Poucos pais querem saber o que há no DNA de seus bebês

Um novo estudo descobriu que as famílias estão preocupadas com sua privacidade e a possibilidade de resultados negativos ou simplesmente não estão interessadas.

Marc Debnam / Getty Images

Os pais estão muito menos interessados em decodificar o DNA de seus bebês do que os cientistas pensavam, de acordo com um novo estudo.

Todos os anos, 4 milhões de recém-nascidos nos EUA fazem testes de sangue para descobrir possíveis falhas genéticas relacionadas a doenças raras. Os testes mais recentes — conhecidos como genoma completo ou sequenciamento completo do exoma — podem dar muito mais informações sobre centenas ou até mesmo milhares de genes.

Os preços destes testes estão barateando, mas continuam caros, custando cerca de 1.000 dólares por pessoa nos EUA. Em 2013, parecia que a demanda por esses exames seria imensa: um levantamento com 514 pais de Boston (EUA) havia revelado que mais de 80% diziam estar "extremamente", "muito" ou "um pouco" interessados na ideia.

No entanto, dois anos depois, quando esses mesmos pais foram convidados para, de fato, participar de um programa de sequenciamento genético, apenas 7% se inscreveram. Isso de acordo com o novo e inédito estudo, apelidado de "BabySeq", apresentado na última quarta-feira (19) no encontro da Sociedade Americana de Genética Humana em Vancouver, no Canadá.

A enorme taxa de desistência provavelmente se deve à falta de interesse e a preocupações das famílias em descobrir informações desagradáveis. Esses medos não são irracionais. Por exemplo, um dos bebês inscritos no estudo testou positivo para uma mutação no gene BRCA2, que está associado ao aumento do risco de câncer de mama e de ovário. A mutação tinha sido passada pela mãe do bebê, que, então, recebeu a inesperada notícia de que ela também tinha a mutação.

Embora o estudo ainda esteja em andamento, seus primeiros resultados sugerem que deve demorar até que o sequenciamento genético de recém-nascidos se tornem rotina.

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Wikimedia / Via commons.wikimedia.org

Robert Green

Robert Green, geneticista do Brigham and Women’s Hospital, em Boston, e um dos líderes do estudo BabySeq, acredita que a genômica acabará sendo integrada em todos os aspectos da assistência médica. Mas não agora. "Neste momento, deveríamos estar utilizando sequenciamento com recém-nascidos? Eu realmente não sei", disse Green ao BuzzFeed News.

A equipe de Green convidou as famílias de 345 bebês que estavam na unidade de terapia intensiva e 2.062 recém-nascidos saudáveis para participar do projeto de sequenciamento. A grande maioria não passou para a etapa seguinte de ver um conselheiro genético, com metade citando dificuldades logísticas. Esses pais provavelmente estavam (compreensivelmente) relutantes em fazer visitas de acompanhamento ao hospital, disse Green.

No entanto, dezenas de pais também desistiram após a reunião com o conselheiro genético. Cerca de 26% desse grupo citou preocupações com confidencialidade e privacidade dos dados, 26% estavam preocupados com resultados desfavoráveis ou incertos e 17% temiam a discriminação de planos de saúde. Mesmo entre os bebês em cuidados intensivos — cujos pais, supostamente, estariam mais motivados a saber os riscos genéticos de seus bebês— a taxa de inscrição foi de apenas 7%, a mesmo do grupo de bebês saudáveis.

"Fiquei surpreso", disse Green. Entre o que pode ter influenciado a decisão dos pais, disse o médico, está o estresse de participar de um projeto de pesquisa cujo resultado pode não ter relevância para a família e a vida sobrecarregada de ter um filho pequeno.

Como este tipo de projeto não havia sido feito antes, Green disse que seu grupo se sentiu obrigado a dizer aos pais sobre cada dano potencial, mesmo correndo o risco de exagerar alguns deles. Assim, ele não ficou completamente surpreso com as baixas taxas de inscrição.

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Photodisc / Getty Images

Cerca de 50 famílias até agora receberam os resultados do sequenciamento genético de seus bebês (o estudo cobriu os custos dos exames; não se sabe se as pessoas estariam dispostas ou se poderiam pagar por um teste na vida real). Mutações perigosas ou "provavelmente" perigosas ligadas a doenças cardíacas apareceram em três bebês e uma deficiência de vitamina em um outro bebê. Ainda assim, essas variantes genéticas não são garantias de doença, especialmente por aparecerem em crianças saudáveis e sem sintomas.

Laura Hercher, conselheira genética que leciona no Sarah Lawrence College e não esteve envolvida no BabySeq, disse ao BuzzFeed News que ficou chocada com o número de pessoas que se inscreveram. "Estes números são pequenos", disse.

Os resultados indicam que os pais estão mudando de ideia depois de ler os detalhes dos documentos de "consentimento informado", que são necessários em estudos humanos e explicam as possíveis consequências e benefícios da participação.

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"Se não tivéssemos contado à mãe, ela não ficaria ciente de seu próprio risco de desenvolver câncer de mama e de ovário"

Alguns dos resultados dos testes já inspiraram medidas preventivas. O bebê com a deficiência de vitamina ligada às mutações, por exemplo, agora está tomando um suplemento dietético como precaução, disse Green. E o bebê com a mutação no BRCA2 levou os pesquisadores a repensar parte de seu estudo. Originalmente, eles tinham planejado revelar apenas variantes ligadas a doenças infantis. Isso não inclui o BRCA2, uma vez que câncer de mama e de ovário ocorrem na idade adulta.

No entanto, como essa informação significa que a mãe também estava em perigo — uma descoberta "rara", embora não sem precedentes — eles decidiram divulgá-la, disse Green.

"Se não tivéssemos contado à mãe, estaríamos com uma descoberta da qual ela nem mesmo estaria ciente — de seu próprio risco de câncer de mama e de ovário", disse Green. A mãe ficou "grata" por ser informada, ele disse, e os pesquisadores agora estão ajustando as regras do estudo para permitir situações semelhantes no futuro.

O projeto levanta outro dilema ético sobre sequenciamento genético: O desejo de um pai descobrir o DNA de seu filho deve sobrepor a liberdade de seu filho fazê-lo por conta própria?

Essa é uma pergunta que famílias, bioeticistas e cientistas debaterão nos próximos anos, disse Misha Angrist, professor adjunto da Universidade Duke especializado em política científica. "Algumas pessoas dirão: 'Quando minha filha completar 18 anos ela pode decidir por si mesma'", disse ele. Mas outros dirão que isso é como obter uma informação médica de um ultrassom. "Depende da visão que cada um tem da paternidade."

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