Raya e o Último Dragão é mais um filme da Disney que falha em representatividade
Ainda tem muito caminho para andar.
"Raya e o Último Dragão" estreou nos cinemas e na plataforma Disney+ na última semana. O filme conta a história de Kumadra, um país que foi salvo pelo sacrifício dos dragões mas que se separou quando as pessoas passaram a lutar para dominar o poder que as salvou. 500 anos depois, essa magia se despedaçou e trouxe de volta o poder maligno que ameaçava a humanidade em primeiro lugar. Então, se torna a missão de Raya reunir as peças espalhadas pelas terras vizinhas para recuperar a paz desse povo. Como todos os outros, é um lindo filme Disney, e sua promessa era de trazer representatividade do sudeste asiático às telas de cinema. Mas quem está sendo representado?
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Assim como todas as outras produções dos últimos dez anos feitas pela Disney, é um filme marcante, tanto visualmente quanto pela sua história. Com lindos cenários e uma animação impecável, a trama fala sobre confiança, amizade e superação. Ou seja, tudo aquilo que as crianças e os adultos esperam do estúdio. Os problemas reais do filme estão nas linhas finas.
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Com o anúncio da equipe responsável pela produção, as expectativas sobre sua veracidade e representatividade explodiram. O roteiro foi feito por Adele Lim, nascida na Malásia, e Qui Nguyen, de ascendência vietnamita. Além disso, uma equipe da Disney visitou vários países do sudeste asiático para estudar sobre a cultura e o visual da região. E por "vários países" quero dizer vários MESMO: Laos, Indonésia, Tailândia, Vietnã, Camboja, Malásia e Cingapura.
Porém, visitar tantos países acabou sendo um problema, pois parece que rolou uma tentativa de juntar todos eles como se fossem uma coisa só. No fim, o filme acaba não falando sobre nenhum desses lugares em específico. Em um artigo da BBC News, isso é comentado mais a fundo: Raya usa um Salakot, chapéu típico das Filipinas, sua luta é inspirada no Silat, uma arte marcial típica da Malásia e da Indonésia, e o visual de Kumadra é inspirado nas regiões fluviais do Vietnã.
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Toda essa mistura étnica acabou refletindo também na escolha do elenco: Raya é filha do líder da sua região, e sua dublagem original foi feita por Kelly Marie Tran, atriz americana filha de imigrantes do Vietnã. Já o pai de Raya, Chefe Benja, é dublado por Daniel Dae Kim, um ator que nasceu na Coreia do Sul. Sisu, o dragão coadjuvante, é dublada por Awkwafina, uma atriz e rapper de origem sino-coreana. E por aí vai.
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O problema não é apenas escalar pessoas de uma certa nacionalidade para interpretarem outras minorias (como o caso de colocar Wagner Moura como Pablo Escobar, um colombiano, na série "Narcos"), mas também tirar uma oportunidade de atores e atrizes que poderiam estar ocupando aquele espaço e exercendo o trabalho com a mesma qualidade. Não faz sentido dar esse papéis para atores que Hollywood já conhece, até porque muitos são de regiões que nem são representadas no filme.
Às vezes pode parecer uma tendência da Disney insistir em regiões fictícias: em "Raya e o Último Dragão", Kumadra é em algum lugar no sudeste asiático. Em "Moana", Motunui é uma ilha em algum lugar da Polinésia. Em "Aladdin", Agrabah é em algum lugar da Arábia. Outras vezes, não é tão difícil assim entender em qual país exato a história se passa: "A Bela e a Fera" mostra o interior da França, "Peter Pan" literalmente sai de Londres e "Soul" mostra Nova York em detalhes. Até mesmo em "Frozen", que se passa numa região fictícia, conseguimos identificar que ela na verdade fica na Noruega.
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Então por que falar sobre minorias étnicas – especialmente nos Estados Unidos – com tanta generalização? Por que atravessar os Estados Unidos de carro em "Bolt" mas não separar o Vietnã da Malásia? Por que contratar atores do Havaí e da Nova Zelândia para um filme que fala de algum lugar no meio do caminho entre os dois? Existe alguma pressa para cobrir esse assunto?