Hannah Gadsby fez uma crítica poderosa aos homens que querem definir o que é misoginia

"A última coisa que eu preciso agora, neste momento da história, é ter que ouvir monólogos de homens sobre a misoginia e sobre como outros homens deveriam parar de ser bizarros, como se este fosse o problema."

Hannah Gadsby ficou conhecida mundialmente neste ano com seu especial Nanette, distribuído pela Netflix. Na apresentação, ela fala sobre como o senso de humor autodepreciativo pode causar danos à pessoa que faz a piada.

Netflix

“… vocês entendem o que a autodepreciação significa quando vem de alguém que já está nas margens? Não é humildade. É humilhação. Eu me rebaixo para falar, para ter permissão… para falar. E eu não vou mais fazer isso. Nem comigo nem com ninguém que se identifica comigo.”

Na semana passada, no evento “Women in Entertainment” do Hollywood Reporter, Gadsby voltou a fazer um discurso poderoso. Dessa vez, ela aproveitou a oportunidade para falar de homens que se dizem "homens bons".

Hollywood Reporter / Via youtube.com

“Ver os homens bons falando dos homens maus é muito irritante, e isso é algo que os homens bons estão fazendo muito agora (…) Estou cansada de ligar a TV no fim do dia e encontrar uns 12 Jimmies lacrando [referência ao apresentador Jimmy Fallon, que tem um programa diário de TV chamado The Tonight Show]. (…) Não me levem a mal, não há nada de mal com os Jimmies e os Davids [referência ao apresentador David Letterman] e os outros Jimmies, mas a última coisa que eu preciso agora, neste momento da história, é ter que ouvir monólogos de homens sobre a misoginia e sobre como outros homens deveriam parar de ser bizarros, como se este fosse o problema."

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Ela explicou o problema dos “homens bons” delimitarem o que são “homens maus”...

Hollywood Reporter / Via youtube.com

“Homens não são bizarros. Sabem o que é bizarro? Aranhas, pois não sabemos como elas se movimentam. Rejeitar a humanidade de uma mulher não é bizarrice, é misoginia.”

E completou: “Meu problema é que, de acordo com os Jimmies, existem apenas dois tipos de homens maus. Existem os tipos Weinstein/Cosby [referência a Harvey Weinstein, produtor de Hollywood, e Bill Cosby, comediante, ambos denunciados por assédio sexual] que são tão horríveis que poderiam muito bem ser de uma espécie diferente para o Jimmy... E depois existem os ADJs – Os Amigos dos Jimmies. Estes são homens bons, aparentemente, mas que interpretaram mal as regras.”

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... Que é que os limites do aceitável muitas vezes muda de acordo com o interesse dos "homens bons".

Hollywood Reporter / Via youtube.com

“Meu problema é que, quando os homens bons falam sobre homens maus, eles sempre ignoram os limites, os limites que inevitavelmente existem quando um homem bom fala sobre homens maus. ‘Eu sou um homem bom, aqui está o limite. Do outro lado estão todos os homens maus.’ Os Jimmies e os homens bons não querem falar sobre esse limite, mas precisamos falar desse limite. Precisamos falar sobre os homens que definem um limite diferente para cada ocasião diferente. Eles tem um limite para o vestiário, um limite para quando suas esposas, mães, filhas e irmãs estão vendo. Outro limite para quando estão bêbados e entre si, outro limite para acordos de confidencialidade, um limite para amigos e um limite para desconhecidos. Sabe por que precisamos falar sobre o limite entre homens bons e homens maus? Porque só homens bons é que podem estabelecer este limite. E adivinhe? Todos os homens acreditam que são bons.”

Ela explicou então que não cabe aos homens definir esses limites, mas às mulheres.

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“Precisamos falar sobre isso porque adivinhem o que acontece quando só homens bons definem este limite? Este mundo. Um mundo bom cheio de homens bons que fazem coisas bem ruins e ainda acreditam, do fundo do coração, que são homens bons porque não ultrapassaram o limite, já que mudaram o limite para seu próprio bem. As mulheres que deveriam controlar esse limite, sem dúvida.”

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Para ela, o controle de onde é o limite deve ser estabelecido pelas pessoas que sofrem as consequências dele ser ultrapassado:

Agora, pegue tudo o que eu disse até este ponto e substitua o homem por uma pessoa branca. E saiba que, se você é uma mulher branca, você não tem direito de estabelecer o limite entre pessoas brancas boas e pessoas brancas más.

Eu incentivo você a também tirar tempo para substituir o homem pelo hétero, ou trans ou saudável ou neurotípico etc, etc.

Em outras palavras, como as pessoas sempre veem a si mesmas como boas, independentemente da situação, não cabe a elas definir quais são os limites do que é ofensivo aos outros.

Hollywood Reporter / Via youtube.com

“Todo mundo acredita que é essencialmente bom e todos nós precisamos acreditar que somos essencialmente bons porque acreditar que você é essencialmente bom é parte da condição humana. Mas, se você precisa acreditar que outra pessoa é má para acreditar que você é bom, então você está delimitando uma linha bem perigosa.”

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Então, dirigindo-se ao público, ela disse: "Cada um de nós tem uma enorme responsabilidade de ser muito, muito cuidadoso sobre os limites que escolhemos estabelecer”.

Você pode assistir ao discurso completo dela (em inglês) aqui:

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A tradução deste post (original em inglês) foi editada por Luísa Pessoa.

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