Você provavelmente não sabia que essas personalidades históricas NÃO eram brancas

O próprio fato de não raro estas figuras serem pensadas – e representadas – como brancas revela uma forma de racismo estrutural.

O embranquecimento histórico ocorre quando pensamos e representamos figuras de importância histórica automaticamente como brancas.

O exemplo clássico é Jesus Cristo. Geralmente representado como branco, com longos cabelos castanhos claros e olhos azuis, é provável que sua aparência real estivesse longe de ser assim.

Reprodução / Via arquidiocesesalvador.org.br, Richard Neave/BBC / Via bbc.com

Segundo pesquisadores, se levarmos em conta o local de nascimento de Jesus e sua ascendência, ele provavelmente tinha cabelos curtos, olhos castanhos escuros e pele morena bem bronzeada.

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Isso acontece pois naturalizamos, ou seja, tomamos como normal, que posições de poder, de prestígio e dignas de reconhecimento sejam ocupadas por pessoas brancas.

O embranquecimento histórico é um dos privilégios simbólicos das pessoas brancas, que veem "atributos e significados positivos [sendo] ligados à identidade racial à qual pertencem, tais como inteligência, beleza, educação, progresso etc.", explica a pesquisadora Lia Vainer Schucman no livro "Entre o Encardido, o Branco e o Branquíssimo: Branquitude, Hierarquia e Poder na cidade de São Paulo".

Essas representações em torno de figuras de poder são tanto um sintoma do racismo estrutural presente na sociedade – ou seja, um indicativo desse racismo – como perpetuadoras dessa mesma desigualdade.

Assim, reunimos neste post alguns exemplos de figuras históricas brasileiras que não raro são pensadas e representadas como "brancas" – ainda que não fossem.

Esperamos que, assim, possamos pensar em como o racismo pode se manifestar em cada um de nós, mesmo que a gente não se veja como racista.

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Chiquinha Gonzaga:

Reprodução/Livro "Chiquinha, Uma História de Vida" / Via chiquinhagonzaga.com, CEDOC/TV Globo / Via gshow.globo.com

Francisca Edwiges Neves Gonzaga nasceu no Rio de Janeiro em 17 de outubro de 1847, filha de um casal inter-racial. Seu pai, branco, era general do Exército Imperial Brasileiro e sua mãe, negra, era filha de escravizada (a abolição da escravatura no Brasil, vale lembrar, só viria a ocorrer em 1888).

Apesar disso, a compositora foi representava na série de TV “Chiquinha Gonzaga”, em 1999, pelas atrizes Gabriela e Regina Duarte, brancas.

Compositora, pianista e maestrina, Chiquinha Gonzaga ficou conhecida por músicas que entraram para imaginário popular brasileiro, como a marchinha de Carnaval “Ô Abre Alas”, em 1889.

Ainda que tenha tido uma formação aristocrata, sendo educada por professores da elite carioca – como o Maestro Lobo –, Chiquinha frequentava na infância rodas de lundu, umbigo e outros ritmos africanos comuns em rodas de escravos, experiência que influenciou posteriormente sua produção musical.

Machado de Assis:

Reprodução / Via youtube.com, Reprodução/Biblioteca Nacional de España / Via www1.folha.uol.com.br

Machado de Assis, um dos maiores nomes da literatura brasileira, nasceu no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839, filho de um mestiço brasileiro, que trabalhava como pintor de paredes, e uma imigrante açoriana, que trabalhava como lavadeira. Assim, enfrentou muitas das dificuldades comuns aos mestiços da época, como o acesso limitado à educação formal, o que o levou a ter uma formação quase que completamente autodidata.

Em 2011, Machado foi retratado em uma propaganda da Caixa Econômica Federal como um homem branco. Após inúmeras críticas e uma queixa formal da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, o banco suspendeu a veiculação da peça publicitária e em nota pediu desculpas pelo erro.

Para alguns pesquisadores, como a professora Ana Flávia Magalhães Pinto, da Universidade de Brasília, “o embranquecimento de Machado é produto da apropriação da sua memória por parte de homens que o queriam branco, para legitimar um projeto de país em que pessoas negras seriam apenas resquícios de um passado que se queria esconder e quiçá esquecer”, disse em entrevista ao jornal “O Globo”.

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Gonçalves Dias:

Reprodução / Via pt.wikipedia.org

Antônio Gonçalves Dias é outro importante nome da literatura brasileira, tendo ficado conhecido por seus poemas nacionalistas, como “Canção do Exílio”, e sua contribuição ao romantismo indigenista.

Ele nasceu em 1823 em Caxias, no Maranhão. Seu pai era um comerciante português e sua mãe mestiça, de ascendência indígena e africana.

Por suas raízes, o escritor foi impedido de se casar com a moça que cortejava, Ana Amélia Ferreira (que era filha de portugueses), para quem dedicou vários de seus poemas.

Além de escritor, Gonçalves Dias também trabalhou como etnógrafo para a Comissão Científica do Império, onde estudou as populações indígenas brasileiras.

Teodoro Sampaio:

Reprodução / Via pt.wikipedia.org

O engenheiro, geógrafo e escritor Theodoro Fernandes Sampaio nasceu em um engenho na cidade de Santo Amaro da Purificação (Bahia) em 1855, filho de Domingas de Paixão, uma mulher escravizada. Sua paternidade nunca foi declarada. Algumas fontes acreditam que ele era filho do senhor de engenho, outras que era do capelão local, o padre Manoel Fernandes Sampaio.

De toda forma, sua paternidade – branca – presumida evitou que ele fosse escravizado e, ainda criança, Theodoro foi levado ao Rio de Janeiro por Manoel para estudar. Foi na cidade que ele se formou em engenharia civil.

Como escreveu a historiadora Lilia Moritz Schwarcz na "Folha" em 2011, por ocasião do lançamento de uma biografia sobre o engenheiro: “Durante o Brasil Imperial (1822-1889) conheceu-se pequena abertura que permitiu a presença de alguns poucos pretos e mulatos na corte. Mas tal inserção foi minoritária e problemática.  Não por acaso Sampaio silenciou sobre sua paternidade, como foi 'discreto' acerca da história de sua família, ainda mais de sua mãe e irmãos, por quem, ao que tudo indica, pagou pela liberdade.”

Sampaio trabalhou como engenheiro-chefe de obras e melhoramentos para navegação no rio São Francisco e, na cidade de São Paulo, foi chefe da repartição de Águas e Esgotos. Além disso, era colaborador do jornal “O Estado de S.Paulo” e foi um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.

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Nilo Peçanha:

Reprodução / Via en.wikipedia.org

Nilo Peçanha era vice de Afonso Pena e, com a morte do último, assumiu a Presidência da República entre 1909 e 1910. Foi o primeiro mestiço a chegar ao mais alto cargo do Poder Executivo do Brasil.

Nilo nasceu em Campos de Goytacazes (Rio de Janeiro) em 1867 e era filho de um padeiro e uma mulher ligada à aristocracia local. Ele teve uma infância humilde e, em Recife, se formou em Direito, entrando para a política com a mudança do regime da Monarquia para a República.

A cor de Nilo influenciou tanto sua carreira política como sua vida pessoal.

O casamento de Nilo com Anita de Castro Belisário Soares de Sousa, por exemplo, só ocorreu depois que a moça fugiu de casa, já que sua família – aristocrata – era contra sua união com um pretendente mestiço e de origem pobre, ainda que com um futuro promissor na política. 

Também na imprensa Nilo costumava ser ridicularizado pela cor da sua pele.

Na Presidência, o mandato de Nilo ficou marcado pelo incentivo ao ensino técnico-profissional, pela reorganização do Ministério da Cultura e pela criação do Serviço de Proteção ao Índio.

Carlos Gomes:

Reprodução / Via wikiwand.com

Carlos Gomes, autor da ópera O Guarani, foi um dos mais importantes compositores brasileiros.

Nascido em Campinas (São Paulo) em 11 de julho de 1836, era filho de pai negro e mãe possivelmente descendente de índios.

O pai de Carlos Gomes – Manuel José Gomes, conhecido como Maneco Músico – o introduziu ainda criança no universo artístico e, aos dez anos, ele já sabia tocar diversos instrumentos.

Jovem, se mudou para o Rio de Janeiro contra a vontade do pai para estudar no conservatório da cidade. Lá, se destacou pela composição de suas duas primeiras óperas e foi condecorado por D. Pedro 2º. O imperador tornou-se seu mecenas e lhe deu uma bolsa para estudar na Europa, onde Carlos Gomes solidificou sua fama e carreira.

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Publicado originalmente por Luísa Pessoa em 2018.

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