Isto é o que sabemos sobre o efeito dos gadgets em nossos corpos

O uso de aparelhos eletrônicos está se tornando cada vez mais comum. Só que ainda não sabemos qual será o efeito disso em nossos corpos.

Para Cassandra Smolcic, o problema começou quando ela estava fazendo o estágio dos seus sonhos. Escolhida a dedo para passar um verão trabalhando no estúdio de animação da Pixar, a estudante de 26 anos ficava horas e horas, inclusive virando algumas noites, no computador e no tablet. No começo, ela conseguiu ignorar a misteriosa sensação de beliscões nas mãos e nos antebraços. No entanto, quando seu estágio acabou e ela recebeu uma oferta de trabalho em tempo integral, Cassandra já mal conseguia mover seus dedos.

Para Skylar, uma menina de 12 anos do sul da Flórida que adora seu laptop, seu celular e seu tablet, o problema surgiu no ano passado. Subitamente, ela passou a sentir fisgadas no pescoço, nos ombros e nas costas sempre que mexia a cabeça, como se mãos invisíveis estivessem puxando com força os seus músculos.

Para quem quer estar sempre conectado, enviando e-mails ou nudes, conversando no Snapchat ou tirando selfies, uma pequena pontada no dedão é o preço a se pagar. Há os casos atípicos que ganharam destaque na mídia: o jogador de Candy Crush que teve um rompimento no tendão do polegar e a mulher que mandava tantas mensagens que foi diagnosticada com “WhatsAppite”. Mas há também os casos como o de uma moça de 18 anos que afirmou: “Se eu passar mais de meia hora navegando pelo Tumblr, meus dedos ficam doloridos”. “Quando seguro meu telefone”, reclamou uma mulher de 22 anos, segurando o iPhone com a palma das mãos, “meu dedo mínimo dói demais”. Um engenheiro de software de 30 anos disse que seus dedos passaram a ficar “naturalmente ficam curvados para dentro ”, como uma garra: “Eu lembro que minha mão não era assim antes”. Amy Luo, de 27 anos, suspeita que seu iPhone 6s possui uma parcela de culpa pela dormência de seu polegar e de seu pulso. Comparando com o seu antigo iPhone, ela disse, “você tem de esticar mais a mão e ele é mais pesado”.

Patrick Lang, cirurgião de mãos de São Francisco, disse que vem atendendo um número crescente de funcionários de empresas de tecnologia na casa dos 20 e 30 anos com dores inexplicáveis e debilitantes em seus membros superiores. “Eu considero isso uma epidemia”, disse, “particularmente nessa cidade”.

Para o cirurgião Patrick Lang, dores inexplicáveis e debilitantes em membros superiores hoje são uma "epidemia".

Publicidade

No entanto, ninguém sabe a gravidade dessa “epidemia”. Na melhor das hipóteses, aprenderemos a suportar a rigidez no pescoço e a dor latejante no polegar. Na pior, uma geração está provocando danos ao próprio corpo sem perceber. Muito provavelmente, estamos em um meio termo, entre um desconforto e uma crise na saúde pública.

Por ora, nós simplesmente — ainda — não sabemos o que todas essas máquinas farão ao nosso corpo a longo prazo, principalmente por causa da inexistência de pesquisas conclusivas. O que nós sabemos é que mais pessoas (e cada vez mais jovens) estão utilizando aparelhos eletrônicos — celulares, smartphones, tablets, laptops, computadores — durante mais horas por dia. No entanto, o corpo humano não foi feito para isso.

Da cidade de Greensburg, Pensilvânia (EUA), Smolcic sempre gostou de desenhar personagens de filmes e desenhos animados. Na sua adolescência, nos anos 1990, os computadores se tornaram uma ferramenta importante para ela aperfeiçoar seus talentos artísticos: Smolcic fazia cartões comemorativos e e criava layouts para o jornal da escola em computadores desktop. Na Universidade de Susquehanna, ela optou por uma carreira em design gráfico e passou muitas horas usando iMacs. Quando decidiu fazer um mestrado em design gráfico na universidade Savannah College of Art and Design, ela ficou ainda mais horas na frente de um monitor. Com o passar dos anos, ela também começou a carregar um celular, um Motorola Razr, e um laptop da Dell. Atualmente, ela carrega um MacBook Pro e um iPhone 6

Courtesy Cassandra Smolcic

Smolcic em Hong Kong

Publicidade

As máquinas foram fundamentais para a carreira artística de Smolcic, como são na vida de muitas pessoas. No entanto, dificilmente poderíamos dizer que elas são indicadas para o corpo humano.

Pense na biomecânica mínima necessária para operar um smartphone. Deixe de lado todos os outros riscos — sofrer de depressão e solidão; sacrificar o sono, a audição, a visão e o foco; morrer tirando selfies em penhascos ou enviar mensagens de texto enquanto caminha ou dirige. O simples ato de utilizar o celular é arriscado.

Nossa cabeça fica sobre nosso pescoço, alinhada com nossos ombros e braços, como deve ser em todas as espécies bípedes. No entanto, uma cabeça que se inclina para a frente desestabiliza toda essa graciosa estrutura: O tronco se desvia para trás, o quadril inclina para a frente e praticamente todo o resto — a coluna, os nervos sob o pescoço, os músculos do torso — se retesa.

É muito fácil descuidar da postura quando seguramos um telefone em uma das mãos estendida ou quando esticamos o braço para alcançar o mouse. Quando digitamos em um laptop que está em nosso colo ou em cima da barriga, há uma sobrecarga no pescoço e nos ombros em virtude da inclinação necessária para enxergar a tela baixa.

Nossas mãos possuem a capacidade singular de segurar objetos, uma característica muito útil para nossos ancestrais primatas que balançavam em galhos. Nossos polegares opositores são particularmente notáveis, livres para se flexionarem, estenderem, curvarem e pressionarem em todas as direções. Mas suas articulações naturalmente instáveis não evoluíram para serem constantemente exigidas além de sua amplitude de movimento. No entanto, isso é o que acontece quando estamos navegando em nossos telefones ou, ainda pior, nos tablets.

Para Robert Markison, não há dúvidas: Praticamente nenhuma das invenções do Vale do Silício – desde o desajeitado Macintosh 128K de 1984 até o sofisticado iPhone 7 – foi projetada para respeitar a forma humana.

Markison é um cirurgião que trabalha em São Francisco que depende de suas mãos para operar as mãos de outras pessoas. Ele acredita tanto no potencial maléfico da tecnologia — e trata tantos jovens do ramo — que trabalha quase que exclusivamente com softwares de reconhecimento de voz. Ele também possui sua própria linha de canetas stylus para smartphones (que também funcionam como canetas normal), feitas de pigmentos manualmente mesclados, resina fundida através de pressão e seda tingida à mão.

Stephanie Lee / BuzzFeed News

Markison em seu consultório em São Francisco

Publicidade

Recentemente, em uma tarde em seu consultório, Markison me pediu para fechar a mão em volta de um instrumento de medição de força de preensão, com meu polegar voltado para o teto. Foi fácil, senti toda a minha força. Então ele pediu para que eu virasse minha mão, ficando com a palma voltada para o chão, posição de quem trabalha com teclado, e fizesse a mesma coisa. A diminuição na intensidade da minha força de preensão foi considerável. “Não há motivos para achar que o mouse é uma boa ideia”, disse Markison.

É óbvio que a maioria das pessoas que trabalha em escritório já suspeita disso. Durante os anos 80 e 90, quando os computadores — que na época também eram conhecidos como “terminais de exibição de vídeo” — invadiram os ambientes de trabalho, os empregados começaram a sentir dormência nos braços e nos dedos. A imprensa então passou a alertar sobre os malefícios supostamente causados pelos modernos dispositivos. No início dos anos 90, telefonistas, jornalistas, trabalhadores administrativos e empregados de outros campos moveram centenas de ações judiciais contra os fabricantes de equipamentos como teclados de computador, que foram apontados como os culpados por graves lesões nos braços, nos punhos e nas mãos.

O assunto fez com que toda uma geração abrisse os olhos para os danos físicos (e psicológicos) do trabalho automatizado. Com isso surgiram móveis e utensílios que conciliam a tecnologia com nossos corpos. Mouses ergonômicos são manuseados verticalmente e mouses para os pés diminuem o número de cliques. Teclados inclinados e ergonômicos permitem que as mãos descansem. Mesas podem ser convertidas para o trabalho em pé ou possuem níveis ajustáveis para monitores e teclados. Alguns softwares convertem voz em texto, outros alertam seu chefe quando você digita rápido demais.

No entanto, essas invenções são, em sua maioria, para computadores desktop. O crescimento vertiginoso de celulares, tablets e laptops, incentivado pelo ímpeto de tornar os eletrônicos ainda mais portáteis e onipresentes, deixaram de lado quase todos os princípios de design pensados para o corpo humano.

É muito provável que você esteja lendo isso no seu celular. Na verdade, é muito provável que seu celular tenha sido a primeira coisa para a qual você olhou hoje de manhã e a última ontem à noite. Você acorda com o despertador do celular. Dá uma olhada, ainda com a vista turva, no seus e-mails, mensagens, Facebook, Twitter, Instagram. Então vê mais notícias e e-mails nele no transporte público (ou, bem, no carro). Depois, você se senta na frente de algum tipo de computador no trabalho ou na escola. Durante o dia inteiro, seu telefone zune, exigindo ser segurado, esteja você almoçando ou, pode admitir, no banheiro. No caminho de volta do trabalho, mais uma vez você estará com a cara enfiada no telefone, ou em um e-reader, até finalmente parar um pouco quando chega em casa — hora em que você assiste a Game of Thrones no laptop ou tablet.

Apenas no ano passado, estima-se que 164 milhões de laptops e 207 milhões de tablets tenham sido vendidos no mundo todo. Sessenta e três por cento da população mundial possui plano de celular. Até 2020, prevê-se que mais de 2,5 bilhões de novas linhas de smartphones serão ativadas. Estamos cercados por gadgets.

A mão de Luo pode doer por causa do seu iPhone, porém seu estilo de vida não lhe dá alternativa senão aguentar e continuar com o celular na mão. “Já pensei em passar menos tempo no telefone”, disse a designer de produto do Twitter, “mas isso é meio difícil porque é como mantenho contato com meus amigos e tudo mais”. O seu médico disse que ela tem de “parar imediatamente” de trabalhar no laptop. Luo admite não ter dado ouvidos.

Dezoito horas, desde quando acorda (às 7h) até quando vai dormir (à 1h) — esse é o tempo que Owen Savir, de 35 anos, diz passar no seu Nexus 6P diariamente. (Ele é presidente da Beepi, mercado on-line para venda de carros). O dedo mindinho de Savir às vezes fica dormente sob o telefone e a capa corta tanto sua pele que ele precisa colocar um Band-Aid.

Como ele se sentiria, eu perguntei, se tirassem o telefone dele? Ele parou por um momento. “Eu usaria meu outro telefone."

“Já pensei em passar menos tempo no telefone, mas isso é meio difícil, porque é como mantenho contato com meus amigos e tudo mais.”

Publicidade

Os cientistas não têm certeza sobre como toda essa atividade afeta nossos corpos. Apesar de alguns estudos associarem enfermidades na mão ao uso pesado de computadores e videogames, pouquíssimos examinaram novos dispositivos, como os smartphones. “Os celulares estão no mercado há 10, 15 anos no máximo”, disse Jack Dennerlein, diretor do Laboratório de Biomecânica Ocupacional e Ergonomia na Universidade de Harvard. “Ainda não tivemos uma exposição a longo prazo que permita vermos alguns dos problemas mais crônicos que podem aparecem posteriormente”.

Não há nenhum método de avaliação confiável para enfermidades relacionadas à tecnologia. O mais perto disso é o estudo anual de lesões no ambiente de trabalho do Bureau de Estatísticas do Trabalho dos EUA, cujos dados sugerem que os casos de distúrbios osteomusculares, incluindo a síndrome do túnel do carpo, diminuíram nas últimas duas décadas. Mas esses números representam, na melhor das hipóteses, “uma avaliação muito rudimentar” dos problemas, segundo Kurt Hegmann, diretor do Centro das Montanhas Rochosas para a Saúde Ocupacional e Ambiental da Universidade de Utah. Como Dennerlein disse: “Mas eles são melhores do que nada.”

Hegmann possui algumas teorias sobre o porquê dos números estarem diminuindo: Profissões de alto risco, como na manufatura, estão diminuindo. Trabalhadores em pânico nos anos 90 provavelmente relataram enfermidades inexistentes antes da histeria diminuir. Alguns escritórios tornaram-se mais ergonômicos.

Há algumas outras razões pelas quais os números provavelmente não correspondem à realidade: fatores não relacionados ao trabalho, como a obesidade, podem contribuir para a síndrome do túnel do carpo. Além disso, se você está constantemente enviando e-mails e não sai do Instagram, é meio difícil colocar toda a culpa pela sua mão dolorida no trabalho.

Independentemente do quão difundidas estejam as lesões relacionadas a telefones, um pequeno grupo de estudos sugere que elas existem. Um estudo realizado em 2011 com quase 140 milhões de usuários de celulares associou o tempo de uso de internet à dor no polegar direito, bem como o tempo de olho em eletrônicos a desconfortos no ombro direito e no pescoço. Outro estudo descobriu que o uso em excesso de celulares expande o nervo associado à síndrome do túnel do carpo, causando dor no polegar e limitando a capacidade motora de fazer coisas como o movimento de beliscar com os dedos.

Ereta, a cabeça de uma pessoa adulta exerce uma pressão de cerca de 5 quilos sobre a coluna, de acordo com um estudo de 2014. Porém, inclinada a 15 graus, como se para checar o celular, a pressão aumenta para 12 quilos. E passa para 27 quilos a 60 graus.

“É prejudicial na juventude porque os ossos ainda são maleáveis e flexíveis, podendo ocorrer uma deformação permanentemente”, disse Kenneth Hansraj, cirurgião de coluna de Nova York, que escreveu esse estudo após tratar um paciente que “vivia com a cara enfiada no iPad, jogando Angry Birds quatro horas por dia”. Pessoas mais velhas também podem ser afetadas, ele afirmou, porque suas colunas podem passar por um processo de redução, fazendo com que fiquem suscetíveis a lesões.

No entanto, o médico afirma que não é nenhum “inimigo jurado do celular”. “Adoro poder tomar uma xícara de café e entrar em contato com 10 dos meus amigos, em 10 países diferentes, com apenas uma mensagem dizendo ‘Eu adoro esse café’”, afirmou. “O que eu quero dizer, a minha mensagem é mantenha sua cabeça ereta e tenha ciência da posição da sua cabeça no espaço.”

Skylar começou a usar um iPad, há alguns anos, para assistir a filmes no carro. Depois, com 10 anos, ela ganhou um MacBook Air e um iPhone 6s, conta sua mãe, que pediu para não revelarmos seu sobrenome para preservar sua identidade. Joguinhos, colocar “caras estranhas” no Snapchat, ficar de olho no Instagram, usar o FaceTime e enviar mensagens de texto, sem mencionar as tarefas de casa feitas no computador, mantêm Skylar ocupada por cerca de três horas diariamente. Recentemente, ela descobriu a série Friends, sobre um “grupo de amigos que fazem muitas coisas estranhas e se encontram todo dia no Central Perk. É uma cafeteria”.

Quando o Centro de Pesquisas Pew entrevistou adolescentes em 2011, um quarto deles tinha smartphones. Em 2015, três quartos tinham. De acordo com o Common Sense Media, organização sem fins lucrativos de São Francisco que entrevistou mais de 2.600 jovens nos EUA no ano passado, crianças de 8 a 12 anos passam cerca de 2 horas diárias em tablets, smartphones e outros dispositivos móveis. E esses hábitos começam cada vez mais cedo: 38% das crianças com menos de 2 anos já jogaram ou assistiram a vídeos em um dispositivo móvel. Até mesmo adolescentes de baixa renda, com menor probabilidade de terem gadgets da moda, podem estar seguindo os seus pares mais abastados: Em um estudo realizado em 2015 com 350 crianças menores de 5 anos de idade em uma comunidade de baixa renda na Filadélfia, verificou-se que a maioria já possuía um dispositivo móvel próprio. Aliás, a maioria já havia começado a utilizar um antes do primeiro aniversário.

“Não passo mais de uma hora sem dar uma olhada no meu telefone, a não ser que eu esteja dormindo, sabe”, disse Kendall Holle, 15 anos. “É complicado. É complicado. Assim que acordo, abro os olhos, escovo os dentes, lavo o rosto e já estou no telefone, no Snapchat.”

“Eu acordo e já vou para o Snapchat”, disse Jeff Ren, 19 anos.

“Quando tomaram meu telefone”, confessou Sara, de 15 anos, “fiquei destruída”.

“Hoje em dia, não me sinto bem se não estiver com meu telefone”, disse Howard Lin, 18 anos. “Sinto como se algo estivesse faltando.”

“Uma das principais razão pela qual quis mudar de carreira foi porque meu braço estava destruído. Meu corpo todo doía.”

Publicidade

No entanto, os pesquisadores não estão estudando como tanta exposição aos gadgets, com tão pouca idade, afeta a fisiologia das crianças — pelo menos não com o afinco que estão estudando como afeta o aprendizado, a recreação e o raciocínio.

A Academia Americana de Pediatria recomenda que crianças com menos de 2 anos devem evitar a exposição a aparelhos eletrônicos e crianças mais velhas não devem passar mais do que duas horas diárias com tais equipamentos. Passados mais de 15 anos, agora ela está repensando essas diretrizes. “Em um mundo onde o ‘tempo de exposição a equipamentos eletrônicos’ está se tornando simplesmente ‘tempo’, nossas políticas devem evoluir ou se tornarão obsoletas."

Quando eu perguntei se os riscos físicos também estão sendo levados em conta junto com os psicológicos e sociais, Ari Brown, que está conduzindo a reforma das recomendações, me respondeu via e-mail que “essa questão particular que você levantou... não está sendo abordada por nosso grupo”.

Enquanto isso, pessoas como Diane Cho não sabem o que o futuro lhes reserva.

Na Redação da qual ela recentemente se demitiu, Cho passava cerca de 10 horas digitando diariamente, geralmente em um laptop e lendo em seu telefone — até que seu braço direito foi ficando cada vez mais dormente, imune ao tratamento com gelo. “Uma das principais razões pela qual quis mudar de carreira foi porque meu braço estava praticamente destruído”, disse. “Meu corpo todo doía.” Ela tem 26 anos.

Esporadicamente, algo estranho acontece com o polegar direito de George McIntire, 27 anos: “Ele começa a se mexer, para trás e para frente, tremendo e movendo-se muito rápido”.

Tanner Bell, um jovem de 17 anos que faz vídeos do tipo “Faça Você Mesmo” no YouTube e ajuda empresas com seu marketing digital para adolescentes, sente cãibras nos polegares duas vezes por semana. “E isso nem acontece quando estou segurando o celular, pode acontecer mais tarde, de dia ou de noite”, disse. “Há uma tensão extra... meio como um formigamento.”

Após trocar longas mensagens de texto com uma namorada à distância, Vincent Hennerty, 26 anos, acabou com uma síndrome do túnel do carpo em fase inicial. Reduzir o tempo de videogame foi desagradável, assim como foi fazer flexões de mãos fechadas. Ainda assim, nada o preparou para o maior dos sacrifícios.

“Quando eu estava com garotas”, lembrou, “não conseguia masturbá-las por muito tempo. Ou tinha de ficar em uma posição que deixasse meus pulsos retos”. Isso, disse, “foi o que mais pesou para mim: ‘tenho de parar de mandar mensagens.’”

BuzzFeed News; Getty

Publicidade

Quando as massagens no pescoço e as bolsas de gelo pararam de aliviar a rigidez no pescoço de Skylar, sua mãe a levou ao consultório de Dean Fishman, quiroprata e fisioterapeuta local. Ele atende tantas pessoas com problemas similares que, em 2009, inaugurou o Instituto Text Neck (Pescoço de SMS, em português) nos arredores de Fort Lauderdale, Flórida. Atualmente, a clínica atende 700 pacientes por mês, afirma.

“Eu percebi muito cedo, quando a troca de mensagens começou a se tornar popular, no que diz respeito à comunicação, que eu estava atendendo a mais e mais jovens com reclamações que não víamos antes — dores de cabeça, dor no pescoço, dor nos braços”, disse Fishman, cuja paciente mais nova até agora foi uma menininha de 3 anos apaixonada pelo seu iPad. A assim chamada síndrome do pescoço de SMS "não é uma lesão traumática aguda”, afirmou. “Você não perceberá um inchaço ou hérnias discais do dia para a noite. Com o passar do tempo, serão os microtraumas que acabarão sendo os maiores sintomas dos nossos pacientes”

“Quando a troca de mensagens tornou-se popular, passei a atender a mais e mais jovens com reclamações que não víamos antes — dores de cabeça, dor no pescoço, dor nos braços.”

Publicidade

Os pacientes desconhecem completamente os próprios corpos, o que chega a ser angustiante para os médicos. “Quando esses jovens estão estudando em seus dispositivos digitais, ou quando estão jogando ou animados com as mensagens de texto que estão enviando para os amigos, eles não percebem a dor”, disse Fishman. “Apenas quando eles deixam tudo de lado, quando deitam à noite, é que sentem dor. E eles não atribuem isso ao que fizeram durante o dia.”

Cyrene Quiamco não é uma paciente, mas possui todos os sinais de que será uma no futuro. “Eu nem sei quando é que eu não estou no Snapchat”, disse a jovem de 27 anos, que trabalha enviando snaps para marcas como MTV, Jolly Ranchers, Pixar e Disneyland — e cobra de US$ 10 mil a US$30 mil para isso. “Tipo, quando estou em um restaurante, não passo o tempo todo (no Snapchat), mas depois passo cinco minutos vendo o que apareceu no meu feed do Snapchat. Não faço tudo em uma sentada. São várias sentadas ao longo do dia.”

Quantas mensagens ela envia por dia? “Nossa, mais de mil.” Ela acrescentou, “nunca havia pensado sobre quantas eram”.

De duas a três horas por dia, Quiamco faz desenhos coloridos e detalhados para postar no Snapchat em seu telefone. “Você está tão focada na criação que não quer parar, mesmo quando sente uma pontada no antebraço", afirma. “Eu falo pra minha mãe, ‘Ei, estou tendo cãibras na mão por causa do telefone.’ Ela responde, ‘Você vai desenvolver alguma coisa. Se você perder sua mão, já era.’”

Ela riu.

Courtesy Cassandra Smolcic

Publicidade

Aos 6 anos de idade, Smolcic ficou encantada com A Pequena Sereia. Já adulta, trabalhando como designer gráfica na Pixar, do outro lado da baía de São Francisco, ela pode deixar sua própria marca em filmes como Universidade Monstros, Carros 2 e Encontrando Dory. Em Toy Story 3, ela criou o logo de Lotso, o urso de pelúcia rosa e principal antagonista do filme. Em Valente, animação que se passa na Escócia, ela bolou os padrões célticos para a mobília e para os figurinos. Reuniões com diretores famosos e outros momentos especiais foram numerosos durante os cinco anos que passou lá. “Há todas aquelas pequenas e incríveis lições de vida escondidas no meio do entretenimento das animações”, falou sobre os filmes da Pixar. “Senti algo especial por fazer parte daquilo.”

Apesar das horas exaustivas, Smolcic não achava que as lesões na mão poderiam ser um dos ossos do ofício. Porém, quando as dores começaram, não pararam mais. Mesmo quando começou a se sentir normal após um mês de licença, a sensação lancinante logo ressurgiu ao voltar ao trabalho. A Pixar demonstrou solidariedade, disse a designer, criando um ambiente de trabalho sofisticado para ela, com uma mesa com elevação motorizada, um mouse vertical, pedais programáveis, cadeiras ergonômicas, monitores extras e um tablet sensível ao toque. Médicos e especialistas a submeteram a diversos tratamentos, alguns menos convencionais do que outros: acupuntura, acupressão, exercícios de respiração, massagens, fisioterapia, exercícios individualizados, biofeedback, liberação miofascial, terapia neurocinética, reflexologia, naturopatia. De acordo com alguns dos muitos profissionais médicos com os quais se consultou, o seu diagnóstico era de fibromialgia, uma síndrome dolorosa musculoesquelética. Outros disseram se tratar de uma “lesão por esforço repetitivo” (LER).

“Se eu for ao médico, o que ele vai dizer? ‘Não segure o telefone assim’. Para que ir, então?”

Publicidade

Esse é provavelmente o primeiro termo que nos vem à cabeça com relação a esse tipo de problema. Mas especialistas em saúde ocupacional o evitam porque ele agrupa diversas doenças diferentes. Tome por exemplo a síndrome do túnel do carpo: A compressão de um nervo em seu antebraço causa dormência e perda de força na mão. Mas dor nos tendões do polegar, as estruturas parecidas com cordões que unem os músculos aos ossos, podem indicar uma síndrome de Quervain. A tendinite (inflamação dos tendões) não deve ser confundida com o “dedo em gatilho” (inflamação ao redor dos tendões). E para algo vago demais ou ainda em um estágio inicial para um diagnóstico seguro, há a conveniente classificação de “dor não especificada”.

E para tornar tudo ainda mais confuso, não é possível simplesmente culpar a tecnologia por nenhuma dessas doenças. Você pode passar a vida toda mexendo com gadgets e não ficar nem com o polegar dolorido. Ou sua doença pode se desenvolver com o passar dos anos, o que torna difícil saber se os gadgets atuaram como causa única. A recuperação também varia. Talvez você só tenha de começar a sentar ereto e tirar alguns intervalos, enquanto outras pessoas talvez precisem de injeções de esteroides ou cirurgia.

Essas nuances podem confundir os clínicos gerais, que nem sempre sabem quando devem encaminhar os pacientes a um especialista — que, às vezes, também não possui todas as respostas. “As pessoas vão a um cirurgião de mãos, que fica frustrado por não se tratar de um paciente cirúrgico e acaba encaminhando-as para a terapia”, disse Melanie Johnke, responsável pela clínica Terapia da Mão Golden Gate em São Francisco. “E eu também não sou médica”, o que significa que ela não pode dar diagnósticos médicos e nem prescrever medicamentos.

Como Savir argumenta: “Se eu for ao médico, o que ele vai dizer? ‘Não segure o telefone assim’. Para que ir, então?”

Apesar de já sabermos tudo o que precisamos fazer, de sentar ereto e fazer alongamentos a tirar intervalos e usar uma caneta stylus no telefone, nós provavelmente não fazemos e não faremos nada disso. E talvez as coisas sejam assim agora. Talvez apenas a tecnologia possa nos salvar de nós mesmos.

Gigantes da tecnologia como Apple, Google e Microsoft estão correndo para transformar seus aparelhos em leitores de pensamento. Toda vez que não temos de colocar o dedo no celular, a cada praticidade “sem fricção” desenvolvida, queremos mais e mais: É uma estratégia de negócios que também se mostra ergonomicamente correta. Os softwares de reconhecimento de voz — Siri, “OK Google”, Alexa, Dragon — prometem acabar com o trabalho manual na hora de navegar na internet e obter direções. Mas eles não funcionam perfeitamente, o que não é novidade para ninguém que já gritou com a Siri, e, sinceramente, ainda é meio estranho falar com o seu telefone em público. “Eu divido o escritório com outras pessoas, por isso não sei como isso funcionaria”, disse Saima Jamshed, 42 anos, que sofre de dores crônicas em seu braço direito.

E também há os aplicativos com aprendizagem automática que, como num passe de mágica, antecipam a próxima palavra em sua mensagem, no contato para o qual quer ligar ou no vídeo que quer assistir, baseados no seu histórico de atividades e de digitação. Por exemplo, o novo aplicativo de mensagens do Google, o Allo, já vem com respostas pré-carregadas e texto preditivo. No entanto, para aceitar esse tipo de ajuda, é necessário sacrificar uma parcela preocupante de sua privacidade.

Óbvio, também poderíamos utilizar menos a tecnologia. Indubitavelmente, parece ser algo que queremos fazer. Praticamente quase todas as pessoas na casa dos 30 anos que falaram comigo gostariam de poder deixar seus telefones em casa, parar de atualizar suas notificações e passar menos tempo no YouTube. Quando perguntados sobre quanto tempo achavam que passavam nessas atividades, elas responderam: tempo demais.

Reduzir esse tempo provavelmente seria mais saudável. Mas talvez não estejamos dispostos a fazer isso.

Skylar já está quase completamente recuperada, graças à fisioterapia no Instituto Text Neck e aos exercícios em casa. Sua mãe disse que agora ela se esforça para colocar seus dispositivos à altura dos olhos (e também fala para todos fazerem isso), como o médico lhe recomendou. Mas ela não diminuiu o tempo que passa nos eletrônicos. A pressão dos colegas é intensa: Todos os amigos dela têm celulares e alguns tem iPads e computadores. “Às vezes chega a ser irritante, vou para a casa de uma amiga e passamos o tempo todo jogando em nossos celulares ou vendo alguma coisa no iPad”, disse Skylar. “Fui para lá para brincar ou passar um tempo com ela, não para ficarmos em nossos eletrônicos e ficarmos o tempo todo em silêncio.”

Reduzir o tempo que ficamos usando aparelhos eletrônicos provavelmente seria mais saudável. Mas talvez não estejamos dispostos a fazer isso.

Publicidade

“Na minha infância”, relembrou a mãe dela, Kerri, “o telefone ficava em casa, então, se você saísse, o telefone ficava tocando e a pessoa ligaria mais tarde”. Era uma pausa inegociável, o mundo tinha de aceitar que você estava fisicamente livre de seu aparelho. “Agora”, disse, “ele está em todos os lugares”.

Smolcic desconectou-se quase que completamente da tecnologia, só que não foi por vontade própria.

Quando ela tinha 28 anos, um especialista em manejo da dor lhe deu uma terrível notícia: Ela nunca ficaria totalmente recuperada. Ela ainda aguentou mais alguns anos, mas finalmente largou o emprego em outubro de 2014, indo trabalhar em uma agência de design de São Francisco onde, ela esperava, seu trabalho seria bem menos manual. “Eu realmente sentia que tinha tentado tudo o que podia”, disse.

No entanto, o trabalho e a dor permaneceram mais ou menos idênticos, por isso em março deste ano ela saiu da agência, e do mundo do design, provavelmente de vez. O seu trabalho a machucava.

Desde então, ela tem utilizado o dinheiro que havia guardado para viajar, passando por Hong Kong, Grécia e Islândia, com paradas para se consultar com xamãs e curandeiros alternativos na Indonésia, na Tailândia e no México. Ela também começou a escrever, o que agora ela acredita ser sua verdadeira vocação. Para escrever um ensaio de 1.800 palavras durante a primavera — através de uma combinação de digitação e gravação de memorandos de voz — ela precisou de um mês e meio, porque não conseguia trabalhar mais do que uma hora por dia. Atualmente ela diz que consegue escrever durante várias horas e quase não sente dor. Ela está trabalhando em um livro de memórias, que será em parte sobre suas lesões.

Com 33 anos, Smolcic acredita já estar 90% recuperada. Ela não tem certeza se isso é permanente — mas, mesmo que seja, ela não quer mais trabalhar com design. “Eu acho que não vejo problemas em não ter mais o luxo que eu tinha quando vivia em São Francisco”, disse ela. “Hoje tenho mais tempo para viver ativamente, vendo o mundo, em vez de viver atrás de uma mesa.”

No entanto, mesmo acreditando que a tecnologia é a responsável pelo que aconteceu a ela, fisicamente e emocionalmente, Smolcic não conseguiu deixar o iPhone e o MacBook desligados quando estava viajando. Eles são fontes de direções e dão dicas de viagem, são uma válvula de escape para a produção de textos e de música, câmeras para registrar suas memórias, uma linha de comunicação com amigos e familiares. “Essas máquinas”, ela me escreveu no verão, “colocam muito poder na ponta dos meus dedos”. E agora que está se sentindo melhor, ela as utiliza o tempo todo. ●

Veja também