No remake de "Renascer", Buba será mulher trans para ampliar diálogo sobre gênero

Gabriela Medeiros, que interpreta a personagem na nova versão da novela, e o autor Bruno Luperi conversaram com o BuzzFeed Brasil sobre as mudanças na trama.

Na versão original de "Renascer", exibida em 1993, a personagem Buba, interpretada pela então novata Maria Luísa Mendonça (foto), conquistou o público. Mas ela guardava um segredo ousado para a época: era intersexo, ou seja, tinha características sexuais que não se encaixam nas noções binárias típicas de corpos masculinos ou femininos. Na trama, diziam "hermafrodita", mas o termo caiu em desuso por ser considerado pejorativo. 

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Buba estará de volta, no remake da novela, atualmente em exibição. Na segunda fase, que começa em fevereiro, o personagem de Rodrigo Simas, Zé Venâncio, está com o casamento em crise e se envolve com Buba. Porém, a personagem agora é uma mulher trans. 

"A Buba é uma personagem muito delicada porque o arco dramático dela se transformou muito nesses 30 anos. As questões de gênero foram amplificadas, estão em constante desenvolvimento, hoje entendemos muito mais sobre isso", diz o autor Bruno Luperi, que está adaptando o texto original de Benedito Ruy Barbosa, em conversa com o BuzzFeed Brasil. 

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"Ela era uma personagem que falava com aquele tempo, em uma trama que mostrava o filho de um coronel, herdeiro de um histórico de patriarcado, que se relacionava com uma mulher que não era aceita pela sociedade daquele tempo. Essa questão se aprofundou tanto, que temos a possibilidade de discutir o assunto de forma muito mais abrangente e significativa, se ela for trazida para um outro espaço. Hoje a gente consegue dialogar com os dilemas internos da personagem, e com o patriarcado em si, e é uma maneira de cutucar o assunto, discutir se devemos levar isso adiante ou não. E essa discussão vem do contraste, com personagens em conflito. A dificuldade do filho do coronel em dialogar com o pai abre uma janela de discussão importante para a sociedade", ele reflete.

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A nova Buba é interpretada por Gabriela Medeiros, paulistana de 22 anos que já foi vista na série do Globoplay "Vicky e a Musa". 

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"A Buba tem muita profundidade emocional. Ela teve um histórico de vida difícil, que reflete também as minhas vivências pessoais. Quando peguei o roteiro, vi que esse papel iria transformar a minha vida. Não só de forma midiática, o que sei que vai acontecer, mas como mulher e como me posiciono nesse mundo", Gabriela conta, em entrevista para o BuzzFeed. "a personagem tem um cargo importante em uma multinacional, é psicóloga, e isso é ressignificar esses espaços. Pra mim é muito valioso, porque é através da ficção que trazemos novas narrativas e ampliamos horizontes e a visão das pessoas."

O autor explica a importância de ter uma atriz trans dando vida a uma personagem trans.

"É um assunto novo pra mim, distante do meu ponto de origem, fui me informar, ler, ver documentários, filmes e as críticas feitas depois, como o caso do Jared Leto, que foi premiado por interpretar uma mulher trans (no filme "Clube de Compra Dallas", de 2013) sendo um homem cis, e como a sociedade está sensível para isso, e tem a urgência de ver representadas outras dores e sofrimentos. A representatividade é uma necessidade de criar pontes, aproximar. Então virou premissa que a atriz fosse trans, e você encontra talento em todos os lugares.

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Apesar da mudança, a história da personagem, e os conflitos vivenciados por ela, serão os mesmos. "

"A Buba tem a possibilidade de discutir uma questão diferente da original, mas se mantendo dentro da obra que está edificada, sem atrapalhar o andamento da história. Ela agora tem mais camadas, traz novas discussões, intensifica essas relações. É uma decisão que parte da dramaturgia, atravessa uma questão sensível da sociedade, relevante de trazer para o horário nobre, porque quem não vive isso no dia a dia não se relaciona com o tema, além de trazer diversidade e inserir novos corpos."

"A original foi muito bem feita, se propôs a trazer uma discussão e terminou bem para aquele momento. A novela está no Globoplay, com a Buba como foi concebida, e agora temos a possibilidade de usá-la para discutir um tema que é urgente para os dias de hoje." 

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Para garantir autenticidade, Bruno conta com a consultoria de Maite Schneider, "porque não é meu lugar de fala, sou um autor e preciso ter a humildade de saber quando falo sobre algo que não entendo."

"A novela só começa na tela, porque a sociedade reverbera a realidade e os conflitos que são apresentados. Minha colaboração na adaptação de uma novela atemporal e universal é trazer as discussões para o nosso tempo. O que me move é entender no que podemos evoluir nesses sete meses de novela, e todo dia é um novo aprendizado", diz. "Quero viver bem e criar uma sociedade melhor para o meu filho, e a novela é um instrumento para fazer isso."

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