O impeachment de Dilma e o que vem pela frente

Em primeiro discurso, Temer volta a prometer mudanças nas leis trabalhistas e na previdência.

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Depois de sete dias de julgamento, o Senado decidiu por 61 votos a 20 cassar o mandato de Dilma Rousseff (PT).

Com isso, Michel Temer (PMDB), que vem substituindo a petista desde seu afastamento em maio, assume definitivamente a Presidência da República até janeiro de 2018. A posse dele será às 16h desta quarta, no Senado.

É a segunda vez que o Congresso brasileiro interrompe um mandato de um presidente pela via do impeachment. O primeiro foi Fernando Collor em 1992.

Numa segunda votação (42 votos a 36), que rachou e abriu um foco de crise na base de Temer Dilma escapou de perder os seus direitos políticos por oito anos, com ajuda de Renan Calheiros.

A decisão de hoje é o epílogo de 13 anos da era do PT no governo e deve marcar um período de profundas mudanças políticas. O país vive uma depressão econômica, com encolhimento do PIB há dois anos e meio.

Dilma foi considerada culpada por cometer crime de responsabilidade por atrasar o pagamento do Tesouro a bancos públicos para financiar programas de governo –o que corresponde a tomar empréstimos e gastar sem autorização do Congresso. Isso ficou conhecido como "pedalada fiscal".

Dilma diz que foi vítima de um "golpe parlamentar".

O resultado do julgamento era, de certa maneira, previsível. Em maio, 55 senadores já haviam votado para afastá-la do cargo. No início deste mês, já havia 59 senadores manifestamente contrários a Dilma.

O ponto alto do julgamento foi a segunda-feira, quando a petista foi ao Senado para se defender. Durante 14 horas, Dilma respondeu a perguntas de 48 senadores, muitos claramente hostis a ela.

Mais do que tentar convencê-los a mudar o voto, Dilma discursou para defender a sua biografia e, sobretudo, visando enfatizar ao público internacional a tese do golpe parlamentar.

“Fui eleita presidenta por 54,5 milhões. O que está em jogo no processo de impeachment não é apenas o meu mandato. O que está em jogo é o respeito às urnas, à vontade do povo brasileiro e à Constituição”, defendeu-se, na segunda.

“Não respeito a eleição indireta, um processo de impeachment sem crime de responsabilidade”, disse. Ela deve se pronunciar ainda nesta quarta, em Brasília.

Temer deve viajar ainda nesta noite para a China, passando o cargo para o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Quando isso acontecer, 31 de agosto de 2016 será o dia que o Brasil teve três presidentes –uma afastada que virou ex, o interino que virou permanente e, finalmente, um em exercício, Maia, porque Temer partiu para viajar.

Posse de Temer foi curta, não teve faixas, nem discursos.

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Michel Temer tomou posse por volta das 16h50 em uma cerimônia presidida pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

A cerimônia lotou o plenário do Senado com políticos das duas Casas. A nova base aliada — formada tanto por ex-apoiadores do governo do PT quanto por veteranos que integravam a oposição desde a primeira posse de Lula, em 2003.

A cerimônia durou cerca de 15 minutos e não contou com discurso do presidente recém-empossado. Temer e os presentes passaram mais tempo no plenário antes da cerimônia do que durante o ato propriamente dito.

O peemedebista interagiu com os convidados, como o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski.

Momentos após o resultado final no Senado, o Palácio do Planalto divulgou pelo Twitter uma foto de Michel Temer assinando a notificação que oficializava a decisão. No registro, com parte da equipe do presidente recém-empossado, aparecem apenas homens.

"O golpe é misógino, homofóbico e racista", diz Dilma.

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Reprodução / Globo News

Em seu primeiro pronunciamento como ex-presidente, Dilma se disse vítima de um "golpe parlamentar" e de uma "farsa jurídica" que levou ao poder "um grupo de corruptos investigados".

Num tom determinado, Dilma disse que o "governo golpista" vai enfrentar uma oposição firme.

"Com a aprovação do meu afastamento definitivo, políticos que buscam desesperadamente escapar do braço da Justiça tomarão o poder unidos aos derrotados das últimas quatro eleições", disse.

"Não ascendem ao governo pelo voto direto, como eu e Lula fizemos. Foi por meio de um golpe de Estado".

Ela disse que 61 senadores substituíram 54,5 milhões de votos e que ela vai recorrer à Justiça: "Acabam de derrubar a primeira mulher eleita presidenta do Brasil".

Dilma acenou para minorias e adotou um tom fortemente feminista em seu pronunciamento: "O golpe é contra os movimentos sociais e sindicais, contra os que lutam por direitos trabalhistas [...], contra os que lutam pelos direitos dos indígenas, dos negros e da população LGBT, das mulheres"

"O golpe é misógino, homofóbico e racista. É a imposição da cultura de intolerância, do preconceito e da violência", disse a ex-presidente.

Ela invocou uma citação famosa do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), que era ministro do governo derrubado pelo golpe militar de 1964: "Não gostaria de estar no lugar dos que se julgam vencedores, a História será implacável com eles, como já o foi nas últimas décadas".

Ela também citou versos do poeta russo Maiakóvski (1893-1930): "Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da História é agitado", disse.

No Alvorada, os apoiadores gritaram "Fora, Temer". Leia a íntegra do discurso.

Em resposta a Dilma, Temer diz que golpista é quem não segue a Constituição.

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Getty Images

O primeiro pronunciamento de Temer ocorreu em uma reunião ministerial, pouco depois da posse.

Ali, no Palácio do Planalto, ele falou do que seriam as bases dos 2 anos e 4 meses de mandato que herdou.

Sem mencionar Dilma, o peemedebista rebateu a retórica de golpe da antecessora. "Vamos contestar o termo golpista. Golpistas quem propõe a ruptura constitucional. Não vamos levar ofensa para casa", disse.

"Se falar [golpista], nós respondemos. Se não, eles vão tentar nos desvalorizar", estrilou.

Temer reconheceu que, no plano internacional, os petistas conseguiram colar a imagem de golpe no processo de impeachment.

Ele criticou a votação que manteve os direitos políticos de Dilma Rousseff por ter criado problemas na sua base. Para Temer, a perda de direitos políticos está prevista na Constituição.

"Não é uma ação entre amigos, nem ação contra inimigos. Não haverá caça às bruxas", disse Temer.

O presidente também criticou o modo como o PT governava o país. Ao lembrar que os ministros são indicados de partidos, Temer afirmou que seu partido não quer excluir os parceiros da nova coalizão governista das decisões estratégicas do governo.

"Não é um partido único que está no poder e despreza os demais", afirmou.

Como foi o último dia de julgamento no Senado

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TV Justiça / Reprodução

A primeira a falar foi a senadora Ana Amélia (PP-RS), favorável ao impeachment. "Votamos e encaminhamos voto 'sim' pelo afastamento definitivo da senhora presidente Dilma Rousseff", afirmou a parlamentar.

Em seguida, Lindbergh Farias (PT-RJ) subiu o tom: "Isso aqui é uma farsa, farsa, farsa!", gritou o senador. Segundo ele, há dois tipos de senadores: os que votarão contra o impeachment "e os outros, que também sabem que não houve crime de responsabilidade, mas estão votando a favor do impeachment". Por fim, o petista finalizou: "Do lado da democracia, nós vamos votar contra".

Lindbergh foi seguido por outra defensora de Dilma, a senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM). Ela já dava o jogo como perdido: "A maioria vai cassar uma presidente inocente", afirmou. "Vamos hoje fazer justiça, vamos votar 'não' nesse processo indigno, que chamam de impeachment mas é golpe."

O senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) disse que o impeachment serve para punir quem tratou o orçamento federal como 'peça de ficção'. Ele rebateu Lindbergh, dizendo que "canalhas foram aqueles que assaltaram a Petrobras" e deixaram 12 milhões de desempregados.Caiado pediu o voto pelo impeachment em nome das pessoas que foram às ruas, com um grito anti-PT "atravessado na garganta".

Outro petista, Humberto Costa (PT-PE), falou após Caiado. “Hoje eu entendo que é um dia triste para o nosso país, porque o Senado pode cometer um grave erro para a nossa democracia”, ele disse. “Alguma coisa está errada com o nosso sistema político.”

Empossado, Temer prometeu combate ao desemprego e mudanças nas leis trabalhistas e previdenciárias.

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Com o resultado, o vice Michel Temer assume definitivamente a Presidência. Temer é o terceiro político do centrista PMDB a se tornar presidente desde o fim da ditadura militar (1964-1985) sem ser eleito para o cargo.

Os outros dois também eram vices que assumiram o poder por morte do titular e por impeachment em 1992. Temer, um advogado constitucionalista que fez carreira política no parlamento, vai cumprir o atual mandato até 2018.

O PMDB de Temer foi o principal sócio do PT de Dilma no esquema bilionário de propinas na Petrobras. Temer foi citado em conversas de um empresário que foi preso por pagar propina, mas ele não existem indícios de que tenha cometido crime.

Nos seus três meses de interinidade, três ministros escolhidos por Temer caíram sob suspeitas de corrupção ou de tentar atrapalhar as investigações da Operação Lava Jato, que apura um desvio de R$ 6,3 bilhões (US$ 1,95 bilhão) da Petrobras.

A chegada de Temer ao poder marca também uma profunda mudança política no Brasil.

Embora tenha sido companheiro de chapa de uma economista de esquerda, o novo presidente é considerado bem mais à direita em economia e já se manifestou a favor de um novo programa de privatizações para reduzir o tamanho do Estado.

No pronunciamento aos ministros desta quarta, Temer focou a sua fala em combater o desemprego: "A partir do momento que nós e a nossa política gerar emprego, isso vai tirando o amargor".

O presidente voltou a reafirmar promessas caras ao mercado financeiro, como a criação de um teto de gastos para o governo federal e as reformas da previdência e das leis trabalhistas.

Temer disse que vai encomendar uma campanha para "explicar" à população a necessidade de mudar o atual sistema previdenciário.

Sobre a mudança das leis trabalhistas, o presidente recorreu a um jogo de palavras: "Nós não vamos falar em reforma trabalhista, mas em adequação da relação empregado-empregador".

Desde que Dilma foi afastada interinamente em maio, há um surto de otimismo nos mercados. O Ibovespa, índice que mede o volume de negócios no mercado de ações na Bolsa de São Paulo, cresceu mais de 10%.

No plano internacional, o interino já tomou medidas concretas para se afastar de antigos parceiros do Brasil da era PT. Nesta quarta, após o resultado da votação, a Venezuela de Nicolas Maduro e o Equador de Rafael Correa chamaram seus embaixadores de volta.

Além da polarização entre direita e esquerda com manifestações de rua, Temer assumiu um país com a economia no buraco: a economia do país tem encolhido nos últimos seis trimestres, formando a maior recessão da história. Há 12 milhões de desempregados no Brasil.

Impeachment é o fim da era PT no poder.

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A cassação de Dilma Rousseff foi o fim de uma era de 13 anos em que o Brasil foi governado pela esquerda.

A hegemonia do Partido dos Trabalhadores começou em 2003 com a posse do ex-operário Luiz Inácio Lula da Silva, que foi reeleito para o cargo.

Durante os anos Lula, o país viveu um período de crescimento econômico impulsionado pelos altos preços da commodities internacionais –o que possibilitou a ascensão de cerca de 27 milhões de pessoas à classe média.

Neste período, o governo federal também massificou programas sociais de distribuição de renda, como o Bolsa-Família. Ao mesmo tempo, o PT foi abalado pelo escândalo do mensalão, um esquema de compra de votos no Congresso Nacional, descoberto em 2005, e que levou à prisão a cúpula do partido.

Lula escapou ileso e conseguiu se reeleger em 2006.

Quando a economia mundial foi para as cordas na crise de 2008, o Brasil adotou medidas de estímulo de consumo e voltou a crescer rapidamente. Em 2010, último ano de Lula no poder, o PIB do Brasil cresceu 7,5%.

Com a economia funcionando bem, Lula escolheu uma tecnocrata que nunca tinha disputado uma eleição para sucedê-lo.

Apesar do pouco carisma em relação a seu padrinho político, a ex-ministra da Casa Civil Dilma Rousseff tinha fama de boa gerente e foi a primeira mulher presidente do Brasil.

No passado, Dilma integrou grupos guerrilheiros de esquerda e chegou a ser presa e torturada durante a ditadura brasileira (1964-1985). Após a luta armada, Dilma formou-se em economia e construiu uma carreira como tecnocrata.

Dilma conseguiu ser reeleita em 2014, mas seu governo foi derretendo por causa de três fatores: 1) o Brasil entrou na pior recessão desde 1930; 2) o avanço das investigações da Operação Lava Jato sobre um desvio de bilhões de reais na Petrobras, a estatal do petróleo; e 3) a erosão do seu apoio político no Congresso.

À medida que as investigações avançavam, Dilma tornou-se alvo de gigantescas manifestações de rua e perdia apoio no Congresso.

Em 2015, Eduardo Cunha –ele próprio suspeito de ter recebido milhões de reais em propinas por contratos na Petrobras– foi eleito presidente da Câmara dos Deputados e se tornou um forte antagonista de Dilma.

Foi Cunha, que é do mesmo partido do vice Michel Temer, em dezembro que deu início ao processo de impeachment de Dilma por alegadas irregularidades na contabilidade das contas públicas. O processo culminou na votação de hoje.

Cunha será julgado por ter mentido ao parlamento em setembro.

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