Linguagem neutra não é um bicho de sete cabeças
Conversamos com uma linguista sobre essas propostas e com elus, não-binaries, sobre o tema.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) discutiu uma lei estadual de Rondônia, que proibiu a linguagem neutra em escolas. A norma foi considerada inconstitucional, pois caberia à União legislar sobre regras de ensino.
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No âmbito do governo federal, recentemente, algumas cerimônias de posses de ministros e secretários utilizaram a linguagem neutra.
Isso gerou um grande burburinho na internet: afinal, a linguagem neutra é considerada um erro de português? O que é essa linguagem?
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“A linguagem neutra tem vários nomes, na verdade, a gente tem linguagem não-binária, neolinguagem… É muito comum que as pessoas entendam como o neutralizar na língua as formas de gênero e não é exatamente isso,” explica a doutora em linguística Jana Viscardi.
Linguagem neutra é um conjunto de formas empregadas por diferentes grupos, variantes das formas já existentes da língua, que busca sair da dinâmica binária de gênero (feminino e masculino) presente na língua. O debate atual sobre o tema também não é apenas no Brasil.
"O mandarim tem um pronome que o som é o mesmo para o feminino e masculino, até o século passado, era apenas um na escrita também, mas com uma série de reflexões feministas, se adicionou mais um na escrita. Hoje, nós temos a discussão para a escrita no mandarim de um terceiro, o pronome não-binário", conta Viscardi.
Essa linguagem não é usada apenas para pessoas não-binárias, mas também para se referir a um grupo diverso de pessoas, de forma genérica. No português, o mais comum é usarmos o masculino genérico - e esse debate não é nada novo.
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“Quando a gente olha para as reflexões feministas sobre a linguagem, a gente já tem, na década de 60, 70, uma série de linguistas feministas e pesquisadoras que passam a fazer o uso do feminino genérico ao invés do masculino. Isso é interessante para pensar que a língua tem a ver com relações de poder, não apenas a fala,” explica.
Palavras como "planeta" já pertenceram ao gênero feminino. É o que mostra o estudo "Arcaísmos Morfológicos na Toponímia de Portugal", da linguista Patrícia Carvalhinhos. Até ser sedimentado como "o planeta", a palavra já foi referida como "a planeta". Durante muito tempo, não houve consenso sobre ela.
Tataendy Ka’amuta Tupinambá é uma pessoa não-binária que utiliza o elu/delu como pronomes. Elu entende o gênero como sua forma de expressão e classifica sua descoberta sobre como "tardia".
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"Tanto eu, quando num geral, ninguém sabia desse tipo de identificação de gênero, as pessoas confundiam questões de identificação de gênero com as questões de sexualidade, e isso não necessariamente está ligado diretamente. Então esse processo de se entender enquanto uma pessoa não-binária foi tardio, só aconteceu há uns três anos", conta.