Joe Biden é o próximo presidente dos Estados Unidos

Biden ganhou um número histórico de votos e derrotou um presidente em exercício. Agora, ele precisará correr para enfrentar a COVID-19 e lidar com divisões políticas que Trump incentivou.

Publicado por Nidhi Prakash e Henry J. Gomez

Biden sorrindo e com um punho levantado
Biden sorrindo e com um punho levantado

Tasos Katopodis / Getty Images

Joe Biden, em 4 de novembro de 2020, em Wilmington, Delaware.

Joe Biden venceu a amarga luta da eleição presidencial de 2020, trazendo o ex-vice-presidente a um gabinete que cobiçou por quase cinco décadas e acabando com o mandato caótico de Donald Trump.

A disputa foi imprevisível em relação aos Colégios Eleitorais: estados que pareciam relativamente seguros para Biden acabaram ficando próximos, e o resultado não foi a vitória esmagadora que algumas pesquisas tinham projetado como possível. A coalizão de estados que Biden reuniu incluíram aqueles que tinham anteriormente optado por Trump, como a Pensilvânia, Wisconsin e Michigan. O processo demorado colocou a nação no limite, e levou Trump a declarar vitória falsamente em vários estados importantes nas primeiras horas da manhã que se seguiram à longa noite de eleição.

Mas, no voto popular, Biden ganhou facilmente. Ele comandou a maior contagem de votos que um candidato já teve em uma corrida presidencial dos EUA, mais de 73,5 milhões. E ele derrotou um titular que era muito popular com sua base — e que irritou Democratas com um mandato construído sobre racismo, mentiras e o apaziguamento de seu próprio ego.

O período de Trump no poder foi marcado por medidas de enfraquecimento da saúde pública durante uma pandemia que matou mais de 230.000 estadunidenses, pela militarização das funções do governo contra supostos adversários e por promover teorias da conspiração e grupos de supremacia branca. Muito dos primeiros meses de Biden no poder será consumido pelo esforço em desfazer o que Trump fez, com nada mais urgente do que obter o controle sobre o coronavírus.

Os esforços de Biden de governar muito provavelmente se chocarão com um duro fato: Trump foi derrotado, mas o trumpismo não. Biden administrou sua companha com um argumento central e existencial de que Trump representou uma aberração na política estadunidense e que os eleitores norte-americanos querem uma mão firme e moderada que devolva o país para algo que se pareça com a normalidade. Em resumo, os Democratas queriam essa eleição para repudiar de maneira estrondosa Trump e sua política.

Isso não aconteceu.

As tensões que Trump inflamou e se aproveitou estavam presentes no país antes de ele entrar no poder e essas divisões permanecem fortes. Embora a contagem final dos votos ainda não tenha chegado ao fim, mais de 68 milhões de americanos votaram em Trump. Muitos desses eleitores acreditam que Biden e outros Democratas sejam corruptos, empoderados por fraude e incapazes de liderar, e eles formarão uma oposição forte e zelosa. No último verão dos Estados Unidos, os maiores protestos da história do país foram centrados em impedir a violência policial contra pessoas negras e retificar o racismo sistêmico, propostas que Trump e muitos de seus seguidores rejeitaram. Unificar um país tão dividido ou até diminuir a hostilidade partidária será uma das tarefas mais desafiadoras de Biden.

Além do mais, o controle do Senado ainda é incerto, com a possibilidade de que o líder da maioria, Mitch McConnel, possa continuar exercendo seu regime de ferro. No início de sua campanha, Biden se apoiou fortemente em seus anos como uma figura de poder e negociador em DC, como um pragmático com ideias progressistas mas com tendências bipartidárias que procuraria trabalhar com McConnel, como fazia quando era vice-presidente. Mas, como muitos Democratas progressistas destacaram, a estratégia de McConnell quando Barack Obama era o presidente era de opor-se a quase tudo. Não há razão para pensar que agora McConnel agirá de outra forma. E enquanto a resistência aos Democratas tornará relativamente fácil para McConnell manter suas fileiras unidas, as profundas divisões entre os Democratas progressistas e moderados podem dificultar para Biden manter seu partido unificado.

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Joe Biden discursando em um megafone em frente à uma multidão de apoiadores.
Joe Biden discursando em um megafone em frente à uma multidão de apoiadores.

Drew Angerer / Getty Images

O candidato democrata à presidência, Joe Biden reúne apoiadores em 3 de novembro de 2020 na Filadélfia.

Embora Trump deixe o gabinete, ele provavelmente não deixará a área. Ele ainda detém mais de 85 milhões de seguidores no Twitter, domina sobre um Partido Republicano que foi transformado para se encaixar em sua imagem e inspira milhões que fervorosamente acham que ele lhes dá voz na batalha contra o sistema, mesmo que isso signifique elites, governo ou outras instituições, incluindo a ciência. Ele provavelmente aproveitará toda oportunidade para se opor e minar Biden.

Ainda assim, Biden será o presidente dos Estados Unidos com todo o poder oficial que Trump agora perdeu. Ele ganhou uma campanha muito disputada que foi histórica de um jeito que ninguém podia prever: a COVID-19 forçou o fechamento radical de funções básicas da sociedade e interrompeu a campanha em março. Biden escolheu seguir as diretrizes de saúde pública enquanto que Trump continuou com grandes comícios em que os participantes não eram obrigados a usar máscaras, e muitos realmente não usaram. Isso foi um contraste que Trump, que foi brevemente hospitalizado no último mês depois de ter sido diagnosticado com coronavírus, esperava fazer Biden parecer assustado, fraco e incapaz de atrair uma multidão.

Biden, no entanto, fez a má gestão de Trump sobre a pandemia o ponto central de sua campanha, atacando Trump por minimizar o perigo logo no início e pelo fracasso em controlar sua propagação. Biden fez amplos discursos sobre a crise e o que seria necessário para se recuperar dela, e inspirou o comportamento seguro ao respeitar estritamente o distanciamento social e usar máscaras em todos os eventos públicos.

A natureza da campanha — distante e impessoal — não foi bem acolhida por Biden, que construiu sua carreira desde os anos 70 sobre uma íntima relação humana e emoção visceral. Sua vida e carreira foram moldadas pela dor, depois de sua esposa e filha terem morrido em um acidente de carro em 1972 e então, seu filho, Beau Biden, ter morrido de câncer em 2015. Enquanto se reunia com eleitores na campanha eleitoral pré-pandemia, durante as primárias Democratas, ele passou tempo se conectando com eles pelas suas próprias perdas, às vezes consolando as pessoas quando tirava selfies com elas. Então, à medida que centenas de milhares de americanos lamentavam por seus entes queridos que morreram de COVID-19, Biden foi capaz de falar sobre o sofrimento deles.

"Existem momentos tão sombrios, tão desoladores em nossa história, que ficarão para sempre fixados em cada um de nossos corações, como luto compartilhado. Hoje é um desses momentos", disse Biden em um discurso de sua casa em Delaware, em maio.

"Acho que sei como estão se sentindo. Como se estivessem sendo sugados para dentro de um buraco negro no meio do seu peito. É sufocante", ele disse.

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Biden caminhando em um cemitério.
Biden caminhando em um cemitério.

Drew Angerer / Getty Images

Joe Biden depois de uma missa de domingo, em 1º de novembro de 2020, em Wilmington, Delaware.

Enquanto isso, Trump, repetidamente culpou o número de mortes e o número crescente de casos de COVID-19 nos EUA a uma conspiração da mídia e de seus oponentes Democratas. Ele zombou do uso de máscara como “politicamente correto”. Foi após um evento onde a maioria dos presente estava sem máscara que Trump e membros de seu círculo interno contraíram o vírus, e o próprio presidente teve que ser hospitalizado. Nas últimas semanas da campanha, houve um novo surto da doença em todo o país, com casos aumentando em quase todos os estados e a região de disputa do centro-oeste atingida com especial força.

Os dois candidatos sempre pareceram operar em realidades alternativas por toda a campanha eleitoral. Biden enfatizava o preço que a pandemia cobrou em vidas da população; Trump minimizava isso e enfatizava a necessidade de fazer com que a economia voltasse a se movimentar. Biden passou meses isolado em casa, e só aparecia em pequenos eventos; Trump realizou comícios gigantescos como se nada tivesse mudado, o que em alguns casos provavelmente levou a surtos de coronavírus. Mas ambos os candidatos, por quase toda a disputa, basearam sua campanha em Trump. Para Trump, foi o impulso habitual de ser o centro das atenções e o salvador autoproclamado da nação, referindo-se ocasionalmente a si mesmo como "seu presidente favorito" ou comparando-se favoravelmente a Abraham Lincoln. Para Biden, foi uma invocação constante dos fracassos do presidente bem além do coronavírus, desde sua recusa em condenar inequivocamente os supremacistas brancos que marcharam em Charlottesville em 2017, até seu envolvimento com autoritários estrangeiros. Biden invocou Charlottesville no primeiro dia de sua campanha, argumentando que ele estava liderando uma batalha pela alma da nação. O tema persistiu, um trunfo para a ameaça existencial que Biden disse que Trump representava, seja para a decência ou para a saúde e segurança dos Estados Unidos.

Mas, perto do final da disputa, Trump tentou, de fato, virar a eleição contra o personagem de Biden, com uma campanha frenética liderada por Rudy Giuliani para envolver Biden em uma trama nefasta pouco clara na Ucrânia e na China com seu filho Hunter (não há provas de que as alegações fossem verdadeiras). No primeiro debate, Trump levantou o histórico de Hunter de vício em drogas, uma estratégia que não ganhou muita força além da extrema direita. "Meu filho, como um monte de gente, como um monte de gente que conhecemos em casa, teve um problema com drogas", Biden respondeu. "Ele superou, resolveu, ele trabalhou nisso, e tenho orgulho dele."

O segundo debate foi cancelado, quando Trump se recusou a participar em um debate virtual depois de contrair o coronavírus. O terceiro foi menos caótico, mas fez pouco para mudar a dinâmica da disputa.

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Biden ao lado de Obama.
Biden ao lado de Obama.

Win Mcnamee / Getty Images

Presidente Barack Obama com o Vice-Presidente Biden na Casa Branca, em 19 de dezembro de 2012, em Washington, DC.

Esta foi a terceira disputa de Biden para presidente, e embora ele tenha sido o líder nas pesquisas nacionais por quase toda a disputa, a campanha ainda carregava um sentimento de improbabilidade. Sua campanha para a candidatura Democrata em 1988 acabou em 1987, em meio a dúvidas sobre plágio. Sua tentativa de 2008 desmoronou depois de uma fraca participação na bancada do Iowa, embora ele continuasse naquele ano para ser eleito o vice-presidente de Barack Obama, o primeiro presidente negro.

Biden rotineiramente associava seu legado ao de Obama no campo historicamente diversificado dos candidatos democratas deste ano, o que incluiu mais mulheres e pessoas não-brancas que qualquer primária anterior. Quando Biden tropeçou feio nas convenções partidárias de Iowa e acabou em um embaraçoso quinto lugar na primária de Nova Hampshire, parecia que ele poderia desmoronar novamente. Mas, Biden e seus conselheiros argumentaram que a disputa ficaria a seu favor na Carolina do Sul, onde a maioria dos eleitores Democratas são negros, e eles estavam certos. A vitória de Biden ali desencadeou uma limpeza em massa da campanha, justamente quando o coronavírus estava começando sua propagação nos EUA. Uma batalha ideológica entre o moderado Biden e o socialista democrata Bernie Sanders explodiu rapidamente, e Sanders prontamente apoiou Biden, surgindo como um de seus substitutos mais confiáveis.

Trump, durante seus quatro anos no gabinete, fez um esforço concentrado para revogar leis e regulamentos que definiram a administração de Obama: proteções para crianças trans e com não conformidade de gênero nas escolas e adultos nas forças armadas, o programa DACA para jovens trazidos para os EUA quando crianças, proteções à discriminação de habitação e mais.

Como Biden, de 77 anos, governará depois uma campanha tão dominada pela pandemia e pelo atual presidente, é uma questão importante. Antes da pandemia e antes dos tiroteios policiais contra homens negros em Mineápolis e em Kenosha, Wisconsin, Biden se apoiou fortemente em uma reputação mais pragmática do que progressista. Mas, à medida que a crise se multiplicava, Biden sinalizava que estaria mais aberto a mudanças sistêmicas e estruturais, o que ele nunca descreveu explicitamente.

Jovens americanos progressistas, para quem os protestos desse verão estiveram entre os primeiros movimentos políticos decisivos de suas vidas, assistirão o que Biden fará como presidente para lidar com o racismo institucional insidioso, bem como as crises, incluindo as alterações climáticas e a violência armada.

"Não acho que a idade de Biden seja necessariamente a restrição para que ele seja um líder transformador, mas dependerá das decisões tomadas por ele e por aqueles que o orientam", disse Chokwe Lumumba, o prefeito de 37 anos de Jackson, Mississippi, ao BuzzFeed News, em junho. "Não podemos arriscar e presumir que a energia em torno de Donald Trump vai desaparecer." ●

Este post foi traduzido do inglês.

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