Seis pessoas reagem a fantasias de carnaval consideradas ofensivas

Perguntamos a descendentes de etnias que geralmente viram fantasias no carnaval como eles se sentem ao se verem representados assim.

Publicado por Juliana Kataoka e Aline Ramos

1. "No bloco, toda vez que encontravam alguém com peruca black power, começavam a gritar meu nome. Eu dei risada na primeira, segunda, terceira vez. Até que não consegui mais fingir que essa brincadeira não me machucava muito" – Aline Ramos.

Reprodução / TV Globo

"A coisa mais comum no carnaval é encontrar pessoas com perucas black power. Geralmente, quem usa sempre justifica dizendo que está fazendo uma homenagem. Aquilo sempre me incomodou, já que todo o processo de deixar de alisar o cabelo e assumi-lo naturalmente foi muito difícil e demorado. Mas eu nunca consegui verbalizar exatamente porquê.

Até que fui no pior bloco da minha vida e soube exatamente o porquê daquilo me incomodar tanto. Eu queria curtir o rolê como todo mundo, mas toda vez que um grupo de amigos via uma pessoa com uma peruca dessas eles gritavam “Aline Ramos”. Eu dei risada na primeira, segunda, terceira vez. Até que não consegui mais fingir que essa brincadeira me machucava muito. 

Passei a ficar séria, me afastei do grupo, mas ninguém percebeu o quanto aquilo era horrível.

O meu cabelo é uma parte do meu corpo e de quem eu sou. Ver que ele passou a ser motivo de chacota entre os meus amigos me mostrou claramente como a sociedade nos vê. 

O pior que é depois disso a brincadeira continuou por muito tempo. O mesmo rolava em festas e até me marcavam em fotos de pessoas com essas perucas. Sinceramente, tenho muito receio e até certa preguiça de sair para curtir o Carnaval porque sei que vou encontrar muita gente brincando de ser negra. Como se a etnia de alguém fosse piada ou uma fantasia exótica." – Aline Ramos, 27 anos, descendente de negros e indígenas.

2. "Me deparo com gente fantasiada de cigano o tempo todo. Não é a mesma coisa, mas é uma alegria para mim saber que alguém gosta do nosso povo" – Adelaide Nicoli.

"Meu pai é um dos representantes de ciganos no Brasil – Jorge Nicoli, vice-presidente do Centro de Tradições Ciganas de São Paulo – e eu fico feliz quando vejo pessoas fantasiadas de ciganos, um povo que já sofreu tanto preconceito. Eu vejo como uma homenagem.

Se eu já me deparei com uma fantasia de ciganos? A gente se depara o tempo todo! Não é a mesma coisa, mas para mim é uma alegria saber que o povo gosta da nossa raça.

O meu recado para quem quiser se fantasiar de cigano é que se fantasiem. O cigano é um povo festeiro, é um povo alegre e com certeza vai atrair energias positivas para quem quer que se fantasiar". - Adelaide Nicoli, 56, terceira geração de ciganos indianos.

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3. "Ver pessoas com fantasias de indígenas é uma mistura de sentimentos. Em Manaus, existe muita vergonha e racismo com quem tem 'cara de índio'" – Jamille Nunes.

"Em Manaus, existe muita vergonha e racismo com quem 'tem cara de índio', de ter ascendência indígena, de ter 'cara de caboclo'. As pessoas em São Paulo acham que a gente tem orgulho. E nem é! Tanto que quando algum artista faz uma menção a 'índios' lá, as pessoas se apressam pra dizer que não tem só índio. É bem triste isso e eu já fui assim também, admito.

Ver pessoas com uma fantasia de 'indígenas' é uma mistura de sentimentos. Dá vontade de arrancar cocar da cabeça da pessoa e falar 'Por que tu tá usando isso?' e descambar pra uma explicação complexa que a pessoa não vai ouvir. As pessoas chamam indígenas de preguiçosos, de bicho, de aproveitadores e quando fazem isso quase sempre acham que todos nós morremos e somos uma lenda do passado.

Se fantasiar é 'fazer de conta'. Tem tanta fantasia pra usar, tanto 'faz de conta' disponível. Não trate como uma brincadeira a existência de povos reais, isso é desumanizador e ofensivo e isso não é questão de diminuir a liberdade de escolha de ninguém e só sobre se colocar no lugar de outra pessoa e pensar 'nossa, se isso ofende outra pessoa e eu posso deixar de fazer isso, por que não, né?'" - Jamille Nunes, 27 anos, neta de índígenas da etnia Parintintin.

4. "Ver pessoas debochando da minha etnia e cultura me faz querer fingir que eu sou branca de novo" –Ariel Strauss.

"Por parte de mãe, eu sou descendente de judeus germânicos ashkenazi, por parte de pai, eu sou descendente de judeus afro-turcos sephardi e beta-Israel. Tudo isso me faz me sentir etnicamente confusa! Eu levei quase 18 anos pra começar a me aceitar racialmente e ver pessoas debochando da minha etnia e cultura me faz querer fingir que eu sou branca de novo.

As pessoas não sabem como é horrível desconfiarem que você é terrorista por ter ascendência do Oriente Médio. No ano passado, eu estava desfilando em um bloco com meu namorado, meu irmão mais velho e uns amigos. Olhei pro lado e tinha uma menina com uma fantasia de “burqa” - roupa preta e uma blusa preta tapando a cara e deixando só os olhos - e uma plaquinha escrito: 'Essa novinha é terrorista'.

A ficha só foi cair quando fiquei sóbria. Lembrei de quando falaram que eu tinha que tomar cuidado com minha família nas Olimpíadas porque, se a gente fosse pro estádio, ia ser pra fazer atentado. Lembrei de como eu sempre era escolhida na revista “aleatória” completa dos aeroportos internacionais. Lembrei de como minha mãe tenta me afastar da minha cultura". – Ariel Hannah Strauss, 19 anos, judia descendente de afro-turcos.

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5. "Uma branca com hashi no cabelo, fita crepe puxando o olho e um leque com kanjis sem sentido veio me cumprimentar com uma reverência e uns barulhos de espada. Eu quis voltar pra casa, me senti ridicularizada" – Tami Tahira.

"Não vivo sofrendo xenofobia em relação a minha raça para no Carnaval alguém achar legal se 'fantasiar' da minha raça por um dia e ainda me dizer que é uma 'homenagem'. A graça dessas fantasias é poder se vestir de algo que você fetichiza, mas de um minuto pra outro poder tirar essa roupa sem precisar passar pela experiência de ser uma pessoa racializada.

Como não desanimar quando chego no rolê e vem uma branca com vestido chinês cheio de decotes aleatórios que ela mesma inventou, hashi no cabelo, fita crepe puxando o olho e um leque com kanjis sem sentido me cumprimentar com uma reverência e uns barulhos de espada? Quando isso aconteceu, eu quis voltar pra casa, me senti ridicularizada.

Pra quem pensa em ir de etnia no carnaval, só peço que escutem direito a militância negra. Se vocês se dispusessem a aprender com o movimento negro que bate nessa tecla há anos, tinham entendido que NENHUMA RAÇA É FANTASIA. Ainda dá tempo de fazer melhor nesse carnaval". – Tami Tahira, 20 anos, quinta geração de japoneses no Brasil.

6. "As pessoas chegam fazendo movimentos que acham que conhecem por terem visto em uma novela ou um filme, e o tom que eles usam ao fazer isso é sempre de piada, de ridículo". – Juily Manghirmalani

"Já me deparei com várias pessoas fantasiadas de algo do universo indiano, seja de figuras religiosas, seja adereços e roupas do cotidiano. É incômodo pra mim ver uma pessoa utilizar itens de outra cultura, a minha cultura, como algo carnavalesco.

Além da vestimenta, outra coisa que é muito ligada à cultura indiana é a dança. As pessoas chegam fazendo movimentos que acham que conhecem por terem visto em uma novela ou um filme, e o tom que eles usam ao fazer isso é sempre de piada, de ridículo.

Sem contar a ideia de 'exótico' que os itens da Índia possuem. Colocar um piercing no nariz com corrente, um bindi na testa, brincos e batas vai tornar a sua fantasia mais rica, interessante... diferentona por quê? A globalização onde a estética impera e os significados são perdidos é muito complicada e talvez precisasse ser mais compreendida.

Sempre me vi retraindo partes da minha cultura para "pertencer" a um espaço ocidentalizado. Por que agora em uma festa de uma cultura que não é a minha essa mesma pessoa, que muitas vezes nem percebe que me oprime, pode se fantasiar de oprimido? É muito triste como a diversidade cultural se reduz a estigmas e imagens básicas de comportamento e vestimenta, sem qualquer compreensão real daquilo". – Juily Manghirmalani, 28 anos, primeira geração de indo-brasileiros.

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Com este post, nossa ideia não é fazer um tratado racial, mas sim uma tentativa de dar voz às pessoas das etnias representadas. Os depoimentos são opiniões individuais dos entrevistados e jamais poderiam representar uma etnia inteira, composta por milhares de pessoas com diferentes opiniões pessoais sobre um tema.

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