Retirada de torcedor por "Fora, Temer" não tem base legal, diz ex-presidente do STF

Lei sancionada por Dilma limita proibição de cartazes a conteúdo racista ou xenófobo. Ayres Britto diz que manifestação política silenciosa não pode ser cerceada pela segurança dos Jogos.

Você provavelmente viu que torcedores que pregaram "Fora, Temer" no primeiro dia de competições da Olimpíada foram forçados a deixar o local dos jogos pelos seguranças do evento.

Reprodução / Mídia Ninja

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Em Belo Horizonte, durante a partida de futebol feminino em que as americanas bateram as francesas por 1 a 0, um grupo que vestia camisetas com letras formando "Fora, Temer" na arquibancada foi abordado e retirado do estádio pela Polícia Militar.

Segundo o jornal "Hoje em Dia", não houve boletim de ocorrência contra os torcedores.

No Rio, um torcedor foi detido por carregar cartaz "Fora, Temer" na final de "Tiro com Arco" no Sambódromo. Formalmente, ele foi retirado sob suspeita de ter gritado contra a expressão contra o interino. O esporte exige concentração dos atletas.

O vídeo do torcedor retirado com a truculência viralizou nas redes sociais:

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Neste domingo, o Comitê do Rio-2016 e o Comitê Olímpico Internacional confirmaram que estão proibidas manifestações políticas nas instalações olímpicas como protestos contra Michel Temer.

Neste domingo, o diretor de comunicação da Rio 2016, Mário Andrada, disse que a instrução para policiais e voluntários é pedir que quem proteste pare, mas só retirá-lo da sede se houver resistência.

Tim Bradbury / Getty Images

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Mas a regra do comitê contra manifestações políticas silenciosas não tem amparo legal.

A lei 13.284, sancionada pela presidente afastada Dilma Rousseff, limita a proibição de cartazes e mensagens de conteúdo ofensivo com caráter racista ou xenofóbico.

A lei proíbe a utilização de bandeiras para "outros fins que não o da manifestação festiva e amigável".

Não há proibição a manifestações de expressão política. Aqui o trecho sobre as condições de permanência nos espaços oficiais:

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Veja a íntegra da lei, clicando aqui.

Para o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, retirar um torcedor que se manifesta pacificamente fere o princípio constitucional que garante a liberdade de expressão no país.

"Você levar uma placa ou cartaz dizendo fora quem quer que seja, pacificamente, é uma legítima manifestação da liberdade de expressão e, logo, não cabe este tipo de cerceamento", afirmou o ex-presidente do STF ao BuzzFeed Brasil.

Nenhum regulamento pode se sobrepor à Constituição.

Divulgação / STF

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O ex-ministro Carlos Ayres Britto, que presidiu o Supremo Tribunal Federal (STF/abril a novembro de 2012), disse que nenhum regulamento está acima da Constituição.

Ele cita que o direito à liberdade de expressão "independentemente de censura ou licença" está assegurado pelo artigo 5o da Carta, o que trata das garantias e direitos individuais.

No preâmbulo e no 1o artigo do texto constitucional, a sociedade brasileira é descrita como pluralista.

Ayres Britto, contudo, faz uma ressalva aos gritos durante competições que exigem concentração dos atletas –caso do torcedor expulso sob acusação gritar "Fora, Temer" na final do tiro com arco.

"Neste caso, atrapalhar uma competição com um grito significa interferir no espaço jurídico dos competidores. Mas fora isso, a manifestação silenciosa não pode ser reprimida".

O ex-ministro mantém uma relação cordial com o presidente interino. Ayres Britto prefaciou o livro "Anônima Intimidade" (2012), a coleção de poesias de Michel Temer. Veja mais aqui.

Os dois já trabalharam juntos em 1981, quando Ayres Britto foi professor-assistente da cátedra de Direito Constitucional da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, cujo titular era Temer.

O BuzzFeed Brasil procurou o comitê organizador da Rio-2016, mas não obteve respostas aos questionamentos até a publicação. Esta reportagem será atualizada quando houver manifestação dos organizadores dos Jogos.

Protestos políticos foram liberados por juiz do Rio porque proibição passava por cima da liberdade de expressão.

Na noite de segunda, o juiz federal substituto João Augusto Carneiro Araújo, da 12ª Vara Federal do RJ, liberou a realização de protestos de caráter político, concedendo uma liminar (decisão provisória) em favor de pedido apresentado pelo Ministério Público Federal contra a União, o Estado do Rio e o Comitê Organizador da Rio-2016. Cabe recurso.

O argumento do Ministério Público Federal foi o mesmo apresentado pelo ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto em entrevista ao BuzzFeed Brasil: ao impedir torcedores de ostentar mensagens políticas, o comitê da Rio-2016 fere o princípio constitucional da liberdade de expressão.

No despacho, o juiz afirmou que a lei que regula a Olimpíada proíbe apenas manifestações de caráter racista ou xenófobo.

Na decisão, o juiz determinou multa de R$ 10.000 por cada manifestação reprimida, em desacordo com a decisão.

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