Por que o Brasil só ganha 1 medalha a cada 17 que disputa?

A raridade pra chegar ao pódio tem algumas explicações.

Reprodução / Globo

Qualquer um que estava assistindo os 3.000m com obstáculos na noite desta quinta, 29, teve o coração dilacerado. Entre 45 competidores, o brasileiro Altobeli da Silva pegou o 27º lugar e ficou fora da final. 

Mas o que destruiu não foi a posição do atleta no ranking, mas a entrevista que ele deu ao SporTV, ainda dentro do estádio.

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A real é que o Brasil ainda deve perder bastante em Tóquio.

Ricardo Bufolin/CBG

E isso não é nem pessimismo - queríamos nós que a alfândega não soubesse lidar com tanto ouro vindo do Japão - mas é estatística mesmo. 

A Gracenote, empresa de análise de dados sobre entretenimento da gigante Nielsen, colocou seus algoritmos para funcionar e adivinhar quantas medalhas cada país deve levar. O resultado apontou que o Brasil tende a ganhar 24 medalhas entre as 203 chances de subir ao pódio. Um aproveitamento de 11%.

A previsão, na real, é otimista. Na Olimpíada passada, o Brasil arrematou 19 medalhas (nosso recorde até agora), enquanto disputava 306 medalhas. Na prática, a cada 17 medalhas que tentou, o time Brasileiro conseguiu uma.

Mas por que isso acontece? 

Foto: Breno Barros/rededoesporte.gov.br

O principal motivo, como quase tudo nessa vida, tem a ver com grana. 

Você, por exemplo, por que não garantiu uma medalha pra gente esse ano? Se você acreditar em dom, provavelmente responderá que não foi iluminado com o talento. Mas vai falar sobre habilidades divinas pra um atleta… todos te dirão que o que traz medalha é treino. E por que você não treinou? Por que precisava trampar, pra ganhar dinheiro, e não teria como se dedicar a um esporte? Pois bem. Essa é a realidade de um monte de gente em Tóquio também. 

O Globo Esporte apurou que dos nossos 309 atletas, 87 recebem a chamada Bolsa Pódio, verba do governo federal destinada a atletas de potencial olímpico. Os valores brilham os olhos: de 5 a 15 mil por mês - mas para você receber o valor máximo já tem que estar entre os três melhores do mundo em sua categoria. O foco é premiar, não preparar ou formar uma base. 

Hoje, num universo de 211 milhões habitantes há apenas 274 brasileiros que se qualificaram ao benefício. Proporcionalmente, seria menos do que três jogadores para cada uma das 97 confederações abraçadas pelo COB.

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Quem não está no seleto grupo, tem que se virar.

Foto: Breno Barros/rededoesporte.gov.br

61 dos atletas que estão nos representando em Tóquio recebem a Bolsa Olímpica. Um benefício R$ 3.100 - mas, mais uma vez, eles já têm que estar nas Olimpíadas para terem direito à verba,

Quem ainda não foi convocado, mas já conseguiu participar de uma campeonato internacional (cenário que era de 59 dos nossos atletas) pode se candidatar para a bolsa que disponibiliza R$ 1.850 mensais. 

Se você segue em disputas nacionais, tem que se contentar com menos de um salário mínimo: R$ 945 - o que rolou com 24 dos nossos atletas olímpicos desta edição. 

Isso tudo significa que se você já não se consagrou como um atleta de elite, dificilmente conseguirá se sustentar pelo esporte até virar um. 

A história piora quando vemos que 131 dos nossos representantes (5 a cada 10 dos atletas brasileiros na Olimpíada) não têm patrocínio. 

41 atletas olímpicos brasileiros tiveram que fazer vaquinha pra conseguir se manter no esporte. 

33 dependem de uma outra profissão pra pagar as contas no fim do mês. 5 deles são entregadores de aplicativo. 

Como que se cobra a medalha de uma pessoa que, para sobreviver, depende do seu joinha no iFood? 

A história piora: ano passado, o edital para que novos atletas pudessem se inscrever nas bolsas não foi nem aberto. 

O problema da grana, aliás, não pára só no dinheiro que vai direto para o bolso dos atletas. 

Palácio do Planalto / Flickr

O primeiro Ciclo Olímpico do governo Bolsonaro (entre 2017 e 2020) destinou ao esporte R$ 2,8 bi. O que, claro, é muito dinheiro, mas representa um corte de R$ 350 milhões, se comparado com o anterior. E, vale ressaltar, nessa conta, não entra a grana usada para construir infraestrutura da Olimpíada no Rio. 

O Comitê Olímpico Brasileiro sentiu bem o corte. O órgão recebeu uma redução de 47% no orçamento.

Não só. Vale lembrar que Bolsonaro também eliminou o ministério do Esporte, ao assumir. Há dois anos e meio não temos nenhuma pessoa com poder ministerial pensando em como melhorar a vida - e os resultados - dos atletas.

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A educação também é outro ponto.

Wikimedia Commons

Em geral, potências olímpicas investem na formação de atletas, para desempenharem um papel legal na competição. 

O Reino Unido, por exemplo, sacou que medalha se conquista a partir da escola. Em oito anos passaram de 30 medalhas olímpicas para 65, quando jogaram em casa.

O resultado foi tão bom que, em 2013 (um ano depois dos jogos de Londres) o governo britânico passou a investir £150 milhões anualmente só na educação física do ensino primário. 

Aqui? Em 2015, um ano antes da Olimpíada do Rio, 60% das escolas públicas brasileiras não tinham uma quadra sequer. Passamos de 17 pra 19 medalhas nos 8 anos pré-jogos. 

Nós competimos contra britânicos.

Enquanto nos EUA, por exemplo, há uma cultura esportista do ensino básico à universidade, aqui 32% dos professores de educação física usam o próprio material por falta de recursos das escolas.

Nós competimos contra americanos.

Não é à toa que as medalhas são escassas.

Reprodução / Internet

Os atletas brasileiros, no fim, não competem contra outros esportistas. É mais difícil ganhar uma medalha, quando você está se degladiando com outras infraestruturas, outros programas de governo e outras estabilidades. 

Suas barreiras são outras, é por isso, Altobeli, que os caras não erram uma prova.

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