O príncipe Philip, de “The Crown", mostra o inconformismo de muitos homens frente a uma mulher de sucesso

No drama histórico da Netflix, a tensa relação entre ele e a rainha Elizabeth é, às vezes, muito familiar.

Alex Bailey / Netflix

A Rainha.

No último episódio da série "The Crown", da Netflix, a rainha Elizabeth (Claire Foy) pede ao seu marido, o príncipe Philip (Matt Smith), que vá representá-la na Austrália durante a abertura dos Jogos Olímpicos de 1956. Ele faz birra e diz que não, não irá. Elizabeth então implora: "Por favor, Philip, todos só queremos que você seja feliz". Mais tarde, quando Philip está dançando com a rainha-mãe (Victoria Hamilton) em uma festa, ela também o encoraja a ir. Quando ele protesta, ela murmura: "Você tem mais liberdade do que qualquer outro consorte na história e retribui isso fazendo cara feia e fugindo das suas obrigações".

De fato, Philip passou boa parte dos 10 episódios dessa temporada "fazendo cara feia e fugindo das suas obrigações", como disse a rainha-mãe. E não fica claro se devemos simpatizar com Philip — que tem sua carreira naval e vida relativamente tranquila em Malta interrompidas quando Elizabeth se torna rainha muito antes do que todos esperavam — ou se devemos nos irritar com ele. Smith claramente acha o personagem simpático. O ator disse recentemente em uma entrevista ao site Refinery29: "Ele é um astro do rock. Um rebelde. Ele é gentil, espirituoso, legal. É o tipo de cara que se destaca em um grupo, que fala tudo e acaba dizendo coisas que não deveria". E, talvez o mais surpreendente, foi que Foy concordou: "Não acho que ninguém vai achar Phillip um babaca depois de assistir à série."

Mas, quer você tenha ou não essa opinião, é difícil assistir a "The Crown" sem achar que o casamento da rainha é uma metáfora para todos os relacionamentos entre uma mulher bem-sucedida e um homem que não consegue lidar com esse sucesso. E, apesar de parte da tensão entre os personagens poder ser atribuída ao modo como o relacionamento deles desafiou as normas de gênero da década de 1950, também é deprimente perceber o quanto as coisas não mudaram. Nos dias de hoje, ao analisarmos esse relacionamento — de destaque e aos olhos de todos — é importante nos perguntarmos o quanto realmente progredimos no que diz respeito aos conflitos entre mulheres poderosas e os homens que (fingem?) apoiá-las.

Também é duro assistir ao desenrolar do relacionamento de Philip e Elizabeth tendo em vista o atual cenário político. Será que o que sentimos por Philip seria diferente se Hillary Clinton tivesse vencido a eleição nos Estados Unidos? Em um artigo do site Daily Beast publicado antes da eleição, Kevin Fallon escreveu: "Sem dúvida, é emocionante assistir à ascensão de uma das figuras femininas mais notáveis da história moderna numa época em que, dias depois da estreia de 'The Crown' na Netflix, os Estados Unidos podem eleger sua primeira mulher presidente". Infelizmente, não foi dessa vez.

Nos primeiros minutos do primeiro episódio, que se passa em 1947, o Rei George VI (Jared Harris) tosse sangue em um banheiro no Palácio de Buckingham. Na cena seguinte, Philip renuncia à sua cidadania grega (ele era neto do rei grego exilado) e adota a cidadania britânica para poder casar com Elizabeth. Nesse momento, já fica implícito que Philip está se sacrificando pela mulher que ama. Porém, é difícil não encontrar um pouco de cinismo na decisão de casar com Elizabeth. "Meus parabéns", diz seu tio Lorde Louis "Dickie" Mountbatten (Greg Wise) reservadamente para ele após a cerimônia de naturalização -- e aqui podemos perceber que Philip casou também para recuperar o nome de sua própria família.

Em 1952, o Rei George VI morre, e Elizabeth assume o trono com 25 anos de idade.

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Alex Bailey / Netflix

O Príncipe Philip ajoelhando-se diante da Rainha Elizabeth em sua coroação.

Logo Philip mostra-se ameaçado pelo rumo dos acontecimentos. Ele irrita-se porque o casal terá de se mudar de Clarence House, que ele havia acabado de redecorar (mesmo tendo reclamado que tal tarefa era emasculante), para o Palácio de Buckingham. Ele fica furioso porque o sobrenome deles (e o que será adotado pelos seus filhos) passará a ser Windsor — o sobrenome de Elizabeth —, em vez de Mountbatten (na vida real, Philip reclamou por ser "o único homem neste país que não pode dar seu nome aos seus filhos. Eu sou praticamente uma ameba"). E quando Elizabeth pede a ele que faça parte do comitê de coroação (apenas para lhe dar a sensação de que está no controle de algo), o príncipe só concorda sob a condição de ter total controle da cerimônia, usurpando o papel que tradicionalmente cabia ao Duque de Norfolk. E ainda tem um acesso de raiva quando Elizabeth lhe diz que o príncipe deve se ajoelhar diante da rainha durante a coroação.

Mas você não sabia no que estava se metendo? é a pergunta lógica que provavelmente alguém fez a Philip. Aparentemente, a resposta é não. Obviamente nenhum dos dois esperava que Elizabeth fosse se tornar rainha tão cedo. Se ela tivesse passado mais tempo como princesa, talvez ele tivesse conseguido desenvolver melhor uma identidade pública para si (sem falar de uma carreira), em vez de ser forçado a se limitar ao papel rigorosamente delimitado de consorte. E, ao longo da temporada, vemos o quão estressante é o relacionamento para Elizabeth, que se vê frequentemente dividida entre o dever para com a coroa e o dever para com seu marido. Era uma posição muito pouco comum para uma mulher — seu "trabalho" era uma das funções mais importantes do país, mas na época esperava-se que uma mulher com um posto mais banal (mesmo que fizesse parte da realeza) deveria atender aos desejos do seu marido.

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Alex Bailey / Netflix

O Príncipe Philip no Quênia.

Essas circunstâncias históricas não tornam menos embaraçoso ver Elizabeth tentando se desculpar pela imaturidade de Philip. Quando eles viajam ao Quênia, ele "elogia", sarcasticamente, o chapéu do líder da tribo dos Masai. "É uma coroa", corrige Elizabeth, reprimindo-o. De fato, a vida pública do verdadeiro príncipe Philip é repleta de gafes racistas como essa. Algumas até piores. Em 1965, ele disse que a arte etíope era "o tipo de coisa que minha filha faria em uma de suas aulas de arte na escola". Durante uma viagem à China, em 1986, ele disse a estudantes britânicos de intercâmbio que se passassem mais tempo no país ficariam com "os olhos puxados". E recentemente, em 2009, ele perguntou a um grupo de dançarinos negros que havia se apresentado no evento Royal Variety Performance se eram todos "da mesma família".

É difícil olhar para o comportamento de Philip e não pensar no modo como homens e mulheres são diferentemente tratados quando ocupam a posição de cônjuge dominante na relação. E, infelizmente, as coisas não mudaram muito. Mesmo nos dias de hoje, pede-se ou espera-se que as mulheres optem entre o sucesso no trabalho ou no relacionamento, porque aparentemente é impossível que um companheiro fique em segundo plano diante dos avanços profissionais de uma mulher. Estudos mostram que há um aumento no índice de divórcios quando uma mulher ganha mais do que o seu marido. Mulheres que ganham mais do que os maridos na verdade acabam realizando mais tarefas domésticas do que as mulheres que ganham menos — como se se sentissem forçadas a compensar pelo "desequilíbrio" que causaram ao casamento.

"The Crown" se vende como um escapismo reconfortante e belíssimo. Permite que o público sonhe com o belo passado distante. Não é violento ou assustador. Na verdade, suas tensões e conflitos — apesar dos altos riscos envolvidos — são quase maçantes. Porém, aqui estamos vendo mais uma vez outro homem fazendo birra por que não consegue lidar com a ideia de sua própria falta de importância. Pelo menos, por essa ótica, o príncipe Philip era um homem à frente de seu tempo.

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Este post foi traduzido do inglês.

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