O dia em que a minha camiseta LGBT virou blasfêmia na TV aberta e gerou ódio nas redes sociais
Jesus Gay?
Nessa manhã, arrumando meu guarda-roupa, achei uma camiseta antiga, comprada durante uma viagem, escrita em francês, que fazia muito tempo que não usava e achava que nem me cabia mais. Nela está a frase "Je suis gay", que significa "Eu sou gay".
Arquivo pessoal
Teve quem preferiu ver polêmica onde não tem.
Descobri até que se afirmar gay é querer chamar atenção. Risos.
E mais explicações tiveram de ser dadas.
Preciso dizer que essa não é a primeira vez que essa camiseta causa polêmica. Mas, na época em que isso rolou, era um meme, de uma pessoa que pareceu extremamente equivocada apenas. Ri disso e segui a vida.
Reprodução/Internet
Isso foi parar em grupos de memes. E ingenuamente achei que seria um caso isolado.
Depois, eu problematizei. E explico: o comentário foi feito embaixo da seguinte manchete:
Sim, na época eu tinha recebido uma ameaça de morte. Recebi um e-mail de alguém afirmando que descarregaria um revólver 38 na minha cara por ser gay. Essa pessoa dizia saber todos os meus horários. Ela está presa hoje em dia por crimes diversos.
De repente, as pessoas pararam de se importar com o fato de haver uma ameaça de morte e rir de algo que ela gerou. Diz muito sobre os tempos atuais.
Nenhuma notícia publicada em jornal, site ou veiculada na TV sobre o assunto repercutiu tanto quanto esse meme.
Voltando ao dia de hoje. No ar, tive de traduzir palavra a palavra. Mas uma pulga ficou atrás da minha orelha. Uma não, várias.
Arquivo pessoal
1) Entendo que no Brasil a deseducação é um projeto político, mas quem é muito religioso provavelmente sabe como se escreve o nome de Jesus, certo?
2) E se a camiseta dissesse o que todo mundo pensa? Dissesse que Jesus é gay? Qual seria o problema? Em que momento a orientação dele é declarada na Bíblia? Gay não é xingamento. E nunca mais será.
Ninguém cancelou - e nem deveria - a Ariana Grande quando ela cantou que Deus é mulher. Da mesma maneira, não se deixou de ver o filme ou ler o livro "A Cabana" por causa disso.
Tive ainda de dar explicações para acalmar a turba das redes sociais em um segundo programa que fiz em seguida. De certa maneira, ao explicar o óbvio, parece que estou me desculpando por algo sobre o qual eu não tenho a mínima culpa. Reflexo do Brasil dos últimos anos. Talvez daqui a um tempo isso tudo pareça absurdo, mas, hoje, é a realidade.
Dentre as mensagens que recebi, muitas me criticavam dizendo que "me adoravam", mas que "não era pessoal". É bem pessoal. Ao criticar quem sou, ao falar da minha orientação, ao me criticar por exercer meu direito a me afirmar no mundo, acredite, você transforma isso em algo beeeem pessoal.
E vou seguir usando minha camiseta. Ela já está velhinha, mas agora me dá um orgulho danado ostentar ela.
Ah, e de novo: não, eu não devo desculpas a ninguém. ;)