Protocolo para bares e boates contra assédio sexual em SP "mais atrapalha do que ajuda", avalia advogada

Para presidente do Me Too Brasil, lei "dá uma resposta muito ruim" à sociedade.

Na esteira da prisão do jogador Daniel Alves, em dezembro, na Espanha, diversos projetos de lei que criam um protocolo para bares, boates e restaurantes prestarem auxílio a mulheres vítimas de assédio ou violência sexual dentro de seus estabelecimentos surgiram de norte a sul do Brasil.

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A primeira lei aprovada sobre o tema foi no Estado de São Paulo, em fevereiro, quando o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) sancionou a Lei 17.621/2023, já em vigor, que obriga os estabelecimentos a adotarem medidas para proteção das mulheres.

Foto: Ciete Silvério/Governo do Estado de SP

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Mas na avaliação da advogada Marina Ganzarolli, fundadora e presidente do Me Too Brasil, a lei paulista "mais atrapalha do que ajuda" as vítimas de violência sexual e assédio. 

Reprodução/Youtube

Primeiro, porque a lei não foi debatida com a sociedade civil, com entidades representativas e organizações de defesa dos direitos das mulheres.

"Basicamente, ela foi aprovada a toque de caixa pelo governador do Estado a fim de dar uma resposta ao debate público causado pelo caso do Daniel Alves. E ela dá uma resposta muito ruim, que mais atrapalha do que ajuda as vítimas de violência sexual", avalia.

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Em resumo, a lei prevê três coisas:

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Bares, restaurantes e casas noturnas são obrigados a adotar medidas para auxiliar as mulheres que se sintam em situação de risco nas dependências desses estabelecimentos; esse auxílio se dá por meio da "oferta de um acompanhante até o carro, outro meio de transporte ou comunicação à polícia"; e ainda "fixação de cartazes nos banheiros femininos ou em qualquer ambiente do local, informando a disponibilidade do estabelecimento para o auxílio à mulher que se sinta em situação de risco".

Em Barcelona, o protocolo "No Callem", que existe desde 2018, acionado pelo próprio estabelecimento onde supostamente Daniel Alves estuprou uma mulher, foi fundamental na proteção à vítima, preservação das provas de que houve um crime sexual e rápida abertura de investigação por parte das autoridades.

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Se o caso tivesse ocorrido em solo paulista já com o protocolo local em vigor, "todas as provas não existiriam", aponta Marina.

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Isso porque, ela justifica, a lei coloca a culpa da violência na mulher, quando "obriga bares, restaurantes, casas noturnas e de eventos a adotar medidas de auxílio à mulher que se sinta em situação de risco".

"Então, é a mulher que tem de se sentir numa situação de risco, não é que ela está. É ela quem tem de sentir, identificar esse risco e pedir ajuda", aponta.

A especialista em Direito da Mulher e da Diversidade também cita como erro o fato de a lei desperdiçar a "janela de oportunidade" de encaminhamento da vítima a estabelecimentos de saúde, para fazer eventual conservação de material biológico que esteja no corpo ou na roupa da vítima.

"Tudo isso tem uma janela de 48h a 72h para ser feito depois da violência sexual", destaca.

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No texto publicado em Diário Oficial, Tarcísio vetou o artigo que previa o treinamento dos funcionários por parte dos estabelecimentos.

Dias depois, sancionou a Lei Estadual 17.635/2023, que prevê que os estabelecimentos capacitem anualmente todos os seus funcionários para que estejam habilitados a identificar e combater o assédio sexual e a cultura do estupro praticados contra a mulher que trabalha ou frequenta esses locais.

Esse é outro aspecto diferente do previsto no "No Callem", em que cartazes e treinamento, por exemplo, são fornecidos gratuitamente pelo governo. Aos estabelecimentos, cabe a adesão às medidas.

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A nível federal, ao menos cinco propostas inspiradas na lei espanhola tramitam na Câmara dos Deputados. Conheça as propostas aqui:

PL 3/23, da deputada Maria do Rosário (PT-RS).

PL 4/23, da deputada Dandara (PT-MG).

PL 12/23, do deputado Duarte (PSB-MA).

PL 14/23, da deputada Maria Arraes (Solidariedade-PE).

PL 100/23, das deputadas Fernanda Melchionna (Psol-RS) e Sâmia Bomfim (Psol-SP).

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