eu era irresponsável, que eu era desequilibrada, que eu era midiática, que eu era teatral, que eu era uma pessoa perversa", conta a advogada.

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Segundo ela, ao longo do processo, Fidalgo usa uma série de adjetivos pejorativos. "Esse discurso é para me desqualificar enquanto mulher, dizer: ó, ela não tinha condições psicológicas de fazer isso, se fosse um caso sério estaria com um homem", aponta.

Todos os médicos que denunciaram a Prevent Senior, incluindo Walter Correa (leia mais sobre ele abaixo), foram processados. A vítima que sobreviveu e prestou depoimento à CPI, Tadeu Andrade, também foi processado por dano moral. "A estratégia deles era muito clara: calar todos aqueles que estavam denunciando e promover um ataque judicial", diz.

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"É um processo de mil páginas e a sentença dele tem apenas 3 páginas", relata Bruna sobre a decisão judicial.

A sentença, no caso de Bruna, foi assinada pelo juiz Gustavo Coube de Carvalho, da 5ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Capital. Segundo o magistrado, a advogada cometeu "tentativa de assassinato de reputação de empresa de grande porte" ao acusar a Prevent Senior de forçar uso de remédios sem eficácia contra o coronavírus.

"Fui condenada por assassinato de empresa de grande porte, o que nem existe. Não existe isso em lugar nenhum", rebate Bruna, que afirma não ter podido se defender corretamente no processo. "Eu não questionaria [a decisão] se ele tivesse permitido o que a gente chama de contraditório e ampla defesa. Ele não permitiu que eu demonstrasse a forma como eu estava sendo perseguida e agredida para justificar a fala que eu fiz".

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No caso de Bruna, no entanto, não foi apenas um processo.

"Eles usaram uma entrevista que eu dei na TVT, junto com Renato Simões, que é um homem que já foi Deputado Federal, para dizer que existe um motivo novo para me processar. Eles estão me processando porque nessa entrevista eu disse: ‘a Prevent Senior age como organizações criminosas e milícias, porque estão perseguindo todos os seus denunciantes e fazendo, com isso, uma pressão para que outras pessoas não denunciem a empresa", relata. 

A IMPRENSA

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"Até hoje não me manifestei publicamente, porque eu queria ver o que a Prevent Sênior ia fazer. A Prevent Sênior colocou no Instagram que eu fui condenada pelas falas na CPI, o que não é verdade, repercutiu isso no Twitter, botou isso no site da própria empresa, provocou um movimento contra mim, repercutiu a matéria na CNN, na Folha, na Veja, no G1… em todos esses locais não foi me dado espaço de fala", reclama.

A advogada também reclama que não foi procurada pelos veículos de imprensa, mas o advogado da Prevent Senior foi.

"De algum modo, essas pessoas se convenceram que eu sou uma maluca, desequilibrada, que inventei uma história, coloquei essa história e ninguém está analisando a forma como eu fui condenada e como isso foi feito", diz.

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O perigo, segundo a advogada, é que, além da impunidade, o discurso antivacina e à favor do kit covid volte por conta do que chama de "irresponsabilidade" do juiz.

Reprodução Twitter

"A Mayra Pinheiro, a capitã cloroquina, a mesma que leva o protocolo para Manaus para justificar a não aquisição de cilindros de oxigênio, repercutiu a matéria dizendo que a minha denúncia era mentira. O que, supostamente, na cabeça de quem vê, valida o tratamento precoce e justifica tudo o que foi feito de errado", reflete.

RELEMBRE O CASO PREVENT SENIOR

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A advogada conta que começou a receber as denúncias em março de 2020. Todas as denúncias de médicos que trabalham, até hoje, na Prevent Senior. No entanto, não "levou à sério" na época.

"Infelizmente, na época eu fiquei de março a dezembro acreditando que os médicos estavam com burnout, esgotamento emocional e mental por causa do trabalho, e relevei as denúncias, porque a medida em que aquelas denúncias eram enviadas pro Ministério da Saúde ou Ministério Público Federal sempre havia um arquivamento", diz.

Mas no final de 2020 mais relatos “absurdos” chegaram à sua mesa. "Um desses médicos entrou em contato comigo e falou que, no hospital em que ele atuava, o Dr Anthony Wong tinha dado entrada pra se esconder. Ele disse que a unidade dele, a qual era responsável, era uma unidade cardiológica e que o Dr. Anthony Wong estava colocando os outros pacientes em risco."


Bruna passou, então, a ter contato com médicos de outras unidades.

"A medida que o tempo passou, eu recebi um outro contato que é de outro médico igualmente preocupado, mas de outra unidade. Ele dizia que a mãe do Luciano Hang tinha dado entrada. Ela estava num estado muito grave, porque tinham dado Kit Covid e a concentração dos medicamentos era muito perigosa pra ela, porque ela tinha uma série de comorbidade e o kit covid tinham agravado o quadro. Ele tinha muito medo que a mãe do Luciano Hang morresse no hospital dele, principalmente porque ela estava sendo submetida a uma série de tratamentos experimentais nos quais a própria equipe discordava."

Em março de 2021, o plantonista Walter Correa foi mandado embora e entrou em contato com a advogada. Segundo ela, Corrêa era o único ex-médico entre os denunciantes.

Reprodução

"Quando eu conheci o Walter e ele me explicou, na prática, como era quando o plantonista recepcionava o paciente, como ele fazia, e quais princípios ele era regido, e aí os princípios de lealdade e obediência. E me relatou uma série de questões esquisitas, que eles tinham que cantar o hino com a mão no peito, que eles tinham a tal da lealdade e obediência, que eles eram condicionados a essa situação, eu vi que de fato era extremamente grave o que aconteceu".

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A advogada teve acesso aos conteúdos de grupo de WhatsApp da empresa, que demonstravam a ideologia que supostamente rondava os corredores da Prevent Senior.

Reprodução

"Altas celestiais", segundo os denunciantes, seria o envio de pacientes para os cuidados paliativos sem necessidade. 

Reprodução

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GOVERNO BOLSONARO E A PREVENT SENIOR

Morato também vê uma relação "muito clara" entre o governo de Jair Bolsonaro e as irregularidades denunciadas praticadas na Prevent Senior.

Logo no início da pandemia, o ministro da saúde à época, Henrique Mandetta, chegou a chamar a atenção da empresa em uma coletiva de imprensa, em 31 de março de 2020.

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"A Prevent Sênior precisava se aproximar do governo pra cessar essas críticas. E o Pedro Batista tinha uma certa entrada. Primeiro ele tentou um sobrinho do Mandetta, que era médico na Prevent Sênior para acessar o Ministério da Saúde pra tentar procurar algum acordo. Ele não conseguiu esse acesso com ele. Então, Pedro Batista tentou outro acesso. Ele já foi médico do Exército e já tinha contatos com a Dra Nise Yamaguchi, com o Dr. Paolo Zanotto, Dr. Luciano Dias… todos eles membros do gabinete paralelo. Então, ele se aproxima do gabinete paralelo".

A Dra. Nise Yamaguchi aparece em outro relato de Bruna. Segundo a advogada, ela recebeu uma reclamação do médico de interferência no seu trabalho.

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"Esse mesmo médico [que denunciou o caso] relatou que ele estava numa situação muito difícil com a Dra. Nise Yamaguchi, que a doutora ia até o hospital e queria alterar o protocolo de atendimento do Dr. Anthony Wong. E que, além disso, tinha uma outra médica, que era a Dra. Maria Emília Gadelha Serra, que também estava querendo usar um tratamento que também não é adequado para o Dr. Anthony Wong, que era a ozonioterapia retal."
Segundo os prontuários, encontrados entre as páginas 195 a 216 da petição n° 10064, enviada ao ministro Luiz Roberto Barroso, Anthony Wong e Regina Hang, mãe de Luciano Hang, teriam recebido o tratamento com a dra. Maria Emília Gadelha Serra.

A dra. Maria Emília Gadelha Serra é a mesma que, em agosto de 2021, apresentou um dossiê que classificava as vacinas como “experimentais” ao então presidente, Jair Messias Bolsonaro.

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"Para que as pessoas tivessem coragem de se expor e fazer com que a economia não parasse, porque o grande medo do governo era que a economia parasse, elas precisavam de uma esperança de que se elas pegassem covid, não iam morrer. E a Prevent Sênior entra para fornecer essa esperança validando o discurso do Bolsonaro sobre a função da hidroxicloroquina. A Prevent Sênior entra com um único objetivo: temos que comprovar que a hidroxicloroquina é eficaz, mas não era eficaz”

Bruna apresentou, na CPI da Covid, alguns vídeos com pessoas apontadas como membros do gabinete paralelo e o diretor da Prevent Senior, Dr. Pedro Batista Jr.

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Essa live foi, inclusive, divulgada por Jair Bolsonaro em seu Twitter.

Reprodução Twitter

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Os filhos de Bolsonaro também divulgaram o conteúdo.

Reprodução Twitter

“Com essa relação a Prevent Senior teve um faturamento de 4 bilhões. E isso gerou um lucro direto de mais de 500 milhões, então foi muito lucrativo, ganharam muitos beneficiários e inclusive expandiram pelo Brasil, enfim… fizeram planos megalomaníacos” 

Reprodução Estadão.com.br

Link para a matéria

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ESTUDO E PROTOCOLO PREVENT SENIOR
“Quando eu fiz a denúncia, […] deixei muito claro que o que acontecia ali não era só a distribuição desse kit covid, mas também a submissão desses pacientes a condição de cobaia humana, porque além dos medicamentos do kit, que era um conjunto de 8 medicamentos, cuja interação medicamentosa já aumentava por si só a taxa de letalidade, existiam também outras experiências sem a autorização do comitê de ética médica que aconteciam dentro da Prevent Sênior”
O protocolo da empresa, segundo mensagens do grupo de WhatsApp, mudou em março de 2020. Nela, estipulou-se que pacientes internados para tratamento de covid deveria ser prescritos hidroxicloroquina e azitromicina.

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Em 25 de março, a direção da Prevent Sênior teria enviado uma mensagem para os médicos em que afirma que todos os pacientes com suspeita de covid-19 deveriam ser submetidos ao protocolo e seriam monitorados via telemedicina.

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Os médicos denunciam que esse foi o início do estudo com o kit covid, apesar da autorização da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa só ter chegado em 14 de abril de 2020.

O resultado seria divulgado 3 dias depois, no dia 17. Teriam sido usadas 636 cobaias no período do estudo, o que chamou a atenção. Naquele mesmo dia, um dos donos da Prevent Sênior, Fernando Parillo, fez outra live em que diz que há uma relação entre a empresa e um órgão público e, portanto, não poderia falar mais.

"Eles produzem um estudo encomendado, com dados forjados, para convencer a população de que aquilo [kit covid] funcionava".

Reprodução Twitter

Tanto Jair quanto os filhos Flávio e Eduardo Bolsonaro divulgaram os resultados da pesquisa. 

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Reprodução Twitter

Dias depois, o CONEP suspendeu a autorização à Prevent Sênior por indícios de fraudes científicas. Bruna tem a relação de todas as cobaias e seus protocolos e garante que algumas já estavam mortas antes do período do estudo.

Reprodução Veja

Link para matéria da Veja

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Ainda assim, o protocolo seguia. 

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A Organização Mundial da Saúde suspendeu, em julho de 2020, todas as pesquisas com hidroxicloroquina para tratamento da covid-19. Mesmo assim, em novembro daquele ano, a orientação pela prescrição do kit covid continuava.

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Esse protocolo foi, em janeiro de 2021, levado ao estado do Amazonas, dias antes do colapso de oxigênio nos hospitais de Manaus.

Em 11 de janeiro de 2021, o governo Bolsonaro lançou, em Manaus, o TrateCov. O aplicativo prescrevia o kit covid para qualquer um com sintomas gripais.

Publicação oficial sobre o TrateCOV, aqui

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Reprodução Estadão.com.br

O colapso nos hospitais de Manaus começou no dia 14 daquele mês.

AS CPIs E PERSEGUIÇÕES

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Diante da certeza da conivência do governo federal, restou à Bruna procurar a imprensa.

"Então o Guilherme Balza, jornalista da Globo, fez uma matéria. Essa matéria repercutiu muito na GloboNews e, poucas semanas depois, meu escritório foi invadido. Pessoas invadiram meu escritório, vulnerabilizam o sistema de segurança de um prédio comercial inteiro aqui em Guarulhos. É um prédio de alto padrão, então o sistema de segurança é referência. Ficaram no prédio por 4 dias procurando documentos. Não só na minha sala, mas em outras salas de pessoas que eu conheço, pessoas vinculadas a mim".

“Nós começamos a ser seguidos, à sofrer ameaça. Chegou a um determinado ponto que a gente viu que não tinha mais nada a ser feito a não ser tentar fazer com que a Prevent Senior se responsabilizasse pelas irregularidades que aconteciam dentro da empresa", diz.

“Nós começamos a ser seguidos, à sofrer ameaça. Chegou a um determinado ponto que a gente viu que não tinha mais nada a ser feito a não ser tentar fazer com que a Prevent Senior se responsabilizasse pelas irregularidades que aconteciam dentro da empresa", diz.

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Bruna procurou a CPI no Senado e prestou depoimento em 28 de setembro de 2021, onde apresentou as provas que também compõem essa matéria. 

"Quando eu fui prestar depoimento na CPI da covid eu estava grávida. Meu filho hoje tem 8 meses. E eu escuto coisas tão absurdas. Tem algumas pessoas que falam que, porque eu tava grávida, eu inventei essa história, porque os hormônios da mulher grávida fazem com que ela fique muito alterada".

O Dr. Walter Correa e outros médicos, além de um paciente da Prevent Senior que sobreviveu, prestaram depoimento em 7 de outubro. O médico acusou a empresa de não respeitar a autonomia médica, além de proibir o uso de EPIs, incluindo máscaras.

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A empresa chegou a assinar, em outubro de 2021, um compromisso de ajustamento de conduta com o Ministério Público de São Paulo. No documento, a Prevent assume a ineficiência do kit-covid e se compromete a não distribuir mais os medicamentos.

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Em 2022, foi aberta a CPI da Prevent Senior na Câmara de Vereadores da cidade de São Paulo. Em abril, os vereadores disponibilizaram o relatório no qual indicia os donos da empresa, Fernando e Eduardo Parillo, Sérgio Lotze, Roberto de Sá Cunha Filho, Rodrigo Barbosa Esper, Pedro Benedito Batista Júnior, Fernando Teiichi Costa Oikawa, Rafael Souza da Silva, Daniela Cabral de Freitas, Carla Morales Guerra Godoy, entre outros.

Link para o relatório da CPI, aqui

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"Tudo o que eu disse eu comprovei não em uma CPI, mas em duas".

Alguns dias depois, a Polícia Civil fez um relatório em que pedia o arquivamento do caso Prevent Senior. No entanto, o Ministério Público lançou uma nota afirmando que seguia com as investigações.

Bruna Morato afirma que o juiz de 1ª instância deixa claro seu posicionamento político na própria sentença.

"Ele não se diz bolsonarista, talvez lavajatista, porque ele diz o seguinte na sentença em que me condena: ‘o devido processo legal está ultimamente sendo flexibilizado para determinados réus e, com isso, promove algumas das condenações'. E, com isso, se você tem isso, ele pensa diferente, tanto que coloca que se opõe a isso. Quando ele diz que se opõe à isso, ele registra a posição política dele."

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“Quando ele me condenou, ele condenou por minhas falas na CPI, só que o processo dele não era sobre as minhas falas na CPI. O processo sobre as minhas falas na CPI estão sendo analisadas por uma juíza mulher de outra vara.”

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