Escrever sobre comida me ajudou a lutar contra meu distúrbio alimentar

Acabei em uma carreira que trouxe à tona meus problemas com comida. Mas que, por fim, também me ajudou a me salvar de mim mesma.

Jenny Chang / BuzzFeed

O primeiro artigo relacionado a comida que eu publiquei se chamava "Anatomia de um Sanduíche", mas quando eu o escrevi, eu nem ao menos comia sanduíches. Eu tinha medo demais deles para sequer saborear aquele que eu estava apresentando (presunto cru, mussarela e manjericão em uma baguete).

Isso foi em 2004, no ápice da febre da dieta Atkins, e o que começou como um flerte inocente com a dieta no meu último ano de faculdade se tornou rapidamente uma obsessão voraz por carboidratos, calorias, peso e exercícios. Após restringir abruptamente meu consumo alimentar ao mínimo todos os dias, inevitavelmente eu passava minhas noites consumindo exageradamente qualquer coisa rica em carboidratos ou açúcar, que ainda não houvesse sido cortada da minha dieta. Pão, especialmente, desencadeava essa reação tão fortemente que uma simples mordida em um sanduíche para uma pesquisa estava fora de questão.

Eu me consolava em saber que eu não tinha mesmo que comer o sanduíche, de qualquer forma. O artigo — um dos meus primeiros trabalhos como jornalista autônoma — foi uma investigação sobre o motivo dos ingredientes locais e sustentáveis custarem tanto, conforme ilustrado pelo exemplo de um sanduíche caro em uma cafeteria próxima. A matéria era sobre a política e a economia dos alimentos; eu nem teria espaço para descrever os sabores.

Esse tipo de texto é interessante e importante, mas para mim também era uma boa forma de intelectualizar minha obsessão crescente com comida, que discretamente se inseria em tudo o que eu fazia. Minha próxima matéria, uma visão mais aprofundada do custo dos produtos orgânicos foi parecida: um artigo denso com muitas citações e estatísticas e nenhuma descrição de comida (exceto um "pêssego suculento" que eu comi sem problemas já que frutas estavam na lista "segura").

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Eu teria que comer muitas coisas das quais eu tinha medo — e lidar com as consequências.

Ainda assim, eu sabia que se continuasse escrevendo sobre comida, coisa que eu queria, em algum momento eu não seria mais capaz de apenas conversar no telefone com fazendeiros e fabricantes. Eu teria que comer muitas coisas das quais eu tinha medo — carnes e queijos não-orgânicos, pratos à base de cereais como massas e pizza, jantares em restaurantes sofisticados nos quais eu não sabia a quantidade de calorias — e lidar com as consequências.

Isso aconteceu no início do ano seguinte, quando escrevi uma publicação curta para um blog sobre a inauguração de um lugar chamado Birdbath Bakery em Nova York. A matéria exigiu que eu experimentasse alguns doces e eu deduzi que deveria compará-los aos da matriz da Birdbath, a City Bakery.

Tentei "ser boazinha" (ou seja, rigorosa) com a minha alimentação por um dia ou dois antes, achando que se eu adquirisse o hábito de comer "normalmente" (ou seja, de forma restrita), eu conseguiria parar após uma mordida ou duas de cada doce. Em vez disso, acabei comendo quase uma dúzia de biscoitos enormes, bolinhos e croissants em um dia.

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Comecei a escrever sobre comida para impressionar um cara, um colega jornalista e o primeiro "foodie" que conheci (que rapidamente me informou que o termo "foodie" não era nada legal). Quando começamos a sair, consegui me passar por uma comedora audaciosa, deixando a restrição e a compulsão para quando ele não estava por perto, e comecei a desenvolver alguns conhecimentos e opiniões sobre comida nesse processo. Minha experiência com jornalismo ambiental também me deixou sinceramente interessada pelo movimento crescente de agricultura sustentável.

Mesmo assim, tenho 99% de certeza de que eu teria procurado outro ramo jornalístico se eu não me sentisse tão faminta o tempo todo. Eu tinha vários outros interesses de longa data — livros, psicologia, artes cênicas, justiça social — e nunca me importei muito com comida até eu desenvolver um distúrbio alimentar (que, na época, eu nem conseguia admitir que tinha).

Hoje em dia eu sei que esse é um fenômeno biológico comum: quando as pessoas são privadas de comida, elas tendem a ficar obcecadas. Por exemplo, o seminal e fascinante Experimento de Inanição de Minnesota (aviso: descrição explícita de inanição), que começou em 1944 e descobriu que homens que foram (voluntariamente) sujeitos a uma dieta de quase inanição se tornaram repentina e intensamente interessados por livros de receitas, receitas e cardápios. Os participantes começaram a criar rituais estranhos para prolongar suas parcas refeições. Como um participante relatou sobre o experimento, "ele fez da comida a coisa mais importante da nossa vida". Alguns dos homens até mudaram de carreira para trabalharem na indústria alimentícia. Esse tipo de comportamento também é bem documentado entre pessoas com distúrbios alimentares, muitas das quais usam a culinária, blogs especializados e o Instagram como válvulas de escape para suas obsessões por comida.

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Tenho 99% de certeza de que eu teria procurado outro ramo jornalístico se eu não me sentisse tão faminta o tempo todo.

Quando comecei a escrever sobre comida, contudo, eu não sabia de nada disso. Eu só achava que eu era problemática, transtornada e uma completa fraude. E à medida que fui me especializando no meu trabalho, desenvolvi um caso cada vez mais grave de síndrome do impostor. Eu dava duro para manter minhas compulsões, julgamentos corporais e restrições calóricas e de carboidratos escondidas dos meus colegas, certa de que eu sofreria no ostracismo caso eles soubessem.

Eu vivia com medo de que alguém descobrisse as combinações nojentas que eu comia durante minhas sessões de alimentação compulsiva, que frequentemente incluíam massa crua de panqueca — a minha compulsão alimentar mais vergonhosa, e geralmente o único carboidrato que eu mantinha em casa. Mas frequentar eventos e degustações inconscientemente se tornou uma forma autorizada de comer compulsivamente em público: eu podia comer um monte de uma vez só e as pessoas me aplaudiam por isso.

As poucas restrições alimentares sobre as quais eu conversava com meus colegas eram aquelas aparentemente inocentes que vários de nós compartilhávamos: comprar produtos locais e orgânicos sempre que possível, evitar alimentos industrializados, comer menos carne e evitar glúten. O esforço de seguir todas essas regras me causava uma angústia considerável, mas a parte do glúten era especialmente traiçoeira. Afundada em negação, eu procurava uma forma de explicar todos os problemas de saúde que o meu distúrbio me causava, e o glúten virou um bode expiatório fácil. Continuei andando em círculos sempre de volta a ele durante o percurso do meu distúrbio alimentar, e escrevi sobre produtos e dietas sem glúten várias vezes, recebendo elogios dos meus editores.

Na época, eu não sabia identificar o verdadeiro nome dos meus problemas e eu não havia sido diagnosticada. Hoje em dia, em retrospectiva e com conhecimento sobre distúrbios alimentares, entendo porque eu lutava com o que, na época, teria sido chamado de "distúrbio alimentar não específico". Mas eu sempre "pareci saudável", o que provavelmente é o motivo pelo qual nenhum dos meus médicos percebeu isso. Em vez disso, alguns deles foram dispostos demais a me passarem uma dieta sem glúten sem nem investigarem um distúrbio alimentar — e assim, como muitas pessoas, permaneci sem ser diagnosticada.

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No fim de 2006, consegui trabalho como blogueira no Chow (agora Chowhound), onde eu cobria alimentação. Minha função era postar notícias interessantes que saíam todas as semanas, focando especialmente em política alimentar e nutrição.

Um dia, achei um artigo no The Guardian sobre ortorexia, um distúrbio alimentar pouco conhecido na época. Escrevi este trecho: "Como a repórter Kira Cochrane escreve, 'Estamos vivendo em um momento unicamente ortoréxico', no qual notícias assustadoras sobre segurança alimentar, conselhos conflitantes sobre saúde e a prevalência dos alimentos orgânicos desencadeiam ansiedade em massa sobre escolhas alimentares".

Escrever essa frase pode ter sido um momento desconfortável de acerto de contas comigo mesma, mas eu realmente parei para refletir. Meus próprios problemas alimentares haviam sido indubitavelmente exacerbados por tudo o que eu lia sobre saúde, segurança alimentar e questões ambientais, e eu vivenciava uma ansiedade debilitante quanto às minhas escolhas alimentares todos os dias. Eu passava horas sofrendo para decidir entre comprar couve não-orgânica local ou a orgânica que vinha do outro lado do país, a barra de cereais mais industrializada sem glúten ou a menos industrializada com glúten, o leite integral de vaca alimentada com pasto ou o leite orgânico desnatado.

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Eu passava horas sofrendo para decidir entre comprar couve não-orgânica local ou a orgânica que vinha do outro lado do país.

Mas eu ainda não via o paralelo entre meus problemas e o sofrimento das pessoas com ortorexia. Eu mantinha esses sentimentos complicados escondidos até de mim mesma e continuava descontando-os no jornalismo freelancer. Eu trabalhava em casa e meus colegas de quarto nunca estavam em casa, então era fácil esconder meus hábitos alimentares desordenados.

Um ano depois, consegui um emprego em tempo integral na revista Gourmet. Eu mal acreditava que havia conseguido o emprego. No meu primeiro dia de trabalho, coloquei a roupa cara que eu havia comprado para a ocasião, mas ela estava toda errada. Eu estava TÃO gorda, pensei — como eu não havia notado ainda na loja que eu estava tão gorda?

Minha autoimagem corporal já era dolorosamente distorcida há anos, mas trabalhar no prédio da Condé Nast levou essa distorção a um patamar ainda mais alto. Enquanto os escritórios da Gourmet eram cheios de pessoas maravilhosamente simples, eu me sentia um zero à esquerda vendo as modelos no elevador e as redatoras de moda na cafeteria, me comparando com elas de cima a baixo e sempre me sentindo inferior.

Ao mesmo tempo, trabalhar em uma revista sobre comida inevitavelmente forçou meus hábitos alimentares a se tornarem menos restritos. Eu estava cercada principalmente por pessoas que tinham boas relações com a comida, às vezes durante duas ou três refeições ao dia; o nosso expediente era longo e os funcionários costumavam sair juntos para comer após o trabalho. Logo começamos a testar receitas para publicar no site e eu nunca sabia quando eu seria chamada até a cozinha para experimentar um prato. Eu não podia nem fazer cara feia; eu tinha que comer

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Eu não podia nem fazer cara feia; eu tinha que comer.

Não só eu queria parecer normal na frente dos meus colegas, mas eu também queria fazer um bom trabalho. No meu trabalho, diariamente o horário tinha que ser alterado rapidamente, então eu precisava de energia e clareza mental. Comecei a me permitir a ter almoços mais satisfatórios e a beliscar algum dos lanches grátis que sempre estavam disponíveis pelo escritório.

Esses lanches grátis eram complicados, contudo. Uma manhã, alguém da minha equipe trouxe uns bolinhos para uma reunião durante o café da manhã no meu amplo escritório compartilhado, e sobraram uns quatro ou cinco depois. Quando todos saíram, eu disse a uma das estagiárias que ela não podia deixar os bolinhos ali porque eu comeria todos. Foi o mais próximo que cheguei de comentar sobre meu distúrbio alimentar com alguém do trabalho. Ela riu, presumindo que eu estivesse brincando e saiu, deixando a caixa de bolinhos. E claro, algumas horas depois, eu havia limpado a caixa e estava com uma dor de barriga horrível.

Mesmo assim, os bons momentos alimentares superaram bastante os maus. Cada editor tinha uma "verba de pesquisa" mensal para experimentar novos restaurantes e eu usava cada centavo dela. Eu também levava redatores para comer fora e discutir ideias para reportagens, então em algumas semanas eu acabava fazendo mais refeições em restaurantes do que em casa. Quando eu saía, eu não podia controlar o que ia na comida e eu não queria ser aquela cliente chata que pede que mudem os pratos. Então acabei comendo muita coisa que eu receava e deixando rolar.

Lá pela metade dos meus dois anos na Gourmet, eu tinha largado várias das minhas esquisitices com comida. Eu finalmente havia me aberto sobre meus problemas alimentares e de autoimagem com a minha psicóloga, incapaz de evitar falar sobre eles agora que eu passava umas 50 horas por semana cercada por comida. E o aconselhamento dela, além da terapia de exposição que eu tinha no trabalho, me ajudou a dar grandes passos para a minha recuperação. De vez em quando eu ainda me alimentava compulsivamente e ainda me julgava duramente quanto a exercícios e ao meu corpo, mas algo havia mudado.

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Em meados de 2009, entre burburinhos de grandes cortes que aconteceriam na Gourmet, eu aproveitei a oportunidade para pensar nas minhas metas profissionais e decidi fazer um mestrado em nutrição na saúde pública e uma licença como nutricionista registrada. Meu trabalho escrevendo sobre política alimentar e nutrição me fez querer ajudar a mudar o sistema alimentar e, em um nível mais profundo, meus problemas pessoais me fizeram querer ajudar outras pessoas (e a mim mesma) a desenvolverem uma relação melhor com a comida.

Matriculei-me em um curso da Universidade de Nova Iorque com aulas noturnas para poder continuar trabalhando, mas a Gourmet encerrou atividades apenas algumas semanas após o início do curso. Como o resto da equipe, fiquei arrasada. Mas voltar aos estudos também foi uma bênção, porque me levou aos passos finais da minha recuperação: superei meus pensamentos irracionais sobre comida, aprendi os princípios da alimentação intuitiva e desisti de lutar para parecer com uma modelo de passarela.

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Não sofro mais decidindo o que comer ou pensando em como a comida vai afetar meu peso e a minha forma.

Agora tenho orgulho de dizer que estou plenamente recuperada há mais de três anos. Não sofro mais decidindo o que comer ou pensando em como a comida vai afetar meu peso e a minha forma. Quando estou com fome, como qualquer coisa que me der vontade até me sentir cheia e satisfeita. Ainda levo em conta o valor nutricional das diferentes opções, mas dou tanto ou mais peso a fatores como sabor, praticidade e contexto, sabendo que as minhas escolhas alimentares vão se equilibrar com o tempo. Faço exercícios pelos benefícios mentais e pela sensação que eles proporcionam ao meu corpo em vez da aparência.

Ainda escrevo sobre comida e nutrição, mas agora foco em compartilhar informações que, espero, evitem que ao menos algumas pessoas sigam o caminho tortuoso que eu segui. Adoro desmistificar dietas milagrosas, derrubar mitos sobre peso e dar conselhos sobre alimentação balanceada. Entendi que realmente estamos vivendo em um "momento unicamente ortoréxico", então tento oferecer orientações sensatas para qualquer um que esteja pronto para ouvi-las — e empatizo com as pessoas que ainda não estão, porque eu costumava ser uma delas. Hoje em dia, contudo, como sanduíches quase todos os dias.

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A Semana De Bem Com o Seu Corpo é voltada para explorar e celebrar nossas complicadas relações com nossos corpos. Você pode ler os posts da Semana De Bem Com o Seu Corpo aqui.

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Chris Ritter / BuzzFeed





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