"Quando Bolsonaro fecha os olhos, ele sonha com um mundo em que não tem roqueiro": entrevistamos a Fresno

Em entrevista ao BuzzFeed, a banda falou sobre o disco novo "Vou Ter Que Me Virar" e sobre todo o contexto em que ele foi criado.

Camila Cornelsen

Ninguém precisa ficar ouvindo música velha da Fresno pra escutar os caras. Tem até clipe novinho:

Lançado agorinha, "Vou Ter Que Me Virar" é o novo álbum da banda. Produzido no meio da pandemia, as músicas vêm carregadas de revolta e dança, e a gente bateu um papo com o trio sobre como viver no Brasil nestes tempos moldou a obra. Se liga:

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BuzzFeed: Fala, gente, brigadão por me receber! Só alegria? 

Camila Cornelsen

Lucas Silveira: Eae, rapaz! 

Gustavo Montovani: Só alegrias canceladas!

Buzz: Hahahah! Cara, que absurdo foi isso, né? Vocês adivinharam a desgraça toda! 

Lucas: É, esse disco novo vai chamar "Mega-sena Acumulada é Nossa!"

Gustavo: É tipo o Simpsons fazendo previsões, hahahaha!


Buzz: É exatamente isso! Bora lá: Tenho sentido que filmes, séries, e álbuns lançados depois desse período mais punk da pandemia, ou vão pra um lado mega dark, do sofrimento que isso tudo trouxe, ou pra um caminho oposto, de festa, curtição, esquecer um pouco. Senti vocês nesse segundo grupo. É isso mesmo? 

Lucas: O que tem de bem intencional nele é o começo. Então, assim, a primeira música, "Vou Ter Que Me Virar", se tu não prestar atenção na letra, parece uma música meio new rave, uma coisa do Klaxons, aquelas banda Inglaterra. É uma parada que fazia parte da nossa formação, mas naquela época a gente não tinha o batera pra fazer, que é o [Thiago] Guerra. Talvez a gente também ainda tinha muitos vícios até do hardcore, do emo, guitarras distorcidas, etc. O álbum é feito para ter essa audição guiada, assim. Tanto que a segunda música é oposta, é completamente podre, que chama "Fudeu". 

Ao mesmo tempo, tudo nesse disco eu queria que tivesse ferramentas pop, então ele não fica sendo cabeçudo por muito tempo. O que eu acho é que não foi nem pensado pra ser um álbum feliz, ou animado, ou pra cima, ou pra rolar num churrasco... Eu acho que continua sendo um disco estranho pra churrasco, né? Pra piscina… 

Buzz: Justíssimo! 

Lucas: Mas por ser uma audiência guiada, ele vai te levando para vários lugares que estamos propondo, e aí sim tem uma pegada mais otimista - principalmente quando a gente compara com o "Sua Alegria Foi Cancelada". Mas feliz pra caralho a gente nunca consegue ser. Tem uma raiva ali. A própria "Fudeu" é raivosa, mas é engraçada! 

Gustavo: É tipo aquele meme que o cara parece feliz, mas é uma máscara que se tu tira, ele tá puto!

Lucas: É exatamente isso! "Casa Assombrada", que é a terceira música, também é um papo sobre saúde mental, mas dá pra cantar ela sem pesar. Minha filha canta sem saber o que eu estou falando.

Buzz: E em "Fudeu" vocês falam mal do Bolsonaro, né? Foi um desabafo, só encaixou na letra, como foi?

Lucas: Ah, tem que falar, né? É terrível, pô. Toda vez que acontece uma coisa ruim na minha vida, eu consigo traçar ela até o Bolsonaro. 

Thiago Guerra: Mas "Isso Não é Um Teste" também já falava dele! Isso é um caminho que já vem do "Sua Alegria", já vem de lá de trás… 

Lucas: É, mas no "Isso Não é Um Teste" a gente estava prevendo esse esse poder milico-ressentido-brocha tomando conta. A gente vendo vários grupos sendo meio ameaçados ou super ameaçados ou, enfim, tendo intenções de extermínio mesmo. Eu não acho que esse papo de genocida é exagero, eu acredito até que ele vá se foder de alguma maneira, talvez porque eu sou mais feliz acreditando nisso…

Mas agora, já nesse cenário pandêmico, a gente desdobra isso. Aquele verso sobre o ideal fascista fala muito sobre grupos de WhatsApp das famílias que fizeram, sei lá, teu pai, tua mãe, pessoas do caralho, fofas, que te amam, falarem uns bagulhos que meu Deus, o que aconteceu contigo? 

A gente vem percebendo que com essas defesas de retóricas assassinas, ninguém está muito livre disso. Se tiver um esforço muito grande para ser alguém melhor, tu deixa cair nessa!

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Buzz: E em "Eles Odeiam Gente Como Nós" vocês também abordam um pouco disso, né? 

Lucas: Sim! Também é isso. Quando Bolsonaro fecha os olhos de noite, ele sonha com um mundo em que não tem roqueiro, protesto, homens se beijando… Na real não tem nem eles, porque é uma hipocrisia. É muito louco. Eles viveriam num mundo onde só tem réplica do véio da Havan. Mas ao mesmo tempo, até essa música tem um lado festivo. A gente grita "nós somos fodas!", não "nós somos perseguidos"... 

Thiago: É que eu acho que esse lado esse lado feliz do disco é mais esperançoso do que feliz! Ele pinta que tem uma tem uma luz ali no final, sabe?

Gustavo: Pô, tô pensando muito nisso agora, porque poucas pessoas ouviram o álbum e falaram o que acharam pra gente na nossa cara [a entrevista foi feita uma semana antes do lançamento].

Thiago: É, eu consigo entender essa visão também! A música em si não vale por si, ela só vale o que causa nas pessoas. Então se ela te levou pra esse lugar, é maravilhoso, isso é demais! Sei lá, a gente está em um momento de sair deste lugar, de sair disso. Até do próprio Bolsonaro, sabe? Vai sair! Então estamos vendo um fim da pandemia, tendo pessoas querendo se reencontrar, querendo que as coisas melhorem, e isso se soma com um disco mais esperançoso! Ele tem um lado triste porque a gente também tem um lado triste, mas ele consegui trazer um sentimento certo no momento certo. E isso é uma coisa legal, é um sucesso pra gente estar num lugar que as pessoas querem estar! 

Buzz: Foda! Mudando um pouco o assunto, a ficha técnica tá bem internacional, né?

Divulgação

Buzz: Vocês tramparam com o Zachary Hanson que, produziu umas paradas fodas do Bon Iver, e com o Robin Schmidt, que também já trampou com muita gente foda. O último trabalho dele foi com o Elton John, inclusive. Como foi isso? 

Lucas: A BMG pagou e a gente foi, cara! 

Thiago: HAHAHA

Gustavo: HAHAHAHHA

Lucas: Não, agora sério: hoje em dia a gente tem muito acesso a essas pessoas, né? Antes nem o maior artista do Brasil conseguia gravar ou mixar com quem quisesse, ou rolava aquela coisa de um cara do Raimundos ir até Los Angeles pra gravar… milhões de reais!

Thiago: É, tinha disso com o Mamonas também! 

Lucas: É, era super inacessível, porém hoje não. É tudo digital. O Bon Iver é o bagulho que eu mais gosto de ouvir, dos caras vivos é um dos favoritos, e tudo que ele faz eu via que tinha esse Zack Hanson - que não é o batera do Hanson!

Gustavo: Se fosse seria mais legal ainda!

Lucas: Sim, pô, ia ser foda! Mas eu mandei uma música pra ele e falei "mixa aí!", depois pedi outra e foi indo!

O Robin Schmidt masterizou, que pra quem não conhece pode ser meio confuso, mas é o cara que finaliza o disco. É a última pessoa que faz o álbum soar mais gostoso. Então, tudo que eu ouvia e achava que soava bem, era ele que tinha masterizado. Se você pega essas bandas tipo Royal Blood, 1975, é ele que fez. Ele deixa um som bem agressivo. 

Mas é um processo muito louco. Esse álbum tem mixagem do João Milliet, que é um cara que mixa desde o Sepultura até Sandy & Júnior. Também tem o Mat Mainhard, que é um cara que eu só via mixando coisa da igreja, mixou uma da Priscila Alcântara. Eu falei: 'bah, o cara vai mixar metade disso da Fresno'… Hoje em dia isso é uma possibilidade muito grande.


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Buzz: Você falou agora da Priscila Alcântara e, cara, você tá caminhando pra se tornar um produtor consagrado, né?

Reprodução/Instagram

Lucas: Calma! Hahaha

Gustavo: É o futuro Zack Hanson! 

Thiago: Era isso que eu ia comentar! Porque assim, é essa busca pelo finalizador e tudo que é uma coisa bem do Lucas, ela faz a gente sentir uma parada muito massa e não sei o que… Mas assim, ela já vai de um jeito que é bem bom! Obviamente que faz o trabalho dele e tudo, mas eles não mixam mais criativamente a coisa. 

Lucas: É, ele melhora! 

Thiago: É, a gente já manda pra ele um disco pra ouvir, ele tem que voltar melhor ainda! E às vezes não vem melhor! 

Lucas: Poucas vezes eu mando mixar uma coisa do zero. Geralmente peço pra ele ouvir algo que a gente já fez, respeita, e deixa mais cremoso! 

Mas sobre produzir os pops: a Fresno é uma banda de rock, mas o rock é muito pop no Brasil. Mesmo que a gente não veja ele nos top 50, as músicas que as pessoas curtem, Barão, Legião, Cazuza, Raimundos, Charlie Brown, é muito conhecido, super atemporal e é super pop. Porra, são refrões!

Então antes eu colaborava mais com as pessoas pelo lado de compositor, mas de uns cinco seis anos pra cá eu comecei a produzir mais, eu venho pegando trabalhos grandes, tem a Priscila, a Manu Gavassi.

É muito foda, eu sinto como se eu tivesse fazendo uma música Fresno. Porque eu acho que é assim que eu colaboro, tento fazer uma música foda e ponto final. Isso é um legado da pandemia. Nosso trabalho de show não existiu, então eu fiquei muito no estúdio e em muito pouco tempo produzi bastante coisa. E quando você faz muito uma coisa, você melhora. Por exemplo: produzi uma trilha de um filme e tive que fazer 30 músicas. Então fui testando muitas vezes e melhorando. O sucesso a gente vê quando analisa como essas coisas serão recebidas. 

Mas, sei lá, vi o Péricles ontem e falei "A GENTE TEM QUE FAZER UMA MÚSICA JUNTO!".

Buzz: Porra, por favor! 

Gustavo: Se a gente lançar uma música Péricles e Fresno, que os fãs pedem a todo momento, os fãs iam pirar! No Twitter só pedem isso!

Buzz: Pô, sim, já tem matéria sobre isso no Buzzfeed!

Buzz: O emo, pra vocês, já virou uma parada retrô, meio brincadeira? Ou não, a Fresno ainda é emo?

Camila Cornelsen

Buzz: Pergunto porque na divulgação do álbum não tem nenhuma vez a palavra "emo". Se fala muito de "rock", de "dançante". Ao mesmo tempo, na pandemia vocês fizeram a QuarentEmo, que foi um sucesso absoluto.

Lucas: Eu acho que pro nosso público é uma mistura. Ainda existe com um saudosismo irônico mas também de verdade. Pô, a galera com 25, 30 anos vai começando a sentir saudade da adolescência e reescuta umas coisas mais antigas. Eu mesmo me pego ouvindo uns bagulhos tipo Yellowcard. Mas pra ir disso a voltar a fazer essa sonoridade, como se fosse resgatar... Dá pra fazer, mas não vai ser a gente, saca? Porque a gente já fez isso. E a nossa história meio que segue. 

O Emo é uma subcena dentro do hardcore e da música alternativa, que tem limites muito definidos, né? É um jeito de fazer música - e a gente já extrapolou isso. 

Mas tem coisas, no jeito de fazer melodias, que nunca vão mudar. Porque é o nosso estilo: meu jeito de cantar, nosso jeito de arranjar coisas. 

Então virou algo mais amplo. Em algum momento o emo era basicamente ter uma franja e não importava a música que estava cantando, e esse disco de agora não se configura como emo porque é muito amplo o que acontece ali. Mas quase tudo que existe hoje na música pop tem um pouco uma porcentagem emo. De Taylor Swift até 1975, Phoebe Bridgers, Willow, isso é muito foda!

Gustavo: Imagina um cenário alternativo, a gente com franjona em 2021? 

Thiago: Isso é uma boa zoeira interna. A essência a gente sempre vai ter, mas trazer a estética é uma coisa um pouco até datada. A gente ia virar uma fatia da gente, e eu acho que a gente tem que ser inteiro - e é o que estamos fazendo.

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