Mulheres se juntam a Shantal e relatam violência obstétrica de Renato Kalil

MP de SP pediu investigação contra médico.

Poucos dias depois de virem à tona áudios e vídeos em que a influenciadora Shantal, 32 anos, acusa o médico Renato Kalil de violência obstétrica durante o parto de Domenica, sua filha com Mateus Verdelho, nascida em setembro, ao menos outras três mulheres foram encorajadas e passaram a relatar abusos cometidos pelo obstetra e ginecologista.

Antes de ser vazado no último dia 11, o relato inicial feito por Shantal foi enviado a um grupo de mães. 

Na terça-feira (14), o Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais (CAOCrim) do Ministério Público de São Paulo pediu que que a conduta profissional de Kalil seja investigada. O Conselho Regional de Medicina de São Paulo também abriu investigação interna contra o médico.

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Nesta quarta-feira (15), o Globo ouviu denúncias de duas mulheres que teriam sido vítimas de abuso sexual por parte de Kalil ainda nos anos 90. A bancária Letícia Domingues contou que foi abusada mais de uma vez pelo médico na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em 1991. Outra mulher, que preferiu não ser identificada, contou que, quando Kalil era plantonista do Hospital São Luiz, também na capital paulista, ele exibiu o pênis a ela em uma consulta depois de um parto traumático, em 1993.

Reprodução/Youtube

"Abri os olhos e ele estava com uma perna na escadinha da cama e a outra apoiada em cima dos meus braços, e com o pênis na minha boca. Ele já tinha ejaculado no meu rosto. Não tinha como gritar, me mexer, estava me sentindo culpada. Minha cama ainda ficava atrás de uma porta. Quem entrasse não me veria. Outros médicos e seus alunos passavam, mas nunca com ele junto. Quando era ele, vinha para me violentar", relata Letícia, que só soube o nome do abusador por comentários que ouvia no corredor do hospital.

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A outra mulher, uma corretora que preferiu não ser identificada, contou que Kalil "descolou" sua "placenta com o dedo, para forçar o parto normal". "Foi a maior dor que senti na minha vida. Ele me disse que tinha de fazer parto normal, que eu ficaria bem e que no dia seguinte eu estaria chutando bola, andando, caminhando normal e foi totalmente ao contrário. Foi muito ruim", disse.

Reprodução/Youtube

O outro episódio ocorreu depois do parto, em uma consulta para revisão. "Quando cheguei ele foi logo mandando tirar a roupa. Fiquei sem graça e tentei me cobrir. Ele saiu e quando voltou estava com o pênis ereto e para fora da calça. Fiquei sem saber o que fazer, olhei pra ele com cara de ‘o que é isso?’, larguei tudo, pus a roupa e fui embora. Nunca mais o vi", diz.

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No caso de Shantal, além de ter ouvido xingamentos do obstetra durante o parto, a influenciadora relatou que Kalil expôs sua intimidade falando de sua vagina para terceiros. 

"Tem o vídeo dele rasgando com a mão, a bebê não estava nem com a cabeça lá, não tinha a menor necessidade, era só para eu ficar toda arrebentada e ele falar 'viu como precisava' (da episiotomia)", relata Shantal no áudio. "Ele chamou meu marido e falou: 'Olha aqui, toda arrebentada. Vou ter que dar um monte de pontos na perereca dela'. Ele falava de um jeito como 'olha aí, onde você faz sexo, tá tudo fodido'. Ele não tinha que fazer isso. Ele nem sabe se eu tenho tamanha intimidade com meu marido", diz.

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Na esteira da influenciadora, a jornalista britânica Samantha Pearson, correspondente no Brasil do jornal The Wall Street Journal, decidiu falar publicamente sobre as experiências que teve com o médico. No relato, feito ao Globo, a jornalista disse ter passado por episódios de assédio no parto do primeiro filho, em 2015, quando optou por não ser anestesiada, mas principalmente na gravidez de sua segunda filha, nascida em 2020.

Reprodução/Youtube

Ela conta que ouviu o médico dizer a seu marido, em tom de “brother”, que tinha "feito um ponto ali, que ele não ficasse preocupado, porque tava tudo bem".

O tal "ponto" a que as mulheres se referem é um procedimento cirúrgico conhecido como "ponto do marido" – nem preciso dizer o quão machista é isso, né? – que consiste em costuras para reparar o períneo (região entre o ânus e a vagina) após a realização do parto normal.

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"Ele falava da minha vagina como se eu não estivesse ali. Passei semanas chorando sozinha em casa, sem saber se ele tinha dado mais pontos do que o necessário, com medo de transar, de sentir dor. Fui a outros médicos para saber se isso podia ser checado, mas não podia. Foi horrível", lembra Samantha.

A jornalista relata que procurou o médico pela primeira vez por ter ouvido que ele era referência no País em parto natural.

Cinco anos depois, grávida da segunda filha, a jornalista ouviu do médico que deveria emagrecer para que não fosse traída pelo marido. "Hoje percebo que eu não era a gringa maluca, eu estava certa, nada daquilo era normal. Ele disse aquilo na frente de sua equipe, eu estava quase nua, totalmente exposta. Meu marido estava lá e sempre percebi que o que ele queria o tempo todo era agradar meu marido, como se eu, a paciente, não estivesse lá", relata.

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Também na terça-feira, pelo Instagram, a escritora Tati Bernardi relatou o episódio de machismo que viveu quando se consultou com Kalil. Ela também lamentou a violência sofrida pelas outras mulheres. "Ignorou o q eu falava e só falava dele mesmo. Expôs a própria mulher e outras pacientes em histórias que contou. Não quis me examinar pq a equipe dele fazia isso pra ele q era chique demais pra pré-natal (ainda bem q nunca colocou a mão em mim)", escreveu.

Em nota oficial enviada à imprensa, o médico Renato Kalil nega as acusações de violência obstétrica e afirma que nunca recebeu reclamações sobre sua postura de trabalho.

Reprodução/Youtube

"O Dr. Renato Kalil é médico obstetra ginecologista há 36 anos, sendo um dos médicos mais reconhecidos do Brasil. Ao longo de sua carreira, já efetuou mais de 10 mil partos, sem nenhuma reclamação ou incidente. O parto da Sra. Shantal aconteceu sem qualquer intercorrência e foi elogiado por ela em suas redes sociais durante trinta dias após o parto. Surpreendentemente, o Dr. Renato Kalil começou a receber, nos últimos dias, ataques com base em um vídeo editado, com conteúdo retirado de contexto. A íntegra do vídeo mostra que não há nenhuma irregularidade ou postura inapropriada durante o procedimento. Ataques à sua reputação serão objeto de providências jurídicas, com a análise do vídeo na íntegra", declara a nota.

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