Por que a decisão da igreja dos mórmons de permitir que suas funcionárias usem calças é importante

Além disso, as mulheres que trabalham na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias nos EUA passaram a ter direito a uma licença-maternidade de seis semanas.

George Frey / AFP / Getty Images

Na última semana, a igreja dos mórmons divulgou uma série de novas diretrizes para seus funcionários, algumas especialmente para as mulheres. Segundo observadores, tratam-se de mais alguns passos na sutil, porém persistente, evolução da religião em direção à maior igualdade de gênero.

As novas diretrizes foram delineadas em um memorando enviado aos funcionários pela instituição na última quarta-feira (28 de junho) e ao qual o BuzzFeed News teve acesso. A mudança mais significativa é em relação às mulheres que trabalham na igreja nos EUA, que agora têm direito a uma licença remunerada de seis semanas após darem à luz. E tanto o pais quanto mães também terão direito a uma semana de licença remunerada "para criarem laços com seus filhos recém-nascidos ou recém-adotados".

Talvez um dos pontos mais interessantes foi o anúncio de que agora as funcionárias da igreja poderão usar calças para trabalhar — em vez de saias e vestidos, como há muito tempo vinha sendo exigido. O novo código de vestimenta também permite que os homens usem camisas sociais de outras cores, em vez de somente o branco, e que eles também possam tirar o terno quando estiver muito quente.

O porta-voz da igreja, Doug Andersem, disse ao BuzzFeed News que "milhares de funcionários de tempo integral serão beneficiados pelas novas políticas". Os funcionários mencionados são principalmente aqueles que trabalham nos EUA, apesar de o novo código de vestimenta também abranger alguns funcionários em outros países.

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"Eu acredito que algumas das mudanças pelas quais a igreja tem passado na última década visaram moderar a crítica feminista."

Apesar de as mudanças parecerem pequenas, os mórmons mais progressistas as celebraram como um sinal de uma tendência maior para que mulheres possam assumir papéis mais importantes na igreja.

Libby Boss, blogueira mórmon de Massachusetts, na Califórnia (EUA), que escreve para o site Exponent II, disse ao BuzzFeed que os grupos de mórmons feministas no Facebook "quase surtaram com notícia".

"Esse é um grande passo, e estou orgulhosa", disse Boss. "Mas, ainda assim, gostaria que isso tivesse acontecido há 30 anos."

Essas mudanças nas políticas da igreja são parte de uma tendência recente, que inclui o movimento Ordene as Mulheres (Ordain Women). O grupo tem lutado pela ordenação de mulheres para o ministério laico da igreja e conseguiu, no ano passado, a permissão para que mulheres em missão em certas partes do mundo pudessem vestir calças.

Essa nova "política de uso de calças", segundo Boss, é uma resposta direta ao movimento com um toque feminista que estampou a capa dos jornais há alguns anos, o "wear pants to church day", ou o dia de ir de calças para a igreja.

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Jim Urquhart / Reuters

Membros do movimento Ordene as Mulheres tentam participar de reunião dominada por homens na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, na cidade americana de Salt Lake City, em 2014.

Quando perguntado sobre o que levou à implantação dessas novas políticas, Anderson, o porta-voz da igreja, respondeu que essas mudanças são "um reflexo dos esforços em reforçar que os importantes ensinamentos sobre a família são centrais para o nosso destino eterno."

"Estou certo de que houve pedidos para mudarmos as normas de trabalho – como acontece em qualquer organização – mas eu não acredito que essa tenha sido a razão principal," disse Anderson, por e-mail. "É muito simples – estamos oferecendo novas opções aos funcionários."

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"Os próprios membros têm uma visão um pouco mais progressista do que a hierarquia da igreja."

No entanto, Margaret Toscano também vê as mudanças nas políticas como parte de algo maior. Toscano ensina sobre cultura e religião ao redor do mundo na Universidade de Utah e foi excluída da Igreja dos Santos dos Últimos Dias em 2000, apesar de ter dito ao BuzzFeed News que ela ainda se considera membro do movimento mórmon.

Ela disse ainda que as novas licenças e as mudanças no código de vestimenta se enquadram em uma história de como as mulheres mórmons estão ganhando influência. Em 2013, por exemplo, uma mulher foi responsável por oferecer a prece na conferência mundial da igreja, e em 2015 muitas mulheres foram indicadas para os conselhos de liderança da igreja, anteriormente compostos apenas por homens.

"Foram concessões dos líderes, que reconheceram que, se não responderem às necessidades das mulheres, vão acabar fazendo com que as pessoas abandonem a igreja," disse Toscano.

Uma tendência progressista dentro do mormonismo tem tomado forma desde 1970, apesar de ela "avançar quatro passos, recuar mais três, para depois avançar mais cinco", disse Toscano. Significativamente, a maioria das mudanças durante os anos foi promovida por ações por parte de fiéis que queriam mudança.

"Os próprios membros têm uma visão um pouco mais progressista do que a hierarquia da igreja," disse Toscano. "Pelo que eu percebo, existe certa tensão e negociações em andamento."

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Hoberman Collection / Getty Images

A Praça do Templo, em Salt Lake City, EUA, onde muitos funcionários da igreja dos Santos dos Últimos Dias trabalham.

Taylor Petrey, mórmon que é professor no Kalamazoo College e estudou o feminismo mórmon, vê as novas políticas como uma resposta aos membros que lutam por mudanças.

"Eu acredito que algumas das mudanças pelas quais a igreja tem passado na última década visaram moderar a crítica feminista", disse ao BuzzFeed News. "Na minha opinião, isso é parte de uma mudança para um posicionamento moderado com relação às questões femininas."

Essa é uma mudança que pode repercutir muito na cultura americana. O mormonismo tem atraído os holofotes nos últimos anos, por vários motivos, desde as aspirações presidenciais de Mitt Romney, até o musical The Book of Mormon (O Livro De Mórmon) e a resposta bem-humorada da igreja dos Santos dos Últimos Dias a ele. Para uma religião relativamente pequena, baseada em um Estado com uma população relativamente pequena, os mórmons têm chamado bastante atenção.

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Jim Urquhart / Reuters

O Coro do Tabernáculo Mórmon em Salt Lake City, EUA, em 3 de outubro de 2015.

Mas é claro que o mormonismo permanece, como um todo, uma cultura conservadora. E muitos mórmons certamente não esperam, ou anseiam, pelo que Boss descreveu como uma série de "ações progressistas". Além disso, já houve períodos de retrocesso na história da igreja, contrários a períodos de progresso, como durante o período de Ezra Taft Benson como líder da igreja, nos anos 80 e início dos anos 90.

Ainda assim, dada a proeminência da religião nos Estados Unidos, mesmo uma pequena mudança pode dar origem a mudanças ainda maiores na cultura de todos os EUA.

Nesse meio tempo, no entanto, os mórmons mais progressistas estão celebrando o fato de estarem vivendo essas mudanças. Boss está entre eles. "Minha avó trabalhou na Brigham Young University e recebia apenas uma fração do que seus colegas recebiam," disse. "E ela se ressentiu com isso até o dia em que morreu."


Este post foi traduzido do inglês.

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