Um pequeno guia para lidar com haters na internet

A internet não é terra sem lei e atos virtuais têm consequências.

Como a gente lida com internet diariamente, também estamos expostos a parte ruim dela: os haters e suas interações agressivas. Pode ser desde um reply malicioso até uma perseguição contínua. Mas é importante lembrar que ninguém está sozinho nesta – nem psicologicamente, nem legalmente. O BuzzFeed Brasil conversou com profissionais e pessoas que já sofreram assédio e agressões online para tentar te ajudar a saber o que fazer caso um dia isso aconteça com você.

Haters existem desde sempre.

“A internet não traz nada de novo, ela só dá um alcance maior”, diz a psicóloga Luciana Ruffo, do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática da PUC-SP, em entrevista ao BuzzFeed Brasil.

Mas Luciana ressalta que nem tudo é negativo: o alcance da internet funciona para os dois lados. Quem quer espalhar ódio vai encontrar outros que pensam da mesma forma, e quem precisa de apoio também vai encontrar.

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É totalmente normal se sentir incomodado por comentários negativos ou agressivos.

"É importante ter autoconhecimento suficiente para saber o quanto a exposição na internet pode te afetar", diz Luciana.

“Não existe um caminho para não se sentir afetado por agressões, principalmente quando a ofensa encontra pontos pessoais que são mais sensíveis” diz. Quem determina o quanto incomoda é você, e sempre é possível buscar ajuda.

Apagar os comentários ou as mensagens pode ser uma forma de reação – e nem sempre é a melhor coisa a se fazer naquele momento.

Quando se trata de casos mais simples, ignorar funciona porque, para quem gosta de incomodar o outro, só tem graça quando há uma reação do outro lado. Neste sentido, apagar comentários é uma forma de reação.

E lembre-se que apagar não vai fazer o acontecido desaparecer. "Se achar que apagar ajuda, apague. Mas não deixe de guardar provas, pois isso é fundamental para poder denunciar", diz Luciana.

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Deixar suas redes fechadas apenas para amigos e usar as configurações de segurança das redes sociais são ótimas formas de se prevenir.

Assim, se um episódio de agressão ocorrer, você sabe de onde veio e provavelmente tem como contactar aquela pessoa.

Isso torna mais difíceis os ataques de anônimos. "Tem gente que precisa externar a raiva e xingar os outros apenas porque tem a possibilidade de fazer isso, e com esses não tem diálogo", diz a psicóloga.

Às vezes, atrás de um ataque "menor", pode estar um crime real.

Algo parecido aconteceu com Caio Baptista Antônio, que ganhou uma das primeiras causas por racismo virtual depois que seu perfil no Orkut foi invadido por um grupo nazista, quando ele tinha só 14 anos.

Em 2004, Caio começou a receber, de um dia para o outro, dezenas de scraps racistas. “Uma comunidade nazista do Orkut pegava aleatoriamente perfis de pessoas negras, para supostamente se vingar dos negros em geral”, conta em entrevista ao BuzzFeed Brasil.

“Foi complicado porque na época nem sabiam como punir um caso assim. Mas a gente levou a denúncia pra Policia Federal e rastreamos o IP do principal cara que promoveu isso”.

Caio conta que nada disso o deixou traumatizado com relação à internet, tanto que se formou em Comunicação Social e hoje é social media de uma grande empresa de cosméticos: “Eu aprendi desde muito cedo a não deixar ninguém me diminuir”.

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Se você for denunciar os ataques, o primeiro passo é dar um belo printscreen.

Longquattro / Getty Images

Outra dica importante é copiar a URL grandona – aquela que é uma identificação única do post – e salvar, copiar, imprimir.

Denunciar é muito importante, tanto para você, quanto para o trabalho da polícia.

      

Foi o que fez a MC Carol quando denunciou ataques racistas na sua página de Facebook. Em agosto, ela postou sobre ter ido à delegacia fazer a denúncia: "Pra quem acha mesmo que isso vai surtir algum efeito na minha vida, que vou entrar em depressão e largar meu trabalho, que eu vou dar 15 min de fama pra um bando de atoa, ESQUECE!"

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Os ataques podem vir tanto de um estranho sem rosto, como de alguém que teve acesso a algumas das suas informações pessoais.

Instagram / Reprodução / Thaís Padilha

A publicitária Thaís Padilha discutiu com um “match” do Happn e logo depois começou a receber dezenas de mensagens de homens solicitando um programa com ela.

Thaís havia dado seu número para o “match”, mas eles nunca tinham se encontrado. “Resolvi perguntar a um deles onde havia visto meu número. Assim descobri que haviam criado um perfil falso de mim como garota de programa, divulgando meus dados.

Além disso, o cara descobriu o número do meu trabalho e tentou me ameaçar se fazendo passar por delegado, só que fez isso usando o próprio número de celular”, conta Thaís, que aí decidiu denunciar formalmente.

Ela primeiro procurou uma Delegacia da Mulher, levando um dossiê com prints de absolutamente tudo, desde as conversas de WhatsApp às mensagens ofensivas que recebeu no Inbox. “A delegada, que encaminhou o caso para a Delegacia de Crimes Virtuais, disse que ter todo esse material à mão facilita muito a investigação do caso”, diz ela.

Posts e comentários que não se enquadram como crime mas que ofendem, causam danos morais, prejudicam a imagem ou a privacidade da pessoa, são considerados ato ilícito civil e são puníveis, também.

"A internet não é de jeito nenhum uma terra sem lei e os atos virtuais têm consequências, sim", diz Carlos Affonso Souza.

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Ler com atenção os Termos de Uso da rede social pode ser uma mão na roda para você.

"Se a ofensa violar qualquer um dos termos, a rede social vai ter que intervir", explica o advogado Carlos Affonso Souza. Por exemplo, se nos Termos de Uso diz que não pode usar a imagem de uma pessoa sem permissão, e isso aconteceu com você, especifique o caso na sua denúncia.

Você pode ainda recorrer ao Juizado Especial da sua cidade, onde você não precisa de advogado.

Carlos Affonso faz uma ressalva importante: "Se o conteúdo não autorizado envolver nudez ou sexo, o Marco Civil da internet faz uma exceção e aí basta a denúncia via rede social, que fica responsável por tirar o conteúdo do ar".

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É importante lembrar que mesmo uma opinião pessoal pode ser criminosa – não só quando incita o ódio ou a violência, mas quando viola a dignidade de todo um grupo de pessoas.

Martinhosmart / Getty Images

É o que explica Priscila Schreiner, procuradora da República e membro do Grupo de Combate aos Crimes Cibernéticos.

O mesmo vale para quem acha que é ok postar agressões e mensagens ofensivas: se você não diria isso publicamente, por que acha que está tudo bem dizer na internet? "As consequências para quem é enquadrado podem ser graves. As pessoas não estão mais ficando caladas, elas estão denunciando cada vez mais", diz Priscila.

Lembre-se de que pode ser até mais fácil investigar um caso na internet do que na "vida real". Os criminosos não estão totalmente protegidos.

Fad1986 / Getty Images

"Depois que a pessoa noticia um crime de ódio, contra ela mesma ou contra um grupo de pessoas, ela chega aqui no Ministério Público e a gente já vai analisar sem necessidade de ordem judicial", explica a promotora.

Ela conta que o promotor pode arquivar o caso, se entender que não configura crime, ou dar continuidade no processo, pedindo para o juiz uma autorização judicial para que seja dado o acesso aos dados cadastrais da conta da qual saiu aquela ofensa. "E daí vem a denúncia por crime de ódio e vai a juízo, com interrogatório, perícia técnica e tudo mais", explica a promotora. "Os peritos são muito bons. Tudo deixa rastros na internet”, diz.

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