Como é a real situação das pessoas LGBTQIA+ que vivem no Afeganistão?

Segundo ativista afegão, o Talibã "pode estar planejando realizar um genocídio gay sem o mundo assistir”.

Após quase 20 anos de intervenção militar, as tropas internacionais dos Estados Unidos, da França e de outros países deixaram o Afeganistão nestes últimos dias. Assim, os Talibãs assumiram o poder, gerando uma cobertura intensa da imprensa tradicional e da grande mídia brasileira.

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Porém, pouco tem sido noticiado sobre o medo e o terror instaurado pelo grupo fundamentalista entre as mulheres afegãs, as pessoas LGBTQIA+ e outras minorias sociais que estão sujeitas a receber pena de morte no país.


Imagem: refugiadas afegãs se reúnem para cerimônia religiosa no Irã.

A IGLB (Associação Internacional de Gays e Lésbicas) divulgou em 2020 o Mapa de Leis de Orientação Sexual no Mundo, junto com um relatório sobre LGBTfobia do Estado. Estas pesquisas nos ajudam a entender como as leis no Afeganistão são extremamente severas e complexas em relação à comunidade LGBTQIA+.

Reprodução | Associação internacional de Gays e Lésbicas (IGLB)

Atualmente, o Afeganistão é um dos nove países do mundo que mais reprimem, negligenciam e violentam a comunidade LGBTQIA+. Sua Constituição criminaliza qualquer tipo de liberdade sexual ou de gênero, além de proibir o trabalho e a criação de ONGs voltadas para a garantia dos direitos desta população.

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Este sistema legislativo combina os chamados Tribunais Administrativos com as Leis Sharia, uma ordem islâmica que faz parte da fé derivada do Alcorão e do Hadith (registro de palavras do profeta Maomé). A Sharia considera a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo como adultério ou "crime de hadd", uma punição determinada por Deus. Quem for enquadrado, pode ser submetido a um julgamento máximo aos acusados ou possível pena de morte, caso haja uma interpretação extrema da lei, como os Talibãs costumam praticar.

FONTE : Miguel Trombini - leis afegãs de 2017 relacionadas à comunidade LGBTQIA+

A Sharia considera a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo como adultério ou "crime de hadd", uma punição determinada por Deus. Quem for enquadrado, pode ser submetido a um julgamento máximo ou até uma possível pena de morte caso haja uma interpretação extrema da lei, como os Talibãs costumam praticar.

Esta situação terrível no país já era uma realidade mesmo antes do atual grupo fundamentalista assumir o poder.

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Tanto é que o sistema judiciário de algumas regiões do Afeganistão é regido e supervisionado por outros coletivos extremistas. Isso levou muitos homossexuais que viviam fora da capital Cabul a reprimir sua sexualidade ou serem alvejados, lançados do alto de prédios ou apedrejados publicamente.  

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Segundo Nemat Sadat, autor afegão e gay que vive exilado, "não há como dizer" o quão ruim a situação das pessoas LGBTQIA+ do Afeganistão pode piorar sob o domínio do Talibã, mas é importante ressaltar como o país nunca se mostrou aberto à diversidade sexual ou de gênero mesmo antes dos últimos acontecimentos. 

Nemat Sadat | Reprodução

Sadat e sua família deixaram o Afeganistão quando ele ainda era um bebê e acabaram se mudando para os Estados Unidos. Porém, em 2012, ele retornou à Cabul para trabalhar como professor de ciência política na Universidade Americana do Afeganistão (AUAF). Lá ele percebeu que o sentimento LGBTfóbico era algo generalizado no país, e isso aconteceu após chefes de grupos extremistas espalharem boatos de que ele era um homossexual praticante. 

A partir desses rumores, os Talibãs se envolveram com a situação acreditando que o professor fazia apologia aos direitos LGBTQIA+ em sala de aula. Em um manifesto público, o grupo extremista declarou que Nemat Sadat deveria ser “alvejado e morto” por ter tornado a universidade “um campo de gays e lésbicas”. Foi assim que, no final de 2013, ele deixou o Afeganistão e se mudou para Nova York, onde intensificou seu trabalho como ativista pelos direitos da sua comunidade. 

Hoje, Nemat acredita que, após o Talibã assumir o poder do país por um todo, o grupo pode decretar um “expurgo anti-gay” e exterminar a população LGBTQIA+ que ainda vive no país.

“O Talibã vai impor uma política de 'isque, mate e jogue fora'”, explica Sadat. “Ou seja, eles vão nomear informantes para atrair homens gays e bissexuais online e em espaços públicos e levá-los a um local isolado, matá-los e se desfazer de seus corpos.

“Eu sei disso porque foi isso que elementos secretos do Talibã que agiam dentro do governo afegão durante a era Karzai e Ghani fizeram, e aqueles que escaparam compartilharam suas histórias comigo”.

Sadat acredita ainda que os assassinatos de pessoas LGBTQIA+ provavelmente não serão mostrados ao mundo em filmagens, como os Talibãs costumam fazer. Isso porque eles “se tornaram mais experientes em relações públicas e podem estar planejando realizar um genocídio gay sem o mundo assistir”. 

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Em meio a este colapso político mundial, muitas minorias, mulheres, crianças e pessoas LGBTQIA+ que vivem no Afeganistão precisam de sua ajuda. Nos mantermos informados é um começo para criarmos uma rede que pressione os governos ocidentais a garantir programas de exílio e apoio.

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