Van Gogh não comia tinta pra ser feliz e há formas melhores de falar de depressão

Como um grande equívoco sobre a biografia do pintor viraliza desde 2014 na internet e ajuda a romantizar e estigmatizar a doença.

Esta semana um tuíte viralizou com mais de 10 mil curtidas na rede social com a seguinte narrativa:

Reprodução

A postagem que originalmente viralizou foi deletada pela autora, mas na verdade a suposição chegou na internet em 2014, num post de tumblr gringo, que teve mais de 730 mil interações desde então. O problema é que TUDO nesta citação é um equívoco.

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1. Van Gogh NUNCA comeu tinta porque achava que isso ia deixá-lo feliz.

Divulgação / Museu D'Orsay / Via vangoghmuseum.nl

Com muita paciência, o Museu Van Gogh, localizado em Amsterdam, respondeu uma pergunta sobre o assunto explicando: quando o pintor foi internado por conta de sua saúde mental, ele comeu tinta (não especificada a cor) e tomou aguarrás (solvente de tinta) para se machucar, segundo anotações de seu médico. Por isso, foi afastado da pintura por certo tempo.

2. O pintor NÃO FOI diagnosticado com depressão.

Divulgação / Museu Van Gogh / Via vangoghmuseum.nl

Na biografia do autor na página do museu sobre seu período internado em 1888, é dito que ele foi hospitalizado após mutilar sua orelha esquerda em uma crise. No entanto, seu médico não cravou um diagnóstico. Ele suspeitava que Vicent Van Gogh tenha desenvolvido epilepsia por conta de um estilo de vida cheio de café, álcool e pouca comida.

Van Gogh nunca teve um diagnóstico oficial, apesar da forte crença de que ele sofria de transtorno depressivo, e teria morrido por arma de fogo em 1890.

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3. Segundo a Organização Mundial de Saúde, não existe só uma causa para a depressão (como comer uma substância tóxica): ela é um conjunto de fatores sociais, psicológicos e biológicos.

Reprodução / Van Gogh

A depressão pode ser desenvolvida por conta de outras doenças, como cardiovasculares, por exemplo. Pessoas que passam por momentos muito traumáticos na vida (do desemprego até desilusões amorosas), a ponto de afetar sua saúde física, também são mais sucetíveis a desenvolver o transtorno depressivo, segundo o órgão.

A propósito, a intoxicação por chumbo, também conhecida como saturnismo, segundo artigo publicado no jornal de medicina da Universidade de Oxford, tem como sintomas: cólicas abdominais, dores e câimbras musculares, paralisia, perda de peso, palidez, marcas nas gengivas e um odor característico. Depressão não faz parte do quadro de sintomas.

4. Questionar "Quem é sua tinta amarela?" na narrativa do pintor que comia a tinta achando que seria feliz não só é uma forma simplista de enxergar a depressão, como culpa a pessoa por sua doença.

É como se a pergunta quisesse dizer "Ah, então o que é que as madames estão fazendo para se tornarem deprimidas?". Como já vimos antes, existem vários fatores para o desenvolvimento de depressão. Supor que uma pessoa FAZ isso consigo mesma é completamente raso e irresponsável.

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5. Precisamos urgentemente parar de romantizar ou estigmatizar doenças de saúde mental.

Talvez você conheça Van Gogh como "aquele maluco que cortou a própria orelha". Talvez você dê retuíte em uma mensagem que diz "olha só que coisa mais louca, ele comia tinta porque achava que isso ia fazer ele feliz!". Nos dois casos, ignoramos que o pintor, assim como qualquer pessoa pode estar sujeita, poderia estar sofrendo desta doença séria – ele nem mesmo teve um diagnóstico preciso a tempo. Segundo a OMS, mais de 300 milhões de pessoas pelo mundo são afetadas pela depressão, muitas delas sem saber e/ou sem acesso a tratamentos.

O mais importante é que depressão tem tratamento. Se você não está se sentindo bem, procure ajuda: seja falando com uma pessoa de confiança, com um terapeuta ou ligando 188, para o Centro de Valorização da Vida.

O CVV funciona gratuitamente 24 horas por dia sob sigilo completo.

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