Vamos falar de coisa boa? Vamos falar de privilégios!

"Se eu tô onde eu tô, é porque eu mereci!". Será mesmo?

Vira e mexe, eu entro em um carro de aplicativo sozinha à noite e me pego fazendo escolhas impossíveis: colocar ou não o cinto de segurança? Não me entenda mal, eu sou uma grande entusiasta do cinto de segurança, mas ser uma mulher andando sozinha com um motorista desconhecido me faz pensar em 78 mil formas de tentar escapar de uma hipotética (infelizmente, nem tanto) situação de violência. E, na minha cabeça, estar sem cinto me permitiria fazer isso mais rápido. 

Então, eu sempre gasto alguns minutos fazendo essa avaliação, botando na balança se é melhor correr o risco de sofrer um acidente ou correr o risco de ficar presa e não conseguir pular de um carro em movimento. A cada 10 vezes que isso acontece, em 10 eu escolho ir sem cinto. 

Se eu pudesse fazer um "top 10 coisas que eu gostaria de ter na vida", poder não sentir esse medo seria uma das primeiras da lista. Estar sozinha e não sentir medo é, infelizmente, um privilégio que eu, que sou mulher e vivo no Brasil, não tenho. E falar sobre privilégios é sempre polêmico.

Tenor

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O significado de privilégio todo mundo sabe, mas, na prática, pode ser difícil reconhecer que a gente tem privilégio (ou, em muitos casos, não tem). Por isso, uma das formas mais simples de entendê-lo é por uma dinâmica que se chama “Jogo do Privilégio”. 

Ele funciona basicamente como um jogo de tabuleiro, onde os peões são as pessoas. Você reúne um tanto de gente, com bagagens e experiências diferentes, e começa a fazer perguntas para elas. Cada vez que a resposta for “sim”, a pessoa dá um passo para a frente. No fim, a gente vê quem chegou primeiro.

Existem muitas variações dessa dinâmica por aí, mas vou deixar aqui um link de uma versão que eu gosto bastante:

Você pode responder as perguntas aí na sua casa e depois contar para a gente, lá no fim dessa coluna, o resultado. 

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Uma coisa que você vai perceber é que as perguntas desse jogo costumam ser bem básicas. São coisas como “você teve acesso ao ensino superior?” e “você sente que pode procurar tratamento médico sem constrangimento?”. É tão simples e banal como não precisar pensar em colocar ou não o cinto de segurança quando você está sozinha (ou, pelo menos, deveria ser). 

E aí, você pode estar se perguntando: mas o que esse jogo tem a ver com os privilégios? Pois bem. Quem chega na frente (quem responde mais “sim” para perguntas como essas), é uma pessoa que tem privilégios. 

Nesse caso, os privilégios são as oportunidades e os acessos que uma pessoa tem apenas por ser quem ela é. Não é mérito, não é conquista (você não mereceu, meu anjo!), são aquelas características que estão na gente apenas porque estão, como, por exemplo, a cor da nossa pele e ser ou não ou uma pessoa com deficiência. 

Esse tipo de dinâmica ajuda a entender mais fácil que os privilégios existem, já que falar sobre eles ainda pode ser um tabu, afinal, nem todas as pessoas estão dispostas a assumir que possuem privilégios. E o risco disso é que, nessa linha, começam a surgir uns questionamentos bem equivocados, como “por que não existe dia do orgulho hétero ou um dia da consciência branca?”. O problema desse tipo de conversa é que, quando a gente ignora que os privilégios existem, nós nos esquecemos também que tê-los ou não impacta bastante a nossa vida.

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Isso quer dizer que uma pessoa com privilégios não sofre? Que ela não tem problemas? Que não fica triste? Que não passa por situações de violência? Claro que não. Pessoas com privilégio também choram no ônibus, sofrem porque algo deu errado, têm problemas e várias dificuldades. A diferença é que esses problemas, obstáculos, barreiras e dificuldades não acontecem apenas por elas serem quem são.

Um exemplo: eu sou uma pessoa branca e isso faz com que eu tenha privilégios muito grandes num país racista como é o Brasil. Isso não significa que eu não tenho problemas, mas significa que eu não enfrento nenhum problema por causa da cor da minha pele. 

É só reparar bem no vídeo do Jogo do Privilégio que eu coloquei aí em cima. Perceba que há uma pessoa negra, que é uma travesti, e que, das 15 perguntas, ela andou apenas uma vez. Enquanto isso, há um homem cisgênero branco, que andou todas as vezes. 

Reprodução

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Isso quer dizer que é um problema ter privilégio? Não. Até porque, muitas das coisas que a gente chama de privilégio, como, por exemplo, ter acesso a saúde de qualidade, ser chamada pelo seu nome correto e poder sair na rua sozinha sem risco de ser estuprada, não deveriam ser privilégios, mas realmente direitos de todo mundo. 

Só que a gente sabe que não é, então o problema aqui não é ter privilégios, mas negá-los e não usá-los para tentar transformar a sociedade em um lugar mais justo para quem não tem tantos privilégios. 

Afinal de contas, ter privilégios, quase sempre, significa chegar com mais facilidade a lugares onde a ausência de privilégios não vai tão facilmente. Significa que, com frequência, somos levados mais a sério do que as pessoas com menos privilégios. Se a gente não encara esse papel como nosso, além de pessoas privilegiadas, também corremos o risco de sermos pessoas que não se importam.

Reprodução

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Agora, conta para a gente, para quantas perguntas do "Jogo do Privilégio" você respondeu "sim"?

Menos de 5!

Entre 5 e 10!

Mais de 10!

15!

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