Vamos parar de fingir que celebridades com "corpos de tiozão" precisam de defesa

Nick Jonas e Jason Momoa realmente estão sofrendo body-shaming?

Splash News

Nick Jonas

É verão no hemisfério Norte: a temporada de churrascos, de ir à praia com amigos, de papparazi fotografando celebridades curtindo em iates e locais exóticos e, er, body-shaming masculino?

No início do mês, surgiu um burburinho a respeito das fotos que papparazi fizeram do astro de "Aquaman", Jason Momoa, conhecido pelo porte atlético, relaxando durante as férias. Nas imagens, publicadas pelo Daily Mail, o charmoso ator está caminhando na praia vestindo aquelas bermudas longas demais que os homens americanos usam para nadar.

Enquanto os tabloides logo o descreveram como "musculoso", alguns comentários infantis e provocativos deixados na conta do Instagram da US Weekly — "Tá meio fofinho. Mas ainda gostoso"; "Corpo de tiozão da p..."; "Vocês esqueceram de photoshopar o abdômen dele ou o quê" — acabaram iniciando uma aparente controvérsia sobre body-shaming.

Essa semana, novas fotos do astro do pop Nick Jonas, relaxando em um barco, também inspiraram manchetes e atraíram tuítes sobre seu dito "corpo de tiozão". As reações às imagens — pelo menos em algumas partes do Twitter Gay — foram amplamente positivas: "Ele tá bem Daddy pra mim." "desafio nick jonas me deixe sem andar." “Eu prefiro @nickjonas assim.” "Nick Jonas tá tão cheinho agora 😍... Gostei." "nick jonas tá a meio caminho de ter um corpo de tiozão e eu nunca me senti tão atraído por ele." Entrando na brincadeira, o Comedy Central tuitou fotos de Nick com o a legenda "Thicc Jonas está curtindo um 'hot girl summer'." E, claro, fizeram até uma linda fanart de Thicc Jonas.

Esse debate sobre "corpo de tiozão" suscitou alguns artigos de opinião sobre a maneira como, agora, a imagem corporal de homens heterossexuais se tornou sujeita às mesmas pressões e forças comerciais que há muito atormentam as mulheres. E motivou até mesmo uma pequena avaliação dos novos padrões — que algumas das mesmas revistas que publicaram os artigos promoveram — do corpo atlético masculino. Sim, Momoa e Jonas, independentemente de pequenas variações musculares, obviamente se encaixam nas noções de masculinidade mais idealizadas por nossa cultura.

O que é omitido do discurso que supostamente defende Momoa e Jonas como gostosos com corpos de tiozão, ou que celebra Jonas como "cheinho" (thicc), é a verdadeira positividade corporal que combate a gordofobia. Palavras como "thicc" foram criadas por mulheres negras e homens queer de cor para desafiar os tipos de padrão convencional de desejabilidade que celebridades como Jonas e Momoa representam. Defender o suposto corpo de tiozão deles é meramente promover padrões dominantes de desejabilidade sob o disfarce de subversividade, reembalando a atração pelos mesmos corpos convencionalmente bonitos com uma pretensa nova reviravolta.

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A explosão do falatório sobre "corpo de tiozão" coincide com o aumento das fotos de paparazzi de celebridades masculinas capturadas em momentos espontâneos e não oficiais, quando eles não estão sob a iluminação adequada, não passaram por tratamentos de imagem para fotos de revista nem estão com a forma física de super heróis de franquias. Portanto, desde o início, o padrão de perfeição que o "corpo de tiozão" supostamente amplia é inerentemente ridículo, e sempre houve um tom irônico ao usá-lo.

No início desse ano, por exemplo, quando fotos de paparazzi de Jude Law vestindo uma cueca branca deram início ao debate sobre o corpo de tiozão, o Irish Times brincou que era a prova de que homens de quarenta e poucos anos ainda conseguem quebrar a internet, "contanto", brincou o escritor, "que você seja rico, bronzeado, tenha uma beleza convencional, seja famoso, esteja em forma, em meio a um ressurgimento profissional e disposto a usar peças íntimas em público. Jude, em nome de todos nós, obrigado." (Outra publicação até fez fotos de pais comuns posando de cuecas brancas como resposta.)

Em parte, existe espaço para esse tipo de humor porque corpos de homens heterossexuais — principalmente aqueles que são celebrados como símbolos da hipermasculinidade convencional, como Momoa — não são nem perto fiscalizados como os das mulheres são. "Corpo de tiozão" nem mesmo significa algo ruim. A provocação "meio fofinho" dirigida a Momoa só é negativa se considerarmos "fofo" — uma característica feminizada — algo inerentemente ruim. Mas a positividade do corpo de tiozão não tem relação com a aceitação de características femininas em homens, e sim com o crescente aumento da necessidade de desenvolver músculos "fortes" como um tipo de padrão — embora provavelmente seja algo feito mais por homens do que por mulheres, já que pesquisas normalmente indicam que elas não curtem muito o tipo de "corpo musculoso".

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Jacopo Raule / Getty Images

Jason Momoa em Roma, no dia 4 de julho.

A "paternidade" não é algo culturalmente marcado nos corpos masculinos como a maternidade o é para as mulheres. Embora alguns brinquem quando homens ganham peso para acompanhar suas esposas grávidas, não é essa a conotação do "corpo de tiozão". Na verdade, não existe equivalente feminino para esse fenômeno. No máximo, a cobertura da maternidade de celebridades está menos relacionada à ampliação dos padrões de desejabilidade e mais ao destaque de mulheres grávidas com corpos inconcebivelmente incríveis, como Demi Moore na capa da Vanity Fair em 1991, ou a piadas sobre mulheres grávidas que engordam demais, como Kim Kardashian West como um sofá floral. Ainda há, claro, as celebridades que são elogiadas por recuperarem rapidamente os corpos que tinham antes da gravidez.

A celebração do corpo de tiozão, por outro lado, é vinculada de algumas maneiras aos aspectos das cultura masculina gay que erotiza corpos de homens mais velhos e celebra os "daddies". (Isso não significa que não existe discriminação por causa da idade na comunidade gay, mas idade e autoridade são erotizadas de uma forma diferente entre homens homossexuais.) O fenômeno "daddy" também faz parte dos padrões mais flexíveis dados a homens mais velhos na cultura hétero; diferente do que acontece com mulheres, faz parte da nossa cultura associarmos atributos sexy a homens à medida que eles envelhecem, como fica implícito no termo silver foxes (usado para designar homens grisalhos bonitos).

Claro que "daddy" e "corpo de tiozão" não se referem só à idade. Termos como daddy (na cultura gay), ou "zaddy", que deriva do vernáculo da comunidade negra, têm a ver com um certo tipo de atitude: a masculinidade, autoridade ou autoconfiança que certos homens possuem, o que nos leva — talvez de forma improvável para alguns — a Nick Jonas.

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Mais do que Jason Momoa, Nick Jonas virou "daddy" publicamente e foi associado à homossexualidade masculina (branca). Ele é conhecido por incitar o público gay que o adora com fotos sexy vestindo apenas cuecas. Também é partidário de fotos sensuais, e exibiu, através de suas postagens no Instagram, sua transformação de astro do pop com traços homossexuais a homem reconhecidamente musculoso. Seu recente casamento (em uma idade relativamente jovem) com a mulher mais velha Priyanka Chopra se soma ao seu apelo masculino de pai suburbano de Nova Jersey. (Talvez seja só eu.)

Os homens gays têm relações particularmente tensas com os padrões tradicionais de masculinidade, e a homofobia e o desejo internalizados podem entrar em conflito de maneiras complicadas. Essa é uma das razões pelas quais a dismorfia corporal e a luta pelo corpo masculino musculoso idealizado são tão predominantes na comunidade gay masculina.

Não é por acaso que Jonas e seu suposto "corpo de tiozão" agora dialogam com os conflitos gays sobre normas masculinas internalizadas, desejo e identificação: a questão é, por exemplo, se homens gays querem ser como ele ou transar com ele. Muitas pessoas tuitaram contra a alegação absurda, feita por alguns, de que Jonas não tem um corpo musculoso convencional, e apontaram para a forma como a celebração de seu corpo musculoso simplesmente omite a verdadeira gordofobia desenfreada presente nos aplicativos de namoro direcionados ao público gay. Isso tudo é ainda mais dificultado pela forma como as representações predominantes de brancura e masculinidade se entrelaçam para marginalizar a desejabilidade de homens queer de cor.

Nas fotos dos paparazzi que provocaram o recente momento "corpo de tiozão", Jonas está sorrindo e apontando uma mangueira para o oceano de forma alegre e divertidamente fálica. Sua bermuda está levantada, exibindo lindas coxas, e ele está coberto por pelos e músculos. (Não por acaso, em quase todos os tuítes de reação à foto, seja pedindo por sexo ou um banho de mangueira, ele é sempre colocado como o dominante fálico.)

Parte do que o debate sobre Nick Jonas realmente revela é a forma como a linguagem do desejo queer virou tendência. Em uma recente entrevista ao BuzzFeed, Jonas leu tuítes luxuriosos em voz alta, e logo ficou claro que essa cultura agora tem uma pegada definitivamente sadomasoquista. "Nick Jonas pode me enforcar em qualquer dia santo", ele leu, acrescentando: "Curte um enforcamento, hein? Somos dois." Ainda assim, em vez de ser usada como ferramenta para afastar os padrões dominados por brancos e centrados no masculino que permeiam a mídia branca heterossexual — e o Instagram —, essa linguagem agora é utilizada recentralizar caras heterossexuais como Nick Jonas.

Em um artigo de 2018, Phillip Henry escreveu sobre a forma como a palavra "thicc" foi reapropriada por Instagays brancos para descrever seus próprios corpos. Esse processo mais uma vez destacou o ciclo por meio do qual termos que foram originalmente criados por indivíduos marginalizados para expandir categorias de desejabilidade são, rapidamente, cooptados para recentralizar os mesmos padrões que tais palavras procuravam derrubar. (De forma semelhante, empresas de beleza e mulheres brancas logo se apropriaram de todo o conceito de "hot girl summer", iniciado por Megan Thee Stallion.)

Nós podemos celebrar Jonas — a deusa sabe bem que eu celebro —, mas chamá-lo de thicc ajuda a apagar os verdadeiros corpos aos quais o termo deveria se referir. Eu tenho certeza de que ele não se incomodaria se ficássemos só com o "Daddy". ●

Este post foi traduzido do inglês.

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